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Hierarquia de moedas e soberania monetária : uma interpretação sobre a substituição monetária na Argentina

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

EZEQUIEL GRECO LAPLANE

Hierarquia de moedas e soberania monetária: uma interpretação

sobre a substituição monetária na Argentina

Campinas 2016

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INSTITUTO DE ECONOMIA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

EZEQUIEL GRECO LAPLANE

Hierarquia de moedas e soberania monetária: uma interpretação

sobre a substituição monetária na Argentina

Profa. Dra. Daniela Magalhães Prates - Orientadora

Prof. Dr. Bruno Martarello De Conti - Coorientador

Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em Ciências Econômicas.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO EZEQUIEL GRECO LAPLANE E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. DANIELA MAGALHÃES PRATES.

Campinas 2016

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DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

EZEQUIEL GRECO LAPLANE

Hierarquia de moedas e soberania monetária: uma interpretação

sobre a substituição monetária na Argentina

Defendida em 24/02/2016

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Agradecimentos

O momento de escrever esta seção é, para mim, muito especial. Não só porque representa a conclusão de uma etapa e o momento de avaliar o caminho percorrido, também porque é um pequeno espaço para reconhecer e agradecer a todas as pessoas que (voluntaria ou involuntariamente) contribuíram para meu desenvolvimento acadêmico e pessoal. As linhas serão poucas, mas os sentimentos grandes.

Em primeiro lugar, pelo tempo, paciência e dedicação, agradeço enormemente aos meus dois orientadores: Daniela Magalhães Prates e Bruno Martarello De Conti. Pessoas de excelentíssimo nível profissional e enorme sensibilidade humana, que iluminaram meu caminho a todo momento. Se alguma virtude tem o trabalho é, sem dúvida, culpa deles.

Aos membros da banca, André Biancarelli e Carlos Eduardo Carvalho, devo-lhes um agradecimento especial. Primeiro pelo esforço de leitura e, segundo, porque suas críticas e observações contribuíram substancialmente para o resultado final. Agradeço também a Maryse Farhi. Seu olhar crítico e recomendações na banca de qualificação foram essenciais para a elaboração do trabalho.

Aproveito para agradecer aos professores do instituto pelas riquíssimas aulas e seminários, e à direção e coordenação, encabeçadas por Fernando Sarti e Célio Hiratuka respectivamente, por todo o apoio ao longo desses três anos. Finalmente, aos funcionários em geral e, particularmente, ao pessoal da biblioteca e da secretaria de pós-graduação. Sua excelência e eficiência no dia a dia facilitou muito o caminho.

No âmbito pessoal são muitas as pessoas que ajudaram para que eu pudesse atingir meu objetivo. Não posso mencionar todas elas porque a lista é bem extensa, mas saibam que eu sou profundamente grato pelo apoio que me brindaram. Porém, eu quero fazer alguns agradecimentos especiais.

A Mariano e Adriana, que gentilmente abriram suas portas e me ampliaram o mundo. Espero, algum dia, poder iluminar a vida de outra pessoa assim como vocês iluminaram a minha.

A meus pais Hugo e Margarita, e a meus irmãos Diego e Maria Pia, que, apesar de todas as dificuldades e saudades, nunca me deixaram de apoiar e incentivar neste projeto. Sem sua contenção, compreensão e carinho, nada teria sido possível.

Meus primos aqui no Brasil, Gabriela, Marcelo e Andrea, merecem um reconhecimento especial, pois desde o primeiro dia me fizeram sentir como em casa.

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A meus colegas da Unicamp e meus amigos da Argentina, devo-lhes que esta árdua experiência tenha sido mais do que compensada pelos gratos momentos, seja no dia a dia, seja nos reencontros.

Por último, mas não menos importante, a Daiana. Incansável companheira de aventuras que, sem pedir nada, deixou tudo. Não imagino como esta empreitada poderia ter sido possível sem você.

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RESUMO

A partir da análise do fenômeno da substituição monetária, o presente estudo interpreta a dinâmica econômica da Argentina entre os anos 1977 e 2001. A abordagem teórica do fenômeno contempla as particularidades do sistema monetário e financeiro internacional contemporâneo integrando-a às especificidades das políticas internas implementadas no país. Em simultâneo, explora-se outra dimensão fundamental e pouco tratada na literatura: a soberania monetária. Para investigar o assunto, são inicialmente examinadas as principais características desse sistema, e os dilemas que os países emissores de moedas periféricas enfrentam. Posteriormente, a partir de uma visão regulacionista da moeda, apresenta-se um conceito de soberania monetária. Finalmente, avalia-se em detalhe a dinâmica econômica argentina no período em tela, focando nas relações monetárias e financeiras. A hipótese que será testada ao longo do trabalho é que o processo de substituição monetária que ocorreu na Argentina teve estreita relação com o perfil de inserção do país no sistema monetário internacional e nas finanças globalizadas.

Palavras-chave: Hierarquia de moedas – Globalização financeira – Soberania monetária – Substituição monetária – Conversibilidade

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ABSTRACT

From the analysis of monetary substitution phenomenon, this study interprets the economic dynamics of Argentina in the 1980s and 1990. The theoretical approach to the phenomenon integrates the features of the contemporary monetary and international financial system, and the specific features of national policies implemented in the country. At the same time, it explores another key dimension usually not treated in the literature: monetary sovereignty. To investigate the matter, first, the main features of the international monetary and financial system are presented, and the dilemmas that the emitting countries of peripheral currencies face. Subsequently, from a regulationist view of the currency, is presented a concept of monetary sovereign. Finally, it evaluates in detail, focusing on the monetary and financial relations, the Argentine economic dynamics. The hypothesis to be tested throughout the work is that the evidenced in the Argentine currency substitution process had close relationship with the country's insertion profile in the international monetary system and the globalized finance.

