• Nenhum resultado encontrado

5. AS AÇÕES DO CONSÓRCIO PORTAL DO SERTÃO E A FORMA COMO OS

5.7. Projeto Segunda Água

O projeto tem o objetivo promover a conservação, a preservação e a reconstituição dos agroecossistemas, com a adoção de práticas focadas no ambiente natural, através da construção de tecnologias sociais de captação de água da chuva em propriedades de agricultores familiares do semiárido sendo que essa água será utilizada para a produção agropecuária, possibilitando o desenvolvimento econômico, social e ambiental de maneira sustentável dos agricultores familiares.

O projeto, oriundo do Governo Federal, através do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS, engloba três grandes ações destinadas à população rural do semiárido: (1) o Projeto Primeira Água – tecnologias sociais para o consumo; (2) o Projeto Segunda Água – tecnologias sociais à produção e; (3) o Projeto Terceira Água – tecnologias sociais para as escolas. Tecnologias sociais é o termo dado ao conjunto de técnicas e metodologias transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a população e apropriadas por ela, que representam soluções para inclusão social e melhoria das condições de vida. O MDS, atualmente, financia a implementação de diversos tipos de tecnologias como cisterna calçadão, cisterna de enxurrada, barragem subterrânea, tanque de pedra, sistema de barraginhas, barreiros trincheiras, entre outras (MDS, 2014).

Sendo assim, como destacado no capítulo III, três consórcios na Bahia receberam esse programa em 2013, eles juntaram forças para elaborar o projeto e ao mesmo tempo deram entrada no MDS no sentindo de fortalecer a ação consorcial do território. Assim, para o CDSTPS foi repassado o valor de 14.795.205,00 reais para a construção de 1300 tecnologias sociais nos 14 municípios consorciados, do tipo da cisterna calçadão, barreiros trincheiras e barragem subterrânea.

A cisterna calçadão é um tipo de reservatório de água cilíndrico, coberto e semienterrado, que permite a captação e o armazenamento de águas das chuvas a partir de umcalçadão de 200 m². O reservatório é coberto e fechado, protegido da evaporação e das contaminações causadas por animais. A área de captação, chamada calçadão, tem sua área delimitada por um meio fio, e fica num plano mais elevado que o reservatório, dotado de uma pequena declividade visando conduzir a água para uma caixa de decantação e daí para o reservatório. (MDS, 2014).

Já os barreiros trincheira são reservatórios escavados no subsolo, com paredes verticais, estreitos e profundos. O barreiro trincheira de referência deve ser capaz de armazenar pelo menos 500 m³ de água, e deve possuir entre 3 e 5 metros de profundidade, de forma a reduzir a evaporação e manter a água acumulada por mais tempo. (MDS, 2014).

A barragem subterrânea é um barramento transversal ao leito das enxurradas, córregos e riachos temporários, por meio da fixação de uma manta de plástico flexível em uma vala escavada até encontrar o cristalino ou impermeável, que é uma camada rochosa característica dos solos de grande parte do semiárido brasileiro. Sua função é reter a água da chuva que escoa em cima e dentro do solo, proporcionando a formação ou elevação do lenço freático. (MDS, 2014).

A escolha dessas tecnologias deu-se através do estudo do MDS em relação à caracterização física do território do consórcio. Na sua gestão cabe ao consórcio o monitoramento e acompanhamento das atividades, visto que a execução do serviço fica a cargo de uma entidade executora, contratada através de seleção pública, nesse caso específico, a ganhadora da triagem foi a Fundação de Apoio à Agricultura Familiar do Semiárido da Bahia – FATRES, entidade formada em 1996 que, ao longo do tempo, vem desenvolvendo e executando projetos no semiárido baiano.

Diante dessa seleção, a FATRES contratou uma equipe técnica composta por 12 funcionários: um coordenador; dois supervisores técnicos; sete técnicos de campo (engenheiros agrônomos), sendo um para atuar em duas cidades consorciadas e; um apoio administrativo. Além desses, o consórcio disponibiliza de um coordenador e dois apoios administrativos para fiscalizar e auxiliar nos trabalhos.

