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Os consórcios públicos como prática de cooperação territorial no Brasil e a atuação

2. OS CONSÓRCIOS PÚBLICOS NO BRASIL

2.3. Os consórcios públicos como prática de cooperação territorial no Brasil e a atuação

Como explanado na primeira seção desse capítulo os consórcios públicos são como entidades que conjuntamente se formam, entre os entes federados e de forma colaborativa, para realizar ações conjuntas, que individualmente, seria difícil de ser alcançadas. Acabam sendo um pacto de colaboração, norteados judicialmente, pelo desejo de maximizar as ações públicas de maneira cooperativa nos marcos do pacto territorial federativo.

Desta forma, Dieguez (2011) afirma que os consórcios são apreendidos como uma relação contratual entre dois ou mais entes interescalares, podendo ser entendido como um recurso institucional. Abrangendo esse conceito, como destacado no capítulo anterior, as instituições acabam sendo mecanismos de decisão e ação objetivando o alcance de seus propósitos (FONSECA, 2005). Corroborando com isso, os trabalhos de North (1990) apontam que os papéis desempenhados pelos contextos, que no caso desse trabalho são os condicionantes, aprontam por influenciar nas decisões políticas e econômicas do território.

O contexto regional ou nacional pode influenciar as decisões e ações dos consórcios, pois sua formação altera o comportamento dos agentes territoriais envolvidos nessa associação, tornando previsível e estável a relação entre eles. Assim, pode-se aferir, que os consórcios públicos são vistos como um território institucionalizado, balizado pela cooperação dos entes federados, juntos num pacto estabelecido para objetivar a realização de ações coletivas, com o intuito de resolver questões que são comuns dos seus consorciados, visto que o território desempenha um campo de ação com a possibilidade de organizar resoluções estratégicas e institucionais. Cruz (2002) assenta que sobre o formato de associação ou pacto, os consórcios viabilizam o planejamento local e regional, permitindo ganhos de escala, racionalizando todos os recursos, auxiliando na coordenação de planos, avaliações e controle.

Cunha (2004) detalha em três aspectos dos consórcios públicos, eles: 1) são entidades que, destituídas de poder político e de base tributária própria, restringem-se às competências delegadas pelos entes federados que o constituíram; 2) são instrumentos para a gestão territorial cooperativa e de coordenação federativa multiescalar focados no planejamento, regulação e fiscalização dos serviços públicos; 3) são agentes do desenvolvimento regional que, amplificando a efetividade das políticas públicas e dos recursos, facilitam a ação cooperada e ampliam a sua racionalidade executiva em diversas áreas.

Assim, o consórcio público constitui essencialmente um novo instrumento de gestão territorial intergovernamental possibilitando uma maior articulação das iniciativas e políticas públicas entre os níveis de governo. Diante dele, fica à disposição dos entes federados, um recurso institucional que possibilita uma nova prática de cooperação intergovernamental no território, ou seja, esse recurso promove um arranjo político-territorial ao espaço, além de fortalecer a transação entre os níveis de governo na busca por investimentos em seus territórios, aumentando o poder de barganha entre eles, já que pode-se alcançar resultados maiores quando se concretiza uma reivindicação coletiva.

Sendo assim, a sua cooperação procura condições para articular, negociar e controlar as relações de poder territorializadas, que se manifestam na apropriação e definição desse território, pois essa estrutura cooperativa define novos limites territoriais para a elaboração de ações coletivas. Como aponta Rodrigues (2013) o “território da cooperação”, aquele espaço que se torna o próprio referencial das relações intermunicipais.

Em outras palavras, os limites territoriais da cooperação são reconhecidos e compartilhados pelo conjunto de parceiros, o que lhes possibilita identificar problemas comuns e meios de intervenção. Em última análise, “é o território que ordena a cooperação” (JOUVE apud RODRIGUES, 2013, p. 90).