Key-words: Currency Hierarchy – Financial Globalization – Monetary Sovereignty – Monetary Substitution – Convertibility

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LISTA DE TABELAS Capítulo I

Tabela I.1 Déficits gêmeos dos Estados Unidos (% do PIB) ... 14

Tabela I.2 Volume de transações internacionais com títulos (% do PIB) ... 17

Tabela I.3 Operações com títulos de dívida pública (bilhões de dólares) ... 18

Capítulo II Tabela II.1 Taxas de inflação interna e externa (1979/80; %)... 49

Tabela II.2 Balanço de pagamentos (1976/83; milhões de dólares) ... 50

Tabela II.3 Indicadores de fragilidade financeira externa (1976/83; % e milhões de dólares) ... 52

Tabela II.4 Dívida externa argentina (1976/83; % e milhões de dólares) ... 55

Tabela II.5 Diferença entre as contas do Balanço de pagamentos e os registros do BCRA (1978/83; milhões de dólares) ... 59

Tabela II.6 Dolarização dos recursos monetários (1981/83; %) ... 62

Tabela II.7 Necessidade de financiamento do setor público consolidado (1978/83; % do PIB; preços correntes) ... 63

Tabela II.8 PIB, taxas de inflação e agregados monetários (1984/89; %) ... 67

Tabela II.9 Balanço de Pagamentos (1984/89; milhões de dólares) ... 69

Tabela II.10 Dolarização dos recursos monetários (1988/90; %) ... 79

Capítulo III Tabela III.1 Indicadores Macroeconômicos (1990/95, % e milhões de dólares) ... 105

Tabela III.2 Saldo Comercial (1990/95; milhoes de dólares) ... 108

Tabela III.3 Composição das importações (1990/95; %) ... 108

Tabela III.4 Resultado conta corrente desagregado por setor (1991/95; milhões de dólares) ... 109

Tabela III.5 Saldo conta capital e financeira desagregada por setores (1992/95, milhões de dólares) ... 110

Tabela III.6 Saldo conta capital e financeira desagregada por investimentos (1992/95; milhões de dólares)... 110

Tabela III.7 Saldo balanço de pagamentos por setores (1992/95; milhões de dólares)... 111

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Tabela III.9 Agregados monetários (1991/95; milhões de pesos e dólares) ... 113

Tabela III.10 Depósitos no sistema financeiro doméstico (1991/95; milhões de pesos e dólares) ... 114

Tabela III.11 Créditos do sistema financeiro doméstico (1991/95; milhões de pesos e dólares) ... 115

Tabela III.12 Depósitos e empréstimos no sistema financeiro doméstico (Dez. 1994/Dez. 1995; crescimento mensal) ... 120

Tabela III.13 Evolução do PIB (1995/01; % e milhões de pesos) ... 123

Tabela III.14 Balança comercial (191/01; milhões de dólares) ... 125

Tabela III.15 Balanço de Pagamentos (1995/01; milhões de dólares) ... 125

Tabela III.16 Variação dívida externa e ativos externos desagregado por setor (1991/01; milhões de dólares) ... 126

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LISTA DE GRÁFICOS

Capítulo II

Gráfico II.1 Taxa de inflação anual (1945/88, %) ... ... 44

Gráfico II.2 Dívida externa Argentina (1976/83; milhões de dólares) ... 55

Gráfico II.3 Reservas internacionais (Dez. 1988/Jul. 1990; milhões de dólares) ... 78

Capítulo III Gráfico III.1. Poupança total e investimento total (1980/01; preços correntes; % do PIB) .. 106

Gráfico III.2. Investimento bruto em capital fixo (% do PIB) ... 106

Gráfico III.3 Emprego e Desemprego (1990/02; %) ... 123

Grafico.III.4 Pobreza (1991/01; %) ... 123

Gráfico III.5 Saldo Balança Comercial (1990/01, milhões de dólares) ... 125

Gráfico III.6 Serviços da dívida (1993/01; %) ... 127

Gráfico III.7 Dívida pública (1993/01; milhões de dólares) ... 127

Gráfico III.8 Resultado primário setor público (sem privatizações) (1994/02; % e milhões de pesos) ... 129

Gráfico III.9 Estimado mensal da atividade econômica (1993/02; Base=1993) ... 130

Gráfico III.10 Arrecadação total (1993/02; milhões de pesos) ... 131

Gráfico III.11 Reservas internacionais, Base monetária e agregado monetário M3 (1991/01) ... 131

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SUMÁRIO

Introdução ... 1

Capítulo 1: Sistema monetário e financeiro pós Bretton-Woods ... 6

I.1 Introdução ... .. 7

I.2 Sistema monetário pós Bretton Woods ... 8

I.3 Sistema financeiro contemporâneo ... 12

I.3.i A marcha da globalização financeira ... 12

I.3.ii Os ciclos de liquidez e seus determinantes ... 20

I.4 Pirâmide monetária e Hierarquia de moedas ... 22

I.4.i A pirâmide monetária de Cohen ... 22

I.4.ii O pecado original... 24

I.4.iii A hierarquia de moedas ... 25

I.4.iv Uma proposta de integração entre as abordagens da hierarquia de moedas e a pirâmide monetária ... 29

I.5. A inserção assimétrica dos países periféricos nas finanças globais ... 30

I.6. Soberania monetária: uma aproximação regulacionista ... 34

I.6.i A moeda como uma convenção e a soberania como uma construção ... 35

I.6.ii Hierarquia de moedas e Soberania monetária ... 37

I.7. Considerações finais ... 39

Capítulo II: Argentina na década de 1980: Experiência de uma substituição monetária de facto ... 41

II.1 Introdução ... 42

II.2 Política Econômica na Argentina entre 1977 e 1983: combate à inflação, reforma liberal e crise da dívida externa ... 43

II.2.i A reforma financeira de 1977 e o projeto liberal ... 43

II.2.ii Dívida externa e fuga de capitais ... 51

II.2.iii O “ajuste caótico” (1981 – 1983) ... 60

II.3 A política econômica na transição democrática (1983 – 1989) ... 64

II.3.i O Plano Austral e o Plano Primavera: características, evolução e fracasso ... 66

II.4 A hiperinflação em 1989 e 1990 ... 72

II.4.i A dinâmica do primeiro processo hiperinflacionário ... 72

II.4.ii Estabilização, desestabilização e o segundo processo hiperinflacionário ... 75

II.4.iii Hiperinflação e substituição monetária: breves comentários sobre a dolarização argentina ... 80

II.5 Considerações finais ... 84

Capítulo III: Argentina na década de 1990: Currency Board com sistema bimonetário ... 86

