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O Estado, o poder, as classes e a crise do capitalismo monopolista em Poulantzas

1. ESTADO E SOCIEDADE CIVIL: ANTONIO GRAMSCI, RALPH MILIBAND,

1.4 O Estado, o poder, as classes e a crise do capitalismo monopolista em Poulantzas

Assim como Miliband, Poulantzas analisou o conceito de Estado no período áureo do regime de bem-estar na Europa na década de 1960 e o início de sua crise na década de 70. Em sua obra, O Estado, o Poder e o Socialismo (1985), Nicos Poulantzas defende que a teoria do Estado capitalista para ter caráter científico, deve levar em consideração as suas condições históricas de constituição e reprodução, ou seja, explicar as transformações ocorridas no Estado, de acordo com as formas, os estágios e as fases do capitalismo (estágios concorrencial e imperialista/fase capitalista monopolista). “Uma teoria de Estado capitalista só pode ser elaborada ao se relacionar este Estado com a história das lutas políticas dentro do capitalismo” (POULANTZAS, 1985, p. 30).

Para o autor, as transformações que ocorrem ao longo da reprodução do capitalismo modificam a constituição e reprodução das classes sociais, das lutas políticas e da dominação política em diversas formações sociais. As relações de classe sempre aparecem neste processo, pois o Estado possui uma materialidade institucional que se refere ao seu caráter de classe. Além disso, o Estado não se restringe a um aparelho repressivo e ideológico.

[...] a relação das massas com o poder e o Estado, no que se chama especialmente de

consenso, possui sempre um substrato material. Entre outros motivos, porque o

Estado, trabalhando para a hegemonia de classe, age no campo de equilíbrio instável do compromisso entre as classes dominantes e dominadas. Assim, o Estado encarrega-se ininterruptamente de uma série de medidas materiais positivas para as massas populares, mesmo quando estas refletem concessões impostas pela luta das classes dominadas (POULANTZAS, 1985, p. 36).

Desse modo, o Estado para Poulantzas exerce papel decisivo nas relações de produção e de luta de classes, desde sua formação e sua reprodução. O autor ressalta a existência de relações de poder que ultrapassam o Estado, como por exemplo, na divisão do trabalho e na luta de classes. Em respostas às críticas feitas às concepções marxistas de poder de classe e o poder político, Poulantzas responde que,

[...] todo poder (e não somente um poder de classe) só existe materializado nos aparelhos (e não somente nos aparelhos). Esses aparelhos não são simples apêndices do poder, porém detém um papel construtivo, pois o próprio Estado está presente organicamente na geração de poderes de classe. Entretanto, na relação poder/aparelhos, e mais particularmente luta de classes/aparelhos, é a luta (das classes) que detém o papel fundamental, luta cujo campo é o das relações de poder, de exploração econômica e de domínio/subordinação político-ideológica. As lutas sempre detêm primazia sobre os aparelhos-instituições, e constantemente os ultrapassam (POULANTZAS, 1985, p. 51).

O Estado, por sua vez, tem o papel de representar e organizar o interesse político da ou das classes dominantes no bloco do poder. Assim como vimos a utilização do conceito de Bloco Histórico em Gramsci, Poulantzas se apropria deste conceito e o redefine como o bloco no poder, que é

[...] composto de várias frações de classe burguesas (pois a burguesia é dividida em frações de classe), do qual participam em certas circunstâncias as classes dominantes provenientes de outros modos de produção, presentes na formação social capitalista: caso clássico, ainda hoje em dia, nos países dominados e dependentes, dos grandes proprietários de terra. Organização, na perspectiva do Estado, da unidade conflitual da aliança de poder e do equilíbrio instável dos compromissos entre seus componentes, o que se faz sob a hegemonia e direção, nesse bloco, de uma de suas classes ou frações, a classe ou fração hegemônica (POULANTZAS, 1985, p.145).