Às prefeituras cabe uma contrapartida no valor de 144.952,05 reais a ser repassado no primeiro e no último mês do programa, além de acompanhar a seleção das famílias e auxiliar a entidade executora do projeto. Para implementar qualquer uma das tecnologias de captação e armazenagem de água da Segunda Água, é necessário seguir alguns passos:

(1) Mobilização: as ações preparatórias nos municípios, mostrando o objetivo do programa à população e a formação de um Conselho Municipal de Desenvolvimento Sustentável – CMDS, caso o município ainda não o possua. Sendo que a partir do CMDS é formada uma comissão destinada a acompanhar o projeto. Interessante destacar aqui o papel da participação popular nas ações do governo federal na implantação dos programas.

(2) Cadastro dos beneficiários: a comissão, junto com o técnico da FATRES, escolhe o beneficiário, baseado nos critérios estabelecidos pelo MDS, tais como: renda familiar per capita baixa; famílias chefiadas por mulheres; maior número de crianças; maior número de

pessoas com deficiência; maior número de idosos; participar de alguma associação comunitária rural; e ser produtor e/ou criador de pecuária. No ato do cadastro, a depender do objetivo do beneficiário, é destinado o tipo de tecnologia que ele ira receber. Logo, a organização do território, dentro desse programa, fica a cargo dos agentes locais, especialmente, dos membros do CMDS.

(3) Capacitação às famílias: curso sobre o melhor uso da gestão da água e da produção. Além de capacitá-los sobre a manutenção da tecnologia.

(4) Construção da tecnologia no melhor local da propriedade do beneficiário.

(5) Caráter produtivo: após todas as etapas, o beneficiário recebe um kit com equipamentos a fim de melhorar a sua produção. No caso específico dos municípios do consórcio, foram destinados quatro tipos de kits: fruticultura, avicultura, hortaliça e pecuária. De acordo com o coordenador do projeto, a escolha de cada caráter deu-se através do foco de produção dos próprios agricultores.

Inicialmente, como descrito acima, o consórcio recebeu 1300 tecnologias sociais a serem divididas igualmente entre os municípios. Entretanto, a tecnologia de barragem subterrânea não foi bem aceita pelos agricultores do território, sendo assim, o consórcio transferiu a sua destinação para os outros dois tipos de tecnologias: a cisterna calçadão e o barreiro trincheira.

Outro ponto a ser destacado é que o município de Conceição do Jacuípe não se mostrou solícito a receber o projeto. Segundo o engenheiro agrônomo responsável pelo município, na primeira etapa do projeto, os agricultores não compareçam às reuniões e não quiseram receber o benefício, para ele, isso aconteceu porque o município não sofre com escassez de água e possui poucos agricultores familiares. Sendo assim, a gestora municipal repassou sua parte para os outros municípios consorciados que mais demandavam por tecnologias sociais.

Essa situação de Conceição do Jacuípe corrobora com sua peculiaridade em relação aos outros membros consorciados, o seu caráter industrial, já apontado no gráfico 2. Em entrevista concedida à pesquisadora desse trabalho, o representante municipal salientou que, por enquanto, o consórcio ainda não beneficiou um município, visto que as ações são mais voltadas para a zona rural, “nosso município é industrial, nossa área rural é bem pequena, assim, os projetos não atingem nossas demandas. Acho importante que o consórcio conheça melhor a caracterização do local para implantar os programas.” (Representante do município de Conceição do Jacuípe, em entrevista concedida em 13.11.2014).

Entretanto, a ação apresentada por esse município reafirma a noção de cooperação territorial defendida por Jouve (apud RODRIGUES, 2013), pois é o território, nesse caso institucionalizado pelo consórcio, que ordena a cooperação entre os municípios, mesmo que inicialmente o benefício não abranja a todos. Assim Conceição do Jacuípe vem desempenhando uma responsabilidade de desenvolvimento de todo o território do Consórcio Portal do Sertão.

Nas entrevistas com os outros representantes municipais, o projeto Segunda Água é a ação mais positiva executada pelo consórcio em seu território. Isso foi verificado na divulgação que as prefeituras vêm fazendo em cima do projeto, por exemplo, na sala da recepção da prefeitura de Tanquinho há um banner do programa com o intuito de divulgar o programa e o consórcio.