III.1 Introdução ... 87

III.2 O “Consenso de Washington” e as características dos regimes de câmbio fixo ... 88

III.2.i O “Consenso de Washington”... 88

III.2.ii Características dos regimes Currency Board ... 91

III.3. A reforma estrutural na Argentina nos primeiros anos de 1990: institucionalizando a substituição monetária ... 93

III.3.i A reforma estrutural: fatores internos e externos ... 93

III.3.ii A reforma do Estado e o Plano de Conversibilidade ... 98

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III.4.i Setor externo, fluxos de capitais e dívida externa ... 107

III.4.ii Sistema financeiro doméstico ... 112

III.5 Sustentando o insustentável: 1995-2001 ... 117

III.5.i Ponto de inflexão: 1995 ... 117

III.5.ii.Breve recuperação econômica (1996/1997) e em direção à crise da conversibilidade (1998/2001) ... 122

III.5.iii Interpretações do ocaso e crise da conversibilidade ... 133

III. 6 Considerações finais ... 138

Conclusão ... 141

(15)

1

INTRODUÇÃO

A partir de 1930 adotou-se na Argentina um modelo de substituição de importações que contribuiu para configurar uma estrutura econômica semiaberta e altamente regulada. O modelo se sustentava em um setor público dinâmico, com o Estado Nacional como agente central em diversas atividades, entre as quais, regulador dos mercados, tanto comerciais como financeiros, produtor e consumidor de um grande volume de bens e serviços, e incentivador do setor privado. O objetivo último era atingir um estado de pleno emprego, sendo o investimento público orientado à promoção industrial e à redistribuição da renda que alentava o consumo interno, os principais fatores na promoção do crescimento e do desenvolvimento econômico (Ferrari, 1998).

A rigor, a Argentina teve dois períodos de substituição de importações: o primeiro entre 1930 e 1954; e o segundo entre 1955 e 1975. Já no segundo período, a economia esteve marcada pela dinâmica conhecida como “stop & go”, em que o rápido crescimento dava lugar a uma profunda recessão, para retomar novamente um expressivo crescimento. Essa dinâmica era resultado, principalmente, de duas características estruturais do país: por um lado, uma oferta rígida de bens exportáveis e, por outro lado, a dependência das importações do setor manufatureiro. Desta forma, as fases de expansão econômica eram constrangidas pelo desequilíbrio no balanço de pagamento em razão do déficit comercial. A escassez de divisas era combatida mediante desvalorizações cambiais, que se traduziam em aumento dos preços, queda do salário real e diminuição do consumo. A contração da demanda interna e a desvalorização cambial aumentavam as exportações líquidas, criando as condições para uma nova fase expansiva Rapoport (2012).

Ao longo da década de 1960, o produto industrial foi crescente, mas o coeficiente total de importações não foi reduzido, portanto, a maior necessidade de divisas em um contexto que começava a evidenciar problemas no financiamento externo, aprofundou o desequilíbrio no setor externo. Essa maior fragilidade foi acompanhada por um agravamento das contas públicas, pois a política fiscal ativa era o principal instrumento para manter a atividade econômica. A exacerbação dos desequilíbrios fiscal e externo na primeira metade da década de 1970, culminaram em estagnação do PIB, elevado déficit comercial e uma taxa de inflação crescente.

A partir da segunda metade da década de 1970, orientadas pelas recomendações de política econômica de caráter liberal, iniciaram-se as experiências de abertura e

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2 liberalização financeira na América Latina1. Na Argentina, adotou-se uma reforma financeira de caráter liberal em 1977, que visava ao controle da taxa de inflação e à atração de capitais externos, assim como a eliminação do modelo de substituição de importações (Fanelli e Damill, 1993).

Inversamente ao esperado pelas autoridades, agravaram-se a instabilidade do sistema financeiro doméstico, a especulação monetária e a fuga de capitais (Cintra, 1999). Essa dinâmica conduziu a uma crise de endividamento externo e a vários anos de restrição externa, assim como a um baixo crescimento com grande instabilidade macroeconômica que perduraria até finais da década de 1980. Ao longo desse período, o país experimentou uma persistente inflação que culminou numa expressiva hiperinflação e na desestruturação do padrão monetário. O traço distintivo desse período foi a profunda dolarização da economia, isto é, a utilização da moeda estrangeira em âmbito doméstico, em detrimento das funções da moeda nacional. Esse fenômeno, conhecido como substituição monetária, dificultou a adoção de políticas econômicas voltadas à resolução dos problemas internos (Fanelli e Frenkel, 1990). Vale lembrar que outros países latino-americanos enfrentaram situações semelhantes, embora com graus distintos de severidade. Por isso, a década de 1980 na América Latina ficou conhecida como a “década perdida” (Belluzzo e Almeida, 2002).

Na virada dos anos 1990, o novo avanço neoliberal, guiado pela agenda de

políticas de estabilização (e desenvolvimento) conhecida como “Consenso de Washington”2,

ocorreu simultaneamente ao retorno dos fluxos de capitais voluntários para os países da região (Belluzzo e Coutinho, 1996). Foi neste contexto externo que se aplicou uma profunda reforma do Estado e se implementou um regime monetário e cambial sem precedentes na Argentina, que finalmente conseguiu pôr fim ao contexto hiperinflacionário (Fanelli, Frenkel e Rozenwurcel, 1993).

Iniciou-se, a partir de julho de 1989, um processo de privatização de empresas públicas, liberalização financeira interna e abertura externa (comercial e financeira), que resultaram na participação mínima do Estado na economia, no aumento da participação da atividade privada no crescimento econômico e em mercados livres e abertos (Ferrari, 1998). Paralelamente, foi adotado um regime de currency board, com a institucionalização de um sistema bimonetário, por meio da implementação da “Lei de Conversibilidade”, que

1

Embora a maioria dos países da região tenha implementado essas políticas, elas não foram praticadas simultaneamente e na mesma intensidade.

2 Termo originalmente proposto por Williamson (1990), para caracterizar a agenda de reformas econômicas e de

ajuste macroeconômico, de orientação ortodoxa, propostas pelas agências multilaterais e pelo governo americano.

