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3. CONSELHOS GESTORES DE POLÍTICAS PÚBLICAS

3.2 Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS)

Os conselhos gestores de Assistência Social estão definidos na Lei 8.742/1993, a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS). Sobre o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), Raichelis (2015) analisa que,

apesar dos conflitos, dificuldades e morosidades que presidiram a instalação do CNAS, a conquista deste espaço representa a concretização de um dos principais mecanismos democratizantes propostos na LOAS – que definiu como suas atribuições a aprovação, o acompanhamento, a fiscalização e a avaliação da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e dos recursos para a sua implementação por meio do Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) (RAICHELIS, 2015, p. 158- 159).

A primeira composição do CNAS tomou posse em 04 de fevereiro de 1994, durante o governo Itamar Franco. Através de entrevistas com participantes desta gestão, Raichelis pontuou que as relações estabelecidas entre o CNAS e o Ministério do Bem-Estar Social, nesse momento foram cheias de tensões, pois a então ministra da pasta, não reconhecia a importância do Conselho.

As dificuldades iniciais de funcionamento do Conselho que são mencionadas pelos entrevistados iam desde a falta de necessária infraestrutura (uma sede, por exemplo), que não foi prontamente posta à disposição dos conselheiros, até as tensões que cercaram o relacionamento cotidiano com um Executivo que ‘virava as costas’ para o Conselho (RAICHELIS, 2015, p. 163).

Outras dificuldades apontadas foi a herança cartorial do antigo CNSS criado em 1938, que foi extinto pela LOAS e as inúmeras denúncias de corrupção deste órgão:

A extinção do CNSS e sua substituição pelo CNAS deram-se em uma conjuntura política de críticas à conduta ética do antigo Conselho, alvo de acusações de corrupção, apadrinhamento e clientelismo político no processo de concessão de registros e certificados de utilidade pública, isenções fiscais e subvenções às entidades prestadoras de serviços assistenciais (RAICHELIS, 2015, p. 164).

Entretanto, Raichelis analisa que essa mesma herança cartorial que a princípio foi um grande entrave, serviu para o fortalecimento do seu trabalho burocrático, pois o Conselho

conseguiu estruturar uma sistemática de trabalho através de assessorias, consultorias e redes de trabalho com universidades e técnicos.

Em 1998, no governo FHC, a Norma Operacional Básica da Assistência Social definiu as diretrizes básicas para a consecução da PNAS/1998, com estratégias, princípios e diretrizes para a sua operacionalização. O que trouxe contribuições significativas no que tange a transferência automática de recursos entre os níveis de governo, via Fundos de Assistência Social e a autonomia dos estados e municípios para geri-los. A partir desta normativa, as atribuições dos Conselhos de Assistência Social foram ampliadas e foi fomentado a criação de espaços de negociação e pactuação que foram denominados de Comissão Intergestores Tripartite (CIT), formada pela união, estados e municípios, e a Comissão Intergestores Bipartite (CIB), formada pelos estados e municípios, os quais passaram a ter caráter deliberativo no âmbito operacional na gestão da política. Entretanto, não houve nesse momento reformas de implementação da Política, mas sim, modificações de princípios e normas legais (SÁTYRO & CUNHA, 2014). O objetivo do governo FHC era diminuir ao máximo a responsabilidade do Estado com a Assistência Social e transferir essa função e recursos públicos para as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), criadas pela Lei n.9790/1999 (CUNHA & PINHEIRO, 2009).

Somente nos anos 2000, no governo Lula que as reformas de implementação da Política Nacional de Assistência Social alteraram de forma significativa a sua estrutura. Através de Resoluções do CNAS, são estabelecidas a PNAS/2004 e o SUAS/2005. Cortes (2015) chama a atenção para o fato de que o governo não se utilizou de Portarias Ministeriais, mas de Resoluções do Conselho. De acordo com uma das entrevistas feitas por Cortes com uma conselheira governamental do CNAS, essa decisão do governo se justificou, pois:

Nós precisávamos fazer mudanças rápidas no governo federal, mudanças na área, implantar o Sistema Único de Assistência Social, mudar a normatização da área. Então, a gente sabia que se fosse pelo trâmite burocrático de portarias, decretos e legislação, ia demorar mais. Então, a gente foi por Resoluções do Conselho Nacional (...) então, a gente construiu todo um projeto e fomos implantando o SUAS por Resoluções do Conselho Nacional, mesmo antes de transformá-lo [o SUAS] em lei (A.S., entrevista de 10/10/2011) (CORTES, 2015, p.143).

