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Capítulo III: Argentina na década de 1990: Currency Board com sistema bimonetário

III.2. i O “Consenso de Washington”

No final da década de 1980, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, o Federal Reserve e o Departamento de Estado dos Estados Unidos, junto com os Ministros de Finanças dos países que compõem o “Grupo dos 7”90

, articularam um programa de reestruturação econômica e ajuste macroeconômico baseado em políticas monetárias e fiscais

ortodoxas, em linha com o modelo da escola “public choice”91

. A implementação do conjunto de medidas era uma das condicionalidades para a renegociação das dívidas externas dos países em crise, e para sua readmissão nos mercados financeiros internacionais (Cintra, 1999). A agenda de reformas e o programa de ajuste, que Williamson (1990) batizou “Consenso de Washington”, propunha um conjunto de políticas voltado para o alcance de objetivos genéricos como “crescimento, baixa inflação e um balanço de pagamentos sustentável”. Esses objetivos seriam atingidos promovendo, mediante diversas reformas em determinadas áreas, a eficiência e a competitividade dos meios de produção dos países em desenvolvimento por meio de sua integração à economia internacional, o que significa, por sua vez, sua especialização nos produtos nos quais têm vantagens comparativas. Segundo Cintra (1999), o quadro interpretativo ou teórico na origem das reformas, permanece nos seus fundamentos o mesmo que justificou as políticas implantadas na década de 1970 nos países do Cone Sul.

De acordo com Nogueira Batista (1994), o Consenso abrangeu as seguintes áreas, embora a elas não se limitasse: disciplina fiscal e priorização do gasto público; reforma tributária; liberalização financeira; regime cambial; liberalização comercial; desregulação.

90 O “Grupo dos 7” ou simplesmente o “G7”, é um grupo que reúne os sete países mais industrializados: Estados

Unidos, Alemanha, França, Canada, Japão, Itália e Reino Unido.

91 A escola da “public choice” defende o Estado mínimo, cujo papel é simplesmente garantir o direito à

89 Um dos pontos centrais do programa era a “disciplina fiscal”. Uma vez que as recomendações de política são permeadas pela visão monetarista, que sustenta que a inflação é produto do financiamento monetário dos déficits públicos, o equilíbrio fiscal e a estabilidade monetária eram tidos como pré-condição para a sustentabilidade da abertura financeira (Prates, 1999).

A disciplina fiscal requer, necessariamente, um orçamento equilibrado, ideia defendida, sobretudo, por aqueles que acreditam na equivalência Ricardiana92. Contudo, vários critérios são propostos. O mais rígido defende que o déficit fiscal é aceitável sempre que não aumente a razão dívida pública total/PIB. Uma visão um pouco mais flexível propõe evitar o aumento líquido dos passivos públicos em relação ao produto. Finalmente, uma perspectiva minoritária de caráter próximo ao “Keynesianismo”, aceita tanto déficits como superávits fiscais no curto prazo, sempre que contribua à estabilidade macroeconômica e com o equilíbrio no longo prazo (Béjar, 2004).

Nas palavras de Williamson (1990): “[there´s a] broad agreement in Washington that large and sustained fiscal deficits are a primary source of macroeconomic dislocation in the forms of inflation, payments deficits, and capital flight” (p. 5). Portanto, para eliminar o déficit fiscal e atingir o equilíbrio orçamentário, os governos deveriam, prioritariamente, reduzir despesas públicas, sobretudo em subsídios e administração pública e, secundariamente, aumentar impostos.

As recomendações sobre a taxa de juros estão baseadas em dois princípios. O primeiro é que o patamar da taxa de juros deve ser determinado pelo mercado, para evitar uma ineficiente alocação dos recursos monetários. O segundo princípio é manter uma taxa real de juros positiva que permita aumentar a poupança agregada e desencorajar saídas de capitais.

A taxa de câmbio também deve ser, preferencialmente, definida pelo mercado. Porém, atingir uma taxa de câmbio competitiva que permita promover as exportações e o crescimento “to grow at the maximum rate permitted by its supply – side potential, while keeping the current account déficit to a size that can be financed on a sustainable basis” (Williamson, 1990, p. 7) é mais importante que a forma de sua determinação. Na perspectiva do “Consenso”, os problemas de balanço de pagamentos dos países em desenvolvimento da América Latina seriam resolvidos por uma estratégia baseada na especialização produtiva nos setores com vantagens comparativas, e orientada para as exportações, e não de substituição de

92 A hipótese da equivalência ricardiana sustenta que o gasto público financiado seja por títulos, seja por

impostos, não modificaria a demanda agregada porque os indivíduos antecipam um futuro aumento dos impostos, aumentando suas poupanças no presente (Blanchard, 2008).