Ponderando o caso de que os municípios são entes autônomos dentro do pacto federativo e que se baseia, por definição, num acordo de base territorial no qual grupos sociais localizados em diferentes partes de um território nacional organizam-se em busca da harmonização entre suas demandas particulares e os interesses gerais da sociedade, apreende- se que este pacto controverte a acomodação de diferenças, sendo um ambiente de constante tensão, incumbindo a essas instituições ajustarem os interesses e controlarem os conflitos. Caracterizando uma figura política institucional que, preservando a diversidade, tem como desígnio a árdua tarefa de unificar e conciliar objetivos, muitas vezes opostos (CASTRO, 2005).

A legislação consorcial prevê para o Brasil formas de associação entre os entes federados. Segundo a lei, considera-se como área de atuação do consórcio público, independentemente de figurar a União como consorciada, a que corresponde à soma dos territórios: a) dos municípios, quando o consórcio público for constituído somente por municípios ou por um estado e municípios com territórios nele contidos; b) dos estados ou dos estados e do Distrito Federal, quando o consórcio público for, respectivamente constituído

por mais de um estado ou por um ou mais estados e o Distrito Federal, ou; c) dos municípios e do Distrito Federal, quando o consórcio for constituído pelo Distrito Federal e os municípios.

Logo, como descrito anteriormente, os consórcios intermunicipais são na forma de cooperação horizontal, onde normalmente, a iniciativa parte dos próprios municípios através da identificação de um problema comum e da construção de um sistema de gestão compartilhada entre eles que permita uma relação harmônica entre os atores envolvidos, assim como, entre estados e estados com as mesmas prerrogativas dos intermunicipais.

As possibilidades de relações territoriais previstas na Lei nº 11.107/2005 permitiram efetivamente a flexibilização das atividades consorciadas e o tratamento de questões em múltiplas escalas pelos consórcios. A lei também não estabelece a obrigatoriedade de esses territórios serem contíguos, muito embora seja mais lógico e bastante desejável que eles sejam próximos entre si o suficiente para favorecer as condições do planejamento físico-territorial e das ações regionais.

Portanto, existe a possibilidade de existirem associações entre municípios não caracterizados pela vizinhança, bem como a autonomia dos municípios frente aos estados para promover a integração regional. Outro aspecto interessante refere-se à impossibilidade de municípios se agregarem a estados que não estejam em seus territórios, essa apreensão denota o cuidado a fim de que um estado não intervenha no plano territorial de outro estado, o que poderia gerar conflitos de competência federativa (VARGAS, 2012).

No Brasil, existe relato de consórcios públicos há muito tempo, como descrito acima, mas a Lei de 2005 tornou essa forma de cooperação mais popular. Nas Pesquisas de Informações Básicas Municipais realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o Perfil dos Municípios Brasileiros – Gestão Pública (MUNIC), no ano de 2005 o Brasil possuía 5.564 municípios, e destes, 4388 faziam parte de algum tipo de consorciamento intermunicipal, já em 2012 o número dessas cooperações(5631) superou a quantidade de municípios brasileiros, que são 5.565.

No entanto, cabe destacar que a conceituação sobre os consórcios se transformou ao longo do tempo, nessa perspectiva do IBG, desde a primeira pesquisa em 2001, passando por diferentes categorias e classificações, e com Lei 11.107/2005, o IBGE buscou adequar os exercícios políticos dos entes à nova legislação dos consórcios públicos.

Assim, na pesquisa de 2005, a cooperação entre os municípios recebeu o título de “articulações interinstitucionais entre os entes federativos”, já dividindo os consórcios entre consórcios públicos intermunicipais, com a União e com os estados, além das outras formas de parceria, como convênios de parceria com o setor privado, e apoio do setor privado e de

comunidades. No entanto, mesmo com a adequação do IBGE à Lei Federal de 2005, apenas com o Decreto de 2007, é que concretamente essa forma de associativismo passou a vigorar de forma regulamentada. Logo, a pesquisa de 2012, traz dados sobre os consórcios públicos, contando com a mesma metodologia de 2005.