O conceito de bloco no poder resulta no entendimento do Estado capitalista como uma unidade política das classes dominantes. Existe uma relativa autonomia deste Estado proveniente de sua materialidade.

O Estado pode preencher essa função de organização e unificação da burguesia e do bloco no poder, na medida em que detém uma autonomia relativa em relação a tal ou qual fração e componente desse bloco, em relação a tais ou quais interesses particulares. Autonomia relativa do Estado capitalista: remete à materialidade desse Estado em sua separação relativa das relações de produção, e à especificidade das classes e da luta de classes sob o capitalismo que essa separação implica (POULANTZAS, 1985, p.146).

Desse modo, o Estado é definido por Poulantzas

[...] como uma relação, mais exatamente uma condensação material (o Estado- aparelho) de uma relação de forças entre as classes e frações de classe tal como se exprimem, sempre de modo específico (separação relativa do Estado e da economia dando lugar às instituições próprias do Estado capitalista) no próprio seio do Estado (POULANTZAS, 1977, p. 22).

Aqui Poulantzas ressalta a importância da definição do Estado como uma relação resultante das contradições de classes que existem em seu interior. Esta definição resolve o que ele chama de um pseudo dilema da análise contemporânea do Estado, o Estado entendido como coisa-instrumento ou o Estado como sujeito. Ele critica tanto a visão instrumentalista, quanto a visão institucionalista e funcionalista do Estado.

O Estado como coisa: a velha concepção instrumentalista do Estado, utensílio passivo, senão neutro, totalmente manipulado por uma única fração, caso em que não se reconhece nenhuma autonomia ao Estado. O Estado como Sujeito: a autonomia do Estado, considerada aqui como absoluta, é relacionada a sua vontade própria como instância racionalizante da sociedade civil (POULANTZAS, 1977, p. 22, grifos nossos).

Poulantzas analisa que a concepção do Estado como Sujeito que aparece em Hegel e é retomada na análise de Weber, e pela corrente institucionalista-funcionalista, é dominante na sociologia política burguesa. Essa definição de Estado considera que ele possui poder e racionalidade, a qual se exemplifica na burocracia e nas elites políticas. Entretanto, Poulantzas analisa que essa definição acaba por atribuir às instituições-aparelhos do Estado um poder próprio, “quando na verdade o aparelho de Estado não possui poder, já que só pode entender por poder de Estado o poder de certas classes e frações, a cujos interesses corresponde o Estado” (POULANTZAS, 1977, p. 22).

1.4.1 A crise do Estado no capitalismo monopolista

Poulantzas em seu artigo, As transformações atuais do Estado, a crise política e a crise de Estado (1977) tem como objetivo analisar as transformações e a crise do Estado no capitalismo monopolista no período vivenciado por ele. Este capital monopolista é definido pelo autor como “um processo contraditório e desigual de “fusão” entre diversas frações do capital” (POULANTZAS, 1977, p. 21).

A crise do capitalismo na década de 1970 nos países desenvolvidos gerou transformações no aparelho de Estado, além de uma série de outras crises, tais como, a econômica, a política e a ideológica. Estas crises são próprias da fase do capitalismo monopolista, que por sua vez, corresponde à fase do imperialismo. Poulantzas observa que os Estados nacionais não são vítimas deste imperialismo, mas pelo contrário, participam e colaboram no processo de internacionalização do capital, o qual acaba por gerar um desenvolvimento desigual nestes Estados, além destas diversas crises (POULANTZAS, 1977).

De acordo com o autor, ao que se refere à análise da crise econômica, é preciso estar atento a duas armadilhas comuns: a concepção da economia e da sociologia burguesa da crise; e a concepção mecanicista, evolucionista e economicista da crise. A crise econômica para Poulantzas resulta do próprio sistema capitalista e contribui para a sua manutenção e reprodução através de transformações próprias que se referem à determinada fase e estágio. Ela não representa a crise final do modo de produção capitalista, o autor ressalta que o fim do capitalismo será resultado da luta de classes e não de uma crise econômica (POULANTZAS, 1977).