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3 aprofundou, contrariamente ao esperado pelas autoridades, o grau de dolarização da economia. As estratégias implementadas e a consequente dolarização limitaram a autonomia da política monetária, mas permitiram um rápido controle da inflação e uma expressiva retomada do crescimento econômico - o que levou, inclusive, à ideia de que a então bem-sucedida experiência argentina poderia ser aplicada em outras economias periféricas com problemas semelhantes. Porém, após o sucesso inicial, eclodiu a maior crise financeira que o país já enfrentou, no início dos anos 2000 (Salvia, 2015).

Na perspectiva deste trabalho, a dinâmica da economia argentina deve ser entendida como resultado de um movimento particular – implementação das políticas liberais no âmbito nacional – no contexto de um movimento global – características e dinâmica do sistema monetário e financeiro internacional (SMFI) contemporâneo, que emergiu após o colapso do regime de Bretton Woods.

Segundo a abordagem da hierarquia de moedas, o sistema monetário internacional (SMI) contemporâneo – que, por sua vez, molda as características do sistema financeiro internacional (SFI) – é um arranjo hierarquizado em torno de uma divisa-chave, nos termos de Prates (2002), “fiduciária, flexível e financeira”: o dólar estadunidense. A partir dessa constatação, defende-se que o SMFI atual é caracterizado por três assimetrias, de ordem monetária, financeira e, resultado dessas duas, macroeconômica (Prates, 2002). Portanto, a posição das moedas na hierarquia monetária (em ordem decrescente, divisa-chave, moedas centrais e moedas periféricas) é importante para a compreensão dos dilemas enfrentados e do grau de autonomia de política dos países, que diz respeito à capacidade de adoção de políticas econômicas voltadas ao alcance dos objetivos domésticos.

Complementarmente, a dinâmica do SMFI atual afeta, igualmente, a soberania monetária, que, por sua vez, também exerce influência fundamental nesse grau de autonomia. É possível identificar duas definições de soberania monetária, que serão detalhadas posteriormente. A primeira, em sentido jurídico, se refere à capacidade de cada Estado Nacional de emitir sua própria moeda e de impô-la dentro de suas fronteiras, definindo as leis para sua aceitação e seu uso em geral – realizar pagamentos, recolher impostos, denominar preços e contratos, etc. A segunda, em sentido econômico, refere-se à construção de um conjunto de instituições nacionais, que por meio de diferentes mecanismos, garantem a estabilidade das relações monetárias e das funções da moeda nacional, mantendo a convenção do uso da moeda nacional.

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4 Uma vasta literatura já se debruçou sobre a dinâmica econômica argentina nas décadas de 1980 e 1990. Esta dissertação pretende contribuir para essa literatura focando a análise numa de suas especificidades, o fenômeno da substituição monetária, a partir de uma perspectiva analítica que contempla as características do SMFI contemporâneo (sobretudo, sua dimensão hierárquica) e suas implicações para a soberania monetária. A hipótese subjacente é que a o processo de substituição monetária evidenciado na argentina teve estreita relação com o perfil de inserção do país no SMFI contemporâneo.

As seguintes perguntas, que se pretende responder ao longo da dissertação, orientarão o trabalho: Quais as principais características do SMFI contemporâneo? O que significa soberania monetária? O que levou a Argentina a adotar um regime de currency board? Quais foram os traços mais importantes e quais os limites desse regime?

O trabalho abrange o período compreendido entre os anos 1977 e 2001. A escolha desse período não é arbitrária: em 1977 adotou-se na Argentina uma nova orientação de política econômica que teve implicações decisivas para a evolução de sua economia nas décadas seguintes. No ano 2001, por sua vez, em meio a uma profunda crise financeira, abandonou-se a conversibilidade peso – dólar estadunidense.

Para tanto, uma observação sobre a abordagem da pesquisa deve ser realizada: uma vez que a dissertação abarca um período relativamente amplo e um objetivo que pode ser perseguido por diversos caminhos, é necessário delimitar a análise. Portanto, a avaliação recairá principalmente sobre as relações monetárias e financeiras, restringindo, mas não negligenciando, considerações sobre os aspectos fiscais.

Três capítulos compõem o trabalho, além desta introdução e da conclusão. O primeiro capítulo apresenta sinteticamente as principais características do sistema monetário e financeiro internacional (SMFI) contemporâneo, com ênfase na dimensão hierárquica e assimétrica, bem como detalha o conceito de soberania monetária e propõe uma abordagem preliminar sobre a relação entre a hierarquia de moedas e a soberania monetária.

O segundo capítulo debruça-se sobre o desenvolvimento da economia argentina entre 1977 e finais da década de 1980 a partir da revisão da literatura, da análise de documentos históricos e de informações estatísticas. O capítulo aborda primeiramente as implicações e consequências da reforma econômica implementada em 1977. Tratará, na sequência, dos principais acontecimentos econômicos na denominada “década perdida” (anos 1980), abrangendo desde a crise da dívida externa até os diversos planos de estabilidade. Finalmente, uma vez que a ênfase será colocada nas relações monetárias e financeiras, avalia

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5 a dinâmica de três fenômenos simultâneos e inter-relacionados no final da década: os processos hiperinflacionários, a dolarização e, a desestruturação do padrão monetário.

No terceiro capítulo avalia-se, à luz do arcabouço apresentado no primeiro capítulo e das problemáticas apresentadas no segundo capítulo, o auge e a crise do regime de conversibilidade, destacando a importância dessa dinâmica para o processo subjacente de substituição monetária.

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6

CAPÍTULO I

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7

1.I Introdução

O sistema monetário internacional é caracterizado por três dimensões: as particularidades da moeda internacional; o regime de câmbio vigente; e o grau de mobilidade internacional de capitais (Prates, 2002).

O padrão monetário que surgiu após o colapso do acordo de Bretton Woods, caracteriza-se pelo regime de câmbio flutuante (ao menos entre as principais moedas do mundo), pelo alto grau de mobilidade de capitais e pela forma fiduciária da moeda internacional. Esse sistema modela, por sua vez, algumas das características do sistema financeiro internacional.