Dessa forma, o CNAS ganhou um novo e importante papel institucional na estruturação e normatização nacional do SUAS/2005. A partir da Lei 12.101/2009, o CNAS deixou de exercer a função herdada do CNSS, de certificar as entidades como beneficentes de assistência social para garantia de isenções fiscais, o que proporcionou que o CNAS assumisse um papel político mais efetivo, com o foco na implementação do SUAS.

Para Cortes (2015), os governos de Lula e Dilma favoreceram a participação de profissionais assistentes sociais em cargos de direção estratégicos para a formulação e implementação da PNAS/2004. A autora utiliza o conceito de policy community para se referir ao protagonismo que essas profissionais tiveram no MDS e no CNAS.

A noção de policy community, em contraste, refere-se a um número limitado e relativamente estável de membros que dividem os mesmos valores e visão sobre quais devem ser os resultados da política setorial. As decisões são tomadas dentro dessas communities, em processos fechados para outras comunidades e para o público em geral (Rhodes, 1986). Policy communities participam das redes de políticas, tentando afetar processos decisórios que se tornaram muito segmentados, na medida em que as políticas são elaboradas por uma miríade de organizações interconectadas e interpenetradas (Jordan & Richardson, 1979). As noções de policy community e rede de política (Heclo, 1978; Jordan & Richardson, 1979; Rhodes, 1986) buscam entender como se processam as decisões nas diversas áreas de políticas públicas e nos centros decisórios dos governos. Elas podem ser denominadas como triângulos de ferro, nichos temáticos, subsistemas políticos, redes temáticas, advocacy coalitions, mas “qualquer que seja a denominação adotada, ela se refere a uma comunidade de especialistas operando fora do processo político visível, em contextos nos quais a maior parte das questões de cada política setorial específica é tratada no interior de uma comunidade de experts” (True; Jones & Baumgartner, 2007, p. 157-158) Um grupo de experts, integrantes de uma community, ao tornar-se decisor político, age no sentido de escolher as alternativas de solução para os problemas que se apresentarem na agenda governamental que sejam as mais adequadas aos seus valores e visão sobre os resultados desejáveis da política. Age de forma estratégica e constrói alianças com atores societais e governamentais para a consecução de seus objetivos (CORTES, p.132)

A partir destas definições, Côrtes (2015) identificou que determinadas assistentes sociais que atuaram no Poder Executivo e no CNAS formaram essa policy community, o que foi fundamental para a transformação do papel exercido pelo CNAS e na implementação da PNAS/2004, na mesma perspectiva defendida pela CF/1988 e pela LOAS/1993, em defesa da Assistência Social como direito do cidadão e responsabilidade do Estado.

Couto, Raichelis, Silva e Yazbek ressaltam a importância destas mudanças para as forças políticas da área da assistência social como um todo:

a implantação da PNAS e do SUAS tem liberado, em todo o território nacional, forças políticas que, não sem resistências, disputam a direção social da assistência social na perspectiva da justiça e dos direitos que ela deve consagrar, a partir das fundas alterações que propõe nas referências conceituais, na estrutura organizativa e na lógica de gestão e controle de ações na área (2017, p.68).

Vale ressaltar a valorização do CNAS pelo governo Lula, pois desde a sua criação, as relações estabelecidas entre o CNAS e o Executivo foram de fortes tensões e dificuldades de todos os tipos. Para Cunha & Pinheiro (2009), o fato de profissionais assistentes sociais comprometidas com o Movimento da Assistência Social terem assumido cargos importantes na Secretaria Nacional de Assistência e MDS, proporcionou um diálogo com a sociedade civil de valorização e de respeito do CNAS como espaço legítimo de interlocução e deliberação.

Outro fator importante de valorização do CNAS foi a constatação do “poder multiplicador da organização da área da assistência social nos estados e municípios” através das Conferências Nacionais, Estaduais e Municipais, o que deu visibilidade ao CNAS (RAICHELIS, 2015). Por ocupar esta posição estratégica a nível nacional, a atuação do CNAS foi reconhecida no governo Lula, “como o caminho mais curto e rápido para viabilizar a implementação das diretrizes que passavam a organizar o SUAS”, através da publicação de Resoluções (CORTES, 2015). Veremos ao apresentar a pesquisa empírica, a importância da normatização do CNAS para a orientação das ações do Conselho Municipal de Assistência Social de Salvador no exercício do controle social da Política Municipal da Assistência Social.