Do mesmo modo, Poulantzas afirma que as crises do Estado se apresentam como um elemento constitutivo do capitalismo, cujas particularidades afetam as relações de classe e os aparelhos de Estado. Existem relações que podem ser estabelecidas entre a crise econômica e a crise política no Estado capitalista, há situações em que a crise econômica se traduz em crise política, se constitui uma crise estrutural ou uma crise de hegemonia como elaborado por Gramsci, e em outras situações não haverá uma correlação de imediato. “A crise política e a crise de Estado pode apresentar um atraso com relação à crise econômica. [...] pode do mesmo modo, preceder uma crise econômica, articulando-se a ela” (POULANTZAS, 1977, p. 11).

Existem algumas particularidades da crise política, a qual não se reduz à crise de Estado. Ela envolve as mediações que ocorrem dentro das relações de força e contradições entre as classes e o bloco no poder. Além da crise econômica, política e de Estado, existe também a crise ideológica, que constitui um elemento fundamental para a crise política. O autor retoma Gramsci para analisar que a ideologia dominante está encarnada no Estado e na sociedade civil, nas práticas materiais, nos hábitos, nos costumes, nos modos de vida de uma formação social (POULANTZAS, 1977). Esta crise ideológica, de acordo com o autor, se torna uma crise de legitimação, uma crise política-ideológica.

A crise política se articula notadamente a uma crise da ideologia dominante, tal como ela se materializa não apenas nos aparelhos ideológicos (Igreja, meios de informação de massa, aparelho cultural, aparelho escolar etc.), mas igualmente no aparelho de intervenção econômica do Estado e nos seus aparelhos por excelência repressivos (exército, polícia, justiça etc) (POULANTZAS, 1977, p.14).

Segundo Poulantzas, as contradições de classe geram duas crises, a econômica e a político-ideológica, as quais refletem na crise do Estado. Para entender a dinâmica da relação destas crises, o autor retoma a sua definição de Estado capitalista, que representa “[...] o interesse político a longo prazo do conjunto da burguesia (o capitalismo coletivo em ideia) sob a hegemonia de uma de suas frações, atualmente o capital monopolista” (POULANTZAS, 1977, p. 21).

Existe também uma crise do pessoal do Estado, que se refere à crise das instituições e aparelhos estatais e resulta da crise política. Ela se apresenta de diversas formas.

a) Como crise institucional do Estado, quer dizer precisamente como reorganização do conjunto dos aparelhos de Estado; b) Como acentuação, com traços próprios, da luta e das contradições de classe tal como elas se exprimem, de modo específico, no seio do pessoal de Estado; c) Como ascensão das reivindicações e das lutas próprias ao pessoal do Estado (POULANTZAS, 1977, p.29).

Há uma crise ideológica que permeia esta crise política do pessoal do Estado e resulta em uma “[...] ruptura dos laços entre o bloco no poder e seus intelectuais orgânicos” (POULANTZAS, 1977, p. 31). Esta crise política gerada pelas divisões e contradições no bloco no poder se expressa em reivindicações e lutas corporativistas.

Desse modo, a crise do Estado apresenta alguns aspectos que a diferenciam das demais crises cíclicas do capitalismo, tais como: (1) a acentuação das contradições internas no bloco no poder; (2) a intervenção do Estado nos domínios sociais, de modo a aumentar reprodução e a acumulação do capital; (3) o papel do Estado em defesa do capital estrangeiro, o que aumenta as desigualdades dentro do próprio sistema; (4) a crise de hegemonia do bloco do poder como resultado da politização das massas populares contra a política do Estado (POULANTZAS, 1977). Para complementar a análise da crise do Estado apresentado por Poulantzas, se faz necessário trazermos a contribuição do geógrafo britânico marxista David Harvey, o qual analisou o processo de neoliberalização do Estado e suas implicações a partir desta crise da década de 1970.