Além de toda a divulgação via sites locais e páginas virtuais, das ações do projeto, principalmente da última etapa na entrega do caráter produtivo, sendo um evento de cunho municipal com participação dos beneficiários, da equipe executora, do consórcio e de membros das prefeituras. De acordo com o secretário executivo, esse evento é importante para divulgar a imagem e as ações do consórcio Portal do Sertão.

Com as mudanças destacadas acima, a quantidade de tecnologias sociais passou de 1300 para 1481, visto que como valor de implantação de uma barragem subterrânea constrói- se mais barreiros trincheira e cisternas calçadão. Logo, ficou destinado a ser implantado 866 barreiros trincheira, 610 cisternas calçadão e 5 barragens subterrâneas (no sentido de divulgar essa nova tecnologia ao território, ainda não construídas).

A tecnologia dos barreiros trincheira, executada no território do CDSTPS, tem as dimensões de 5m de profundidade x 5m de largura x 26m de cumprimento, com capacidade de 500 mil litros de água. Normalmente, são construídos em áreas de baixa declividade para fazer com que a água escoe para dentro dela, como demonstrada na Figura 20.

Figura 20. Barreiro trincheira município de Irará, 2014.

Fonte: Pesquisa de Campo, 2014

Em conversa com os beneficiários do projeto, nas visitas de campo realizadas nos municípios, a tecnologia acaba gerando novas formas de ganho para sua produção. De acordo com a agricultora familiar que recebeu esse barreiro trincheira, “quando a minha aguada encher vou poder plantar mais hortaliças e criar mais galinhas.” (Entrevista concedida em 04.11.2014). Para o membro do CMDS de Irará, a tecnologia do barreiro é construída de forma bem peculiar, pois o fato de ele ser mais fechado na largura faz a água não evaporar, “o que é muito bom para nosso clima”. (Representante do Conselho Municipal de Desenvolvimento Sustentável de Irará, em entrevista concedida em 04.11.2014).

Já a tecnologia da cisterna calçadão é uma novidade para muitos municípios do consórcio. Ela baseia-se na construção de um calçadão, com área de 200 m², onde a água é escoada para uma cisterna com capacidade para 52 mil litros, como verificado na Figura 21, cisterna calçadão no município de Água Fria.

Figura 21. Cisterna calçadão no município de Água Fria, 2014.

Fonte: Pesquisa de Campo, 2014

De acordo com a agricultora, que já produz mandioca, feijão e milho e vende na feira livre da cidade, a tecnologia “vai melhorar muito minha situação, agora terei mais água, posso plantar mais” (Entrevista concedida em 04.11.2014).

Essa tecnologia é bastante eficaz, especialmente para captação de água e armazenamento, além de ser fonte de renda aos munícipes, visto que os pedreiros que constroem a tecnologia são dos próprios municípios. Para prepará-los para atuarem na construção de cisternas, o consórcio disponibilizou cursos aos interessados, entretanto, poucos foram os interessados e, em alguns municípios, há dificuldade para a implantação dessa tecnologia.

De acordo com essas informações a figura 22 traz o mapeamento das tecnologias sociais já construídas nos municípios consorciados até o ano de 2014.

Figura 22: Tecnologias sociais já construídas nos municípios do CDSPTS, 2014.

Ao total já foram instaladas mais de 60% das tecnologias sociais destinada aos municípios pertencentes ao Consórcio Portal do Sertão. Sendo que o barreiro trincheira predomina pela simplicidade de excursão da obra, apenas com a utilização da máquina retroescavadeira. Outro ponto a ser destacado com essa figura é o fato de que em alguns locais há mais tecnologias instaladas que em outros, isso deve-se a agilidade da comissão formada pelo CMDS de cada município, bem como da disponibilidade de mão-de-obra para executar o serviço.

Esse projeto, o mais visto pelos representantes municipais, gera uma descentralização administrativa do governo federal à instituição do consórcio e dá autonomia aos municípios, de forma participativa, para implantar o projeto. O que pode ser indício de uma descentralização cooperada, pois, apesar do projeto já vir pronto ao consórcio, eles tiveram habilidade de adequá-lo a sua realidade, salientando mais uma vez que a descentralização é

um processo e não uma solução e que uma equipe técnica bem qualificada acaba gerando maiores ganhos as ações consorciadas.