Entretanto, além dessas três dimensões, uma quarta característica fundamental das relações monetárias e financeiras precisa ser levada em conta: sua dimensão hierárquica e assimétrica. As assimetrias entre os países centrais e periféricos3 manifestam-se em diversas esferas, sendo aquelas relevantes para os propósitos desse trabalho as seguintes: monetária, financeira e, como resultado das duas primeiras, macroeconômica (Prates, 2002).

Este primeiro capítulo sintetiza as principais características do sistema monetário e financeiro internacional (SMFI) contemporâneo, ressaltando, em particular, sua dimensão hierárquica e assimétrica, que teve implicações cruciais para a gestão da política econômica dos países em desenvolvimento, dentre os quais a Argentina, no período em questão (meados dos anos 1970 a finais do ano 2001). Contudo, para a análise do caso argentino, que será realizada nos capítulos seguintes, outro conceito é fundamental: o conceito de soberania monetária. Assim, também será apresentada uma abordagem preliminar sobre a relação entre essa soberania monetária e as particularidades do SMFI pós Bretton Woods.

Para atingir esses objetivos, o capítulo está estruturado em sete seções, além desta breve introdução (seção I.1). A seção I.2 versará sobre a configuração do sistema monetário pós Bretton Woods, baseado, nos termos de Prates (2002), em um padrão dólar “flexível, fiduciário e financeiro”.

A seção I.3 abordará as relações financeiras globais, com foco na dinâmica da denominada globalização financeira, seus principais determinantes, os atores centrais do processo e os instrumentos utilizados, assim como os determinantes dos ciclos globais de liquidez são objetos dessa seção.

3 Ao longo do presente trabalho, os termos “país (ou economia) em desenvolvimento” e “país (ou economia)

desenvolvido”, serão utilizados, eventualmente, como sinónimos de “país periférico” e “país central” respectivamente. Sendo os termos “central” e “periférico” propostos originalmente por Prebisch (1949).

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8 Tendo apresentado o que corresponde às três primeiras características do sistema monetário e financeiro, mencionadas no início, a seção I.4 dedica-se a um dos traços da quarta dimensão aventada: a hierarquia do sistema monetário. A seção tratará das relações monetárias tanto em âmbito internacional como nacional, e de um dos desdobramentos da inserção periférica dos países no sistema monetário internacional.

Já a seção I.5 considera a inserção dos países periféricos nas finanças globais. Em outras palavras, apresentam-se os principais aspectos da assimetria financeira, e as implicações no grau de autonomia política e na determinação e dinâmica de dois preços-chave das economias capitalistas, as taxas de câmbio e a de juros.

Por sua vez, a seção I.6 apresenta um conceito de soberania monetária baseado na teoria regulacionista. Para isso, é tratada a teoria da moeda da escola francesa, que pensa a moeda como uma instituição social. Uma abordagem preliminar da relação entre a hierarquia de moedas e a soberania monetária é apresentada

Finalmente, a seção I.7 traz breves considerações finais.

I.2. Sistema monetário pós Bretton Woods.

O sucesso das políticas implementadas pelos Estados Unidos - principalmente, ajuda financeira, empréstimos e investimento direto - orientadas à recuperação das economias capitalistas na Europa e na Ásia, contribuiu para que os saldos comercial e de conta corrente americano passassem a apresentar déficits, a partir de 19714 (Serrano, 2004).

Diante do saldo negativo do balanço de pagamentos americano, com uma participação cada vez mais importante do déficit comercial, em um contexto de aumento da inflação e crescente mobilidade de capitais, configurou-se o que Serrano (2002) denominou de “o dilema de Nixon”: o governo americano queria, simultaneamente, desvalorizar o dólar e não comprometer sua hegemonia como moeda-chave e denominador da riqueza mundial. Fracassada a tentativa de um acordo com os outros países para uma valorização de suas moedas frente ao dólar estadunidense, os Estados Unidos abandonam unilateralmente, em

4Serrano (2004) especifica sete políticas dos Estados Unidos que contribuíram na formação dos seus déficits

comerciais e de conta corrente: 1) incentivo para realizar desvalorizações na taxa de câmbio de outros países para se tornarem mais competitivos em relação aos EUA; 2) grandes investimentos diretos realizados nos países aliados; 3) missões técnicas de transferência de tecnologia; 4) gastos militares no exterior; 5) abertura e ampliação das importações, em termos vantajosos, para países aliados; 6) ajuda financeira direta no marco do Plano Marshall; 7) tolerância com os mercados protegidos nos países aliados. O autor salienta outras consequências além dos déficits americanos, por exemplo, o maior crescimento dos países aliados e a diminuição do diferencial de produtividade entre esses e os EUA.

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9 1971, a conversibilidade dólar-ouro, transformando a moeda americana em uma moeda fiduciária, uma vez que desligada de qualquer âncora material5 (Serrano, 2002).

As inevitáveis pressões sobre o dólar se intensificaram e, em 1973, os Estados Unidos sofreram um novo ataque especulativo (o segundo, já que ocorrera um primeiro em 1971) contra sua moeda. Em função do seu desejo de desvalorizar o dólar, nesta oportunidade, os Estados Unidos permitiram a desvalorização da moeda. Esse foi um evento determinante em relação ao sistema monetário internacional, marcando o início de uma nova era: a adoção de um novo regime de câmbio de taxas flexíveis e a ruptura definitiva do sistema acordado em Bretton Woods6 (Belluzzo, 1995).

O processo de reconfiguração do SMFI pode ser entendido, tomando emprestada a ideia de Susan Strange (1988), não só pelas decisões tomadas pelos atores centrais, senão também pelas suas omissões. De fato, foi uma decisão de "não decidir" sobre uma regulação do mercado de câmbio, adotando assim o regime de taxas flutuantes. Também não se decidiu sobre a implementação de novos controles e regras de ajuste nas finanças e fluxos financeiros. Tampouco se decidiu negociar com a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), absorvendo diretamente o impacto do aumento dos preços do petróleo, decidindo aqui também, não decidir sobre um possível resgate das instituições mais afetadas, atuando como prestamistas de última instância. As decisões e omissões refletem a mudança na natureza da hegemonia dos Estados Unidos, de produtivo - tecnológica para a financeira (Strange, 1988; Helleiner, 1994).