Apreende-se, dessas pesquisas, que houve um aumento considerável na quantidade de municípios que declararam fazer parte de algum tipo de consorciamento no Brasil. Uma das possibilidades para isso foi à regulamentação da Lei, como dito acima, e da maior divulgação dos benefícios para os municípios em se juntaram para resolver suas demandas e de induções e incentivos do governo federal aos mesmos.

Baseado nisso Ravanelli (2010) salienta que essas induções pode acontecer, na maioria das vezes pelo viés financeiro, quando a União reduz os limites de contrapartidas para os municípios consorciados, abre editais específicos para consórcios, linhas de créditos exclusivas, amplia os valores referenciais para as licitações com essa entidade, dentre outros. Dito isso, a Secretária de Relações Institucional vem trabalhando no território brasileiro com a fomentação dos consórcios públicos como unidade de gestão para as políticas públicas no Brasil.

O IBGE disponibiliza um mapeamento entre a frequência do consorciamento e a sua localização no território brasileiro (figura 5) nos dois momentos de observação, 2005 e 2009, mesmo com a escala pouco precisa é um dos mapas mais esclarecedores sobre a evolução dos consórcios públicos no país, o que possibilita fazer algumas considerações sobre esse arranjo institucionais.

Nota-se nesses mapas que os municípios pertencentes às regiões Sudeste e Sul, desde antes da aprovação da legislação, já possuíam uma maior popularização dos consórcios, ou seja, um maior número de municípios participa. No entanto, é preciso ressaltar que os estados de Minas Gerais e do Paraná apresentam maiores densidades de consórcios intermunicipais do território brasileiro, o que pode ser explicado pelas consistentes políticas de incentivos oriundas também dos seus governos estaduais. Outro ponto a ser salientado pela análise do mapa é que predomina um único consorciamento por município, ou seja, eles fazem parte de apenas um consórcio.

Entretanto, na análise do mapa de 2009 percebe-se que as regiões Norte e Centro-oeste concentra boa quantidade de municípios que se consorciam várias vezes, podendo ser visto como um ganho da nova legislação e fomentação. Pois o fato de um município se consorciar a outros, formando novos consórcios demonstra que esse novo instrumento de cooperação vem ganhando credibilidade no país.

Figura 5: Mapeamento dos consórcios intermunicipais no Brasil nos anos de 2005 e 2009.

A fim de melhor ilustrar essa situação a tabela 1 traz o total de municípios no Brasil engajados em consórcios públicos intermunicipais, segundo as áreas de atuação levantadas na pesquisa, nos anos de 2005 e 2012, com a intenção de fazer uma análise comparativa.

Tabela 1: Evolução do número de municípios consorciados por área nos anos de 2005 e

2012 Área de atuação / Municípios - Ano Número de municípios consorciados - 2005 Número de municípios consorciados - 2012 Educação 248 280 Habitação 106 241 Meio ambiente 387 704 Saúde 1906 2288 Assistência e desenvolvimento social 222 232 Emprego/Trabalho 114 143 Turismo 351 456 Cultura 161 248 Transporte 295 211 Desenvolvimento urbano 255 402

Saneamento e/ou manejo de

resíduos sólidos 343 426

TOTAL 4388 5631

No ano de 2005, o Brasil possuía 5.564 municípios, e destes, 81,5% eram articulados de forma consorcial, já em 2012 o número de formas de cooperação superou a quantidade de municípios brasileiros, que são 5.565, levando em consideração a metodologia utilizada pelo MUNIC, ou seja, considerando o fato de que o prefeito classifica a forma de articulação intermunicipal como consórcio público.