90 importações, o que justificaria tanto a adoção de uma taxa de câmbio “competitiva” como a liberalização comercial (Cintra, 1999).

Nesta visão, afirma-se que a proteção das indústrias domésticas não favorece o seu amadurecimento, mas gera custosas distorções que travam o desenvolvimento. Por sua vez, o acesso a produtos importados a preços competitivos é considerado aqui, um fator principal na promoção das exportações nacionais, uma vez que permitiria modernizar o parque industrial e, principalmente, avançar na especialização produtiva (Williamson, 2000).

Complementarmente ao livre comercio, enfatizam-se duas políticas: a promoção do investimento direto estrangeiro (IDE) e as privatizações. O IDE resultaria em ingressos de capital, possibilitaria a transferência de tecnologia e de know-how, contribuindo com à inovação e produção de novos produtos para o mercado doméstico e externo. As privatizações, por sua vez, são entendidas como uma forma mais eficiente de administração. Ao mesmo tempo, as empresas privatizadas deixariam de ser fonte de desequilíbrio no orçamento público, uma vez que o governo receberia um ingresso pela venda da empresa no curto prazo e, no longo prazo, não precisaria financiar futuros investimentos (op.cit.).

Por último, com a finalidade de ampliar a concorrência nos mercados internos e externos, assim como a competitividade das empresas e do país, deveria ser fomentada a desregulamentação de diversas atividades e setores. Entre outras recomendações se destacam a desregulamentação dos preços internos e a eliminação das barreiras à importação.

Entretanto, cabe destacar que a agenda de reformas estabeleceu uma sequência tida como ideal para a implementação das políticas. Em um primeiro momento, deveria ser adotado um programa de estabilização, baseado no controle da demanda agregada e no ajuste fiscal, que permitisse eliminar a inflação interna. Posteriormente, uma vez atingida a estabilidade da unidade de conta, deveriam ser executadas as reformas orientadas à liberalização e à abertura econômica. Nesta segunda etapa, seguindo a “literatura da sequência das reformas”, também se propõe uma sequência ideal segundo a qual tanto a liberalização financeira interna quanto a abertura comercial deveriam ser concretizadas antes da abertura financeira93. Assim, a conta corrente deveria ser liberalizada antes da conta capital94, para

93 De acordo com Akyüz (1993, p. 29), “the benefits claimed for financial openness are generally based on the

assumption that the internationalization of finance allows savings to be pooled and allocated globally through movement of capital across countries in response to opportunities for real investment, thereby improving the allocation of resources internationally and equalizing rates of return on investment everywhere. Accordingly, external financial liberalization in developing countries is expected to give rise to capital inflows provided that it comes after domestic financial markets have been liberalized and interest rates raised”.

94 Na atual metodologia do Balanço de Pagamentos do FMI, adotada por todos países membros, a conta capital

91 evitar que a valorização real da taxa de câmbio, estimulada pela entrada de capitais externos, anulasse o processo de reconversão virtuoso – na visão de seus defensores – do setor produtivo (orientado a bens comercializáveis), isto é, segundo essa visão, uma má alocação de recursos (Prates, 1999).

Neste último ponto reside a maior divergência entre a sequência ideal proposta e a efetivamente adotada pelos países latino-americanos nos anos 1990. Enquanto as recomendações do Consenso sugeriam manter os controles sobre os fluxos de capitais durante o processo de estabilização para depois liberalizar (primeiro, os fluxos associados ao investimento estrangeiro direto e, posteriormente, os investimentos de portfólio e os fluxos de capitais de curto prazo), isso não se verificou na prática95. Inclusive, na maioria dos países “the degree of internationalization of finance has gone much further than trade. Indeed in many countries the share of transactions with international characteristics in the financial sector is far greater than the share of trade in GDP” (Akyüz,1993, p.26).

A Argentina poder ser considerada o principal exemplo entre os países que se guiaram pelas políticas supracitadas orientadas à promoção de um capitalismo de livre mercado, como avaliado nas seções seguintes

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