Os primeiros anos na era pós Bretton Woods caracterizaram-se, assim, pelo aumento dos desequilíbrios monetários e cambiais e do circuito interbancário alimentado pelo excedente de petrodólares7, e pela especulação em moedas que ameaçaria o papel do dólar

5

Como destacam Baer et al. (1995), uma das características da ordem monetária de Bretton Woods foi o estabelecimento do ouro como ativo de reserva, e sua vinculação mediante uma paridade fixa com o dólar estadunidense. O sistema ancorava-se em uma base material.

6 Vale mencionar que é entre os anos 1945 e 1970 aproximadamente, vigorou a denominada golden age of

capitalism, caracterizada pelo padrão de acumulação fordista, pela regulação doméstica da moeda e do crédito,

pelo sistema internacional e monetário acordado em Bretton Woods, que permitiu um crescimento e estabilidade econômica em âmbito mundial sem precedentes na história do capitalismo moderno (Helleiner, 1994). Para maiores detalhes da dinâmica que levou ao fim da golden age, ver: para uma análise focando no padrão de acumulação, Brenner (2006), Arrighi (2008) e Mazzucchelli (2010); em relação ao sistema financeiro internacional Block (1977) e Parboni (1981) entre outros; a respeito do sistema financeiro doméstico dos Estados Unidos, Guttmann (1994).

7 Segundo Serrano (2004), em 1973, frente ao aumento da demanda de petróleo dos Estados Unidos e a guerra

entre os países árabes (principais produtores de petróleo) e Israel, os países da OPEP decidiram, unilateralmente, elevar o preço do petróleo. Em pouco tempo, o preço quase que quadruplicou, provocando uma grande distribuição de renda a favor dos países produtores, que não tinham como gastar, no curto prazo, uma grande proporção dos ganhos. Assim, parte dos superávits gerados, conhecidos como “petrodólares”, foram depositados no Euromercado

(24)

10 como moeda de reserva internacional (Tavares, 1997). Em resposta, visando à reafirmação da hegemonia americana, os Estados Unidos adotaram políticas específicas, tanto no plano geopolítico quanto no plano econômico, no que Tavares e Melin (1997) definiram como “diplomacia das armas” e “diplomacia do dólar”, respectivamente.

As iniciativas no plano geopolítico (“diplomacia das armas”), principalmente o aumento nas despesas de armamentos, tinham por objetivo desencorajar qualquer tipo de empreendimento e oposição dos adversários políticos8.

Já a “diplomacia do dólar” teve início com a política do “dólar forte”

implementada por Paul Volcker9 em 1979, quando este

“subiu violentamente a taxa de juros interna e declarou que o dólar manteria sua situação de padrão internacional e que a hegemonia da moeda americana iria ser restaurada. (...). Por outro lado, ao manter uma política monetária dura e forçar uma sobrevalorização do dólar, o FED retomou na prática o controle dos seus próprios bancos e do resto do sistema bancário privado internacional e articulou em seu proveito os interesses do rebanho disperso. (...) soldando os interesses do capital financeiro internacional, sob comando americano. Ainda que uma desvalorização do dólar fosse provocar uma nova crise financeira, os EUA não perderão o seu papel reitor” (Tavares, 1997, pp. 33-34 e 37)10.

O papel do dólar como moeda-chave do SMFI que sucedeu Bretton Woods está ancorado na sua capacidade de cumprir três funções para o capital internacional: prover liquidez imediata em qualquer mercado; fornecer segurança ante a realização de operações de risco; e servir como unidade de conta da riqueza virtual, presente e futura. Desta forma, nesse novo contexto, o dólar não é mais “reserva de valor como um padrão monetário clássico. (...) [C]umpre, sobretudo, o papel mais importante de moeda financeira em um sistema desregulado” (Tavares e Melin, 1997, p. 64).

As duas novas características do dólar - moeda financeira e fiduciária - ampliaram a assimetria entre o ajuste externo do país emissor da moeda-chave do sistema e o resto dos países, dado que esse país não está mais sujeito a restrições de balanço de pagamentos como nos sistemas monetários internacionais precedentes (padrão libra-ouro e Bretton Woods),

8 Essa “diplomacia” deve ser entendida no contexto da Guerra Fria que enfrentara, em linhas gerais, um bloque

ocidental-capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e um bloque oriental-comunista, liderado pela União Soviética, que vigorou entre o pós II Guerra Mundial até finais da década de 1980.

9

Paul Volcker foi presidente da Federal Reserve System (conhecida como FED) entre os anos 1979-1987.

10 Vale destacar que a ideia de que a política do “dólar forte” foi concebida, em parte, para restaurar o poder

hegemônico da moeda estadunidense em âmbito internacional e sua posição de padrão internacional, não é uma ideia consensual. À diferença de autores como Tavares (1997) e Belluzzo (1997), cujas ideias são aqui colocadas, alguns autores asseveram que essa política teve fins exclusivamente domésticos.

(25)

11

ancorados em moedas-chave conversíveis em última instância em ouro11. Na medida em que

“praticamente a totalidade dos passivos americanos é denominada em dólares e praticamente todas as importações de bens e serviços dos Estados Unidos são pagas exclusivamente em dólar” (Serrano, 2008, p. 76), “o déficit externo americano é financiado automaticamente na própria transação que o gera” (Serrano 2008, p. 121). Esse “privilégio exorbitante”12 resultaria, segundo Serrano (2008), em um maior grau de autonomia de política econômica para os Estados Unidos, em relação aos demais países.

Reforçando essa ideia, Teixeira (2000) afirma que, no arranjo pós Bretton Woods, os Estados Unidos têm a liberdade de executar praticamente qualquer estratégia econômica, desconhecendo os problemas que podem ocasionar aos países em posições mais frágeis, ao passo que, eventualmente, “diante de qualquer ameaça externa, podem reativar a formula mágica salvadora, elevando a taxa de juros e fazendo refluir para os ativos denominados em dólar a riqueza liquida espalhada pelo mundo” (p. 10). Nesse contexto, os fluxos internacionais de capitais, orientados pela taxa de juros americana, passam a depender da gestão de política econômica dos Estados Unidos e do seu ciclo econômico (Prates, 2002).