Apreende-se também que a nítida expansão de formas de cooperação no setor da saúde, e sua evolução no decorrer do tempo, principalmente como resultado da atuação histórica dos profissionais e políticos ligados ao setor e que utilizaram os consórcios como mecanismo de articulação intermunicipal na atenção à saúde da população, especialmente depois da implantação do Sistema Único de Saúde (SUS). Em todas as outras áreas houve um aumento considerável na quantidade de consórcios públicos, destacando-se a área de meio- ambiente, que, de fato, entrou na agenda política brasileira.

Entretanto, segundo pesquisa de Abruccio, Sano e Sydow (2011) é preciso fazer algumas observações com relação a essa dimensão dessas articulações intermunicipais, visto que grande parte destes é fragilizada em relação a sua operacionalidade, não possuindo uma densidade institucional que efetivamente possa conceber um algum ganho para o território em que estão implantados. Além do fato de que nessas pesquisas os municípios fazem parte de mais de um tipo ou modalidade de arranjo intermunicipal, como: Regiões Integradas de Desenvolvimento – RIDE, consórcios administrativos, agências intergovernamentais, consórcios públicos dentre outros. Assim, não tem como saber com exatidão a quantidade de consórcios públicos existentes no país, pois como salientado acima, os prefeitos classificam seus municípios como consórcio públicos podendo estes fazer parte de outra modalidade de arranjo cooperativo institucional.

Em relação aos incentivos de formação dos consórcios pelo governo federal uma das áreas que recebeu maior indução foi a dos resíduos sólidos, no qual a aplicação dos recursos prioriza essas instituições. Sendo necessário destacar que a maioria dos municípios brasileiros apresenta situação delicada em relação aos modelos tradicionalmente adotados para o manejo dos resíduos sólidos, expondo uma insuficiência técnica e administrativa que é agravada pela frequente insustentabilidade financeira dos sistemas implantados.

De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos – SINIR essa fomentação é uma alternativa de resolução da questão.

“É uma forma de induzir a formação de consórcios públicos que congreguem diversos municípios para planejar, regular, fiscalizar e prestar os serviços de acordo com tecnologias adequadas a cada realidade, com um quadro permanente de

técnicos capacitados, potencializando os investimentos realizados, e profissionalizando a gestão.” (SINIR, 2014).

Assim, esse incentivo faz com que os municípios que optarem por esse viés do consorciamento sejam dispensados da elaboração dos seus Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, ficando a cargo da entidade, além de permitir a maximizar dos recursos humanos, da infraestrutura e dos ganhos financeiros para os entes envolvidos.

De acordo com a SRI um dos ministérios que mais repassa recursos para consórcios públicos é Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) através dos programas de desenvolvimento local, segurança alimentar, desenvolvimento sustentável, convívio com o semiárido e geração de trabalho e renda.

A fim de fortalecer os consórcios públicos intermunicipais foi criada a Confederação Nacional dos Consórcios Intermunicipais do Brasil – CONACI/BR, em 2012. De acordo com o atual presidente “os consórcios têm um importante papel na solução de problemas regionais. O município sozinho às vezes não dá conta de resolver, mas, através da articulação em grupo, as barreiras podem ser transpostas com mais facilidades. Esse papel é estratégico, pois os consórcios são ferramentas importantes e podem contribuir com a eficácia das políticas públicas”. (CIS/AMUNESC, 2012)

Assim, diante dessa nova conjuntura percebe-se o sucesso dos consórcios públicos, não pode ser visto com de forma imediata, pois não basta que se satisfaça apenas com a parceria para que essa instituição tenha êxito (DIEGUEZ, 2011), é necessário levar em consideração outros fatores, dentre eles, a relação do federalismo brasileiro e da descentralização utilizada para nutrir essas entidades, a forma como os condicionantes estratégicos influenciam o papel desempenhado por um consórcio, e uma das perspectivas desse trabalho: o conteúdo do território e como ele desempenha um peso importante à gestão territorial, o que será analisado a partir dos próximos capítulos.