Desta forma, o regime de câmbio flutuante, o alto grau de mobilidade de capitais e a forma fiduciária da moeda internacional caracterizam um novo sistema monetário internacional - que define por sua vez a forma do sistema financeiro internacional - baseado em um padrão dólar “flexível, financeiro e fiduciário” (op. cit.).

Com o novo sistema monetário e financeiro mundial caracterizado pelas taxas de câmbio flutuantes e com a queda de lucratividade das operações industriais, duas mudanças de peso ocorreram: o aumento da importância das transações financeiras em relação às comerciais e o encurtamento do horizonte de planejamento dos agentes (Belluzzo, 1997).

Após a adoção do regime de câmbio flexível, gradualmente, a regulação doméstica da moeda e do crédito foi abandonada, resultando em um contexto de volatilidade de dois preços-chave das economias capitalistas, taxas de câmbio e de juros, agravado pelas eventuais inconsistências entre os objetivos internos (rolagem da dívida pública, que sustenta

11 Segundo explica Serrano (2004), nos sistemas monetários internacionais baseados em uma moeda-chave

conversível em ouro, o país emissor da moeda-chave tinha duas restrições ligadas à necessidade de manter a conversibilidade. Por um lado, os déficits em conta corrente não podiam ser crônicos. Um déficit em conta corrente implica um aumento do passivo externo líquido, pois aumenta a dívida externa líquida com os outros países. Como esses passivos eram conversíveis plenamente em ouro, um déficit crônico em conta corrente provocaria uma progressiva perda das reservas de ouro do país central, minando o papel da moeda-chave. Por outro lado, existia a restrição de manter fixa a paridade entre a moeda-chave e o outro, dado que sua variação poderia impulsionar movimentos especulativos.

12 Expressão utilizada originalmente por Valéry Giscard d'Estaing, político francês, para ressaltar o domínio do

(26)

12 a posição americana como devedor líquido do sistema) e externos (estabilidade dos mercados globais) dos Estados Unidos (Guttmann, 1994; Belluzzo, 1997).

A maior volatilidade e incerteza nos preços-chave americanos, que resultam, em última instância, do alto grau de mobilidade de capitais, do regime de câmbio flexível e das inconsistências supramencionadas, são transmitidas aos demais países, marcando uma instabilidade intensa e uma incerteza estrutural. É nesse ambiente de instabilidade financeira internacional que acontecem a desregulamentação financeira e a proliferação de inovações financeiras13, dentre as quais a securitização e os derivativos financeiros, que conduzem ao que veio a ser chamado na literatura por “globalização financeira” (Belluzzo, 1995; Prates, 2002), analisada a seguir.

I.3. Sistema Financeiro Contemporâneo

A presente seção tem o objetivo de apresentar as principais características da globalização financeira. Para tanto, divide-se em duas subseções. A primeira apresenta, no início, as particularidades que permitiram o processo de globalização e, posteriormente, serão tratadas as características da lógica que impera no sistema financeiro contemporâneo, assim como os principais instrumentos e agentes do processo. A segunda tratará sobre os principais determinantes dos ciclos de liquidez internacional.

I.3.i A marcha da globalização financeira

O termo “globalização” em sentido amplo, embora em um primeiro momento fosse rejeitado no meio científico pelo seu conteúdo ideológico14, foi aceito pela literatura acadêmica para representar a nova e mais avançada etapa de progresso tecnológico e de acumulação financeira de capitais. Em outras palavras, caracteriza um novo estágio, mais profundo e intenso, do processo histórico de internacionalização (Coutinho, 1995).

13 Para uma análise detalhada das características das inovações financeiras, dos comportamentos dos agentes e da

dinâmica financeira em geral, ver Farhi (1998).

14

Como explica Coutinho (1995), o termo “globalização” foi originado nos meios de comunicação e rapidamente adotado no universo político com uma conotação ideológica marcada. A ideia de inevitabilidade das transformações comerciais e financeiras que estavam se desenvolvendo desde os finais da década de 1970, e a necessidade dos países de abrirem suas economias e se submeterem aos desígnios das forças impulsoras desse processo, provocou uma imediata rejeição no meio acadêmico. A rejeição inicial foi aos poucos morigerada e o termo finalmente adotado. No fim das contas, “globalização é um conceito demasiado impreciso, enganoso e carregado de contrabandos ideológicos. Ainda assim, se pretendemos avançar na análise e compreensão dos processos de transformação que sacodem a economia e a sociedade contemporânea, não há como ignorá-lo” (Belluzzo, 1997, p.184).

(27)

13 No que diz respeito ao processo de globalização financeira, Chesnais (1998) identifica três etapas. A primeira, compreendida entre 1960 e 1979, marcada pelo surgimento

do Euromercado15 e dos centros financeiros off-shore, caracterizou-se por uma

internacionalização financeira limitada e indireta. A segunda etapa, entre 1980 e 1985, foi marcada pelas políticas de desregulamentação e abertura adotadas, em princípio pelos Estados Unidos e pela Inglaterra, e posteriormente pelos demais países desenvolvidos. Finalmente, a terceira etapa inicia-se a partir de 1986 com a generalização dos processos de securitização, expansão dos mercados de derivativos, desregulamentação das bolsas de valores e, por último, pela incorporação dos denominados “mercados emergentes”.

Em linhas gerais, dois grandes movimentos interagiram e resultaram na consolidação do atual SMFI. Por um lado, no plano doméstico, uma progressiva liberalização financeira; por outro lado, no plano internacional, a crescente mobilidade de capitais aventada acima (Carneiro, 1999).

Como destaca Plihon (1996), os crescentes déficits públicos americanos principalmente, mas também de outros países centrais, foram importantes na determinação desses dois movimentos, uma vez que com o aumento das necessidades de financiamento os Tesouros Nacionais apelaram aos investidores internacionais, liberalizando e modernizando os sistemas financeiros. Já Prates (2002) complementa que no Japão e nos países da Europa, a desregulamentação respondeu tanto à necessidade do financiamento dos déficits orçamentários quanto às pressões econômicas e políticas dos Estados Unidos e à ameaça da crescente competitividade do Euromercado.

O aprofundamento dos déficits gêmeos16 dos Estados Unido (Tabela I.1), a partir da década de 1980, implica que o país apelou crescentemente ao endividamento externo para cobrir suas necessidades de financiamento, tornando-se o principal devedor internacional, e transformando a dívida pública americana no motor da globalização financeira (Plihon, 1996). Esse recurso de financiamento somado às políticas do país central (e.g. desregulamentação financeira, política do “dólar forte”), promoveram uma reorientação dos movimentos

15

O denominado Euromercado é um mercado financeiro desregulado que surgiu, inicialmente, em função da necessidade de circulação dos fluxos em dólares das transações soviéticas e chinesas; depois, do êxodo e internacionalização dos bancos e empresas americanas, e finalmente, dos investimentos dos superávits dos países produtores de petróleo. O Euromercado era conveniente, para os Estados Unidos e principais países centrais, por diferentes razões: eliminava em parte o problema de esterilizar o excesso de liquidez em dólares; era um espaço de valorização dos lucros das corporações industriais; fortaleceu os bancos e possibilitou o reerguimento de Londres como centro financeiro internacional (Helleiner, 1994).

16 A denominação de “Déficits gêmeos” faz alusão à ocorrência simultânea de déficit fiscal e déficit em

(28)

14 internacionais de capital em uma direção Norte-Norte17, que contribuiu a provocar a crise da dívida dos países em desenvolvimento18, reafirmando essa orientação. Este processo caminhou pari passu com a globalização financeira dos países centrais.

Tabela I.1 Déficits gêmeos dos Estados Unidos (% do PIB)

Fonte: OCDE. Plihon, 1996.

De acordo com Prates (2002), o aprofundamento da desregulamentação e da liberalização financeira nos Estados Unidos, próprio da “segunda etapa” da globalização financeira na periodização do Chesnais (1998), significou, também, a formalização (e legalização) das condutas e atividades concorrenciais19 entre as instituições bancárias e não bancárias, que já estavam se desenvolvendo na prática.

Em relação aos bancos, instituições empresariais sujeitas à lógica da concorrência e, portanto, à lógica de valorização da riqueza20, “[they´re] always trying to find new ways to

17 Desde o pós II Guerra até meados da década dos anos 1970, os movimentos de capitais internacionais

apresentam uma orientação “Norte-Sul” na qual os países desenvolvidos, notadamente Estados Unidos, Japão e Europa em geral, financiavam o déficit dos países em desenvolvimento, principalmente na América Latina. A partir do início da década dos anos 1980, e com o crescimento do déficit americano, o excedente do Japão e da Europa passou a ser aplicado no financiamento do déficit dos Estados Unidos, seguindo uma lógica “Norte-Norte”. Para maiores esclarecimentos ver Oliveira-Martins & Plihon (1990).

18 Segundo Biasoto (1992), quatro fatores podem ser arrolados dentre as dificuldades dos países em

desenvolvimento não exportadores de petróleo, que levaram à denominada “crise da dívida dos países em desenvolvimento” no ano 1982. Como primeiro fator, a elevação da taxa de juros básica americana, que impactou tanto nos serviços das dívidas pagos como nas repactuações do principal. Segundo, os termos de troca desfavoráveis para esses países que, somado ao terceiro ponto, a intensificação das medidas protecionistas nos países centrais, implicou a falta de divisas para honrar os pagamentos. Por último, a concentração das amortizações no início dos anos 1980, colocou um peso impossível de afrontar para os países não exportadores de petróleo. Nesse contexto, a rolagem da dívida dos países endividados majoritariamente da América Latina) foi interrompida. Em agosto de 1982, o governo mexicano anunciou uma moratória de sua dívida denominada em moeda estrangeira, uma vez que não conseguiu levantar novos empréstimos para pagar os vencimentos. Os capitais internacionais se negaram a conceder mais empréstimos aos países endividados, o que provocou uma cascata de moratórias.

19 “Enquanto aspecto constitutivo essencial da economia capitalista, a concorrência caracteriza-se por um

processo dinâmico de luta incessante pelo aumento da riqueza, do qual os agentes participantes utilizam armas ou estratégias para construir vantagens em face de seus rivais, de modo a obter os maiores ganhos possíveis” Freitas (1997, p.62).

20 Essa visão sobre as instituições bancárias como agentes ativos do sistema financeiro, cujas decisões afetam a

dinâmica do mesmo, tem sua raiz em Minsky (1957). O autor foi um dos primeiros a ressaltar o rol ativo dos bancos e o duplo papel desempenhado pelas inovações financeiras: meio para atingir vantagens competitivas - nível microeconômico -; instrumento pelo qual a oferta de financiamento se ajusta à demanda - nível macroeconômico - (Minsky 1957, 1986). Nas suas palavras: “Banks and bankers are not passive managers of money to lend or to invest; they are in business to maximize profits. They actively solicit borrowing customers,

1980 1985 1990 1994

Déficit público -1,3 -3,3 -2,4 -2,0

(29)

15 lend, new customers, and new ways of acquiring funds, that is, to borrow; in other words, [they´re] under pressure to innovate” (Minsky, 1986, p. 264).

Limitados pelo ambiente institucional e jurídico no qual atuam, as instituições bancárias procuram permanentemente diversos meios pelos quais obter maior participação de mercado e maiores lucros, seja no âmbito doméstico, seja no âmbito internacional. Desta forma, o contexto macroeconômico marcado pela crescente inflação e pelo aumento das taxas de juros, junto às limitações jurídicas nas taxas passivas oferecidas pelos bancos e ao acirramento da concorrência entre estes e as instituições não bancárias, intensificou-se o processo de internacionalização dos bancos americanos e o desenvolvimento de novos instrumentos financeiros (Prates, 2002).

Em relação às instituições não bancárias (com destaque para os investidores institucionais, conceituados a seguir), estas tiveram um papel fundamental na internacionalização das aplicações como resultado das estratégias de diversificação dos portfólios na procura de maiores rendimentos e menores riscos.

Paralelamente, e de forma correlacionada ao avanço da globalização financeira, ocorreram dois processos simultâneos e relacionados entre si: por um lado, o processo de transformação da lógica dos mercados, agora predominantemente especulativos; por outro lado, o processo de subordinação da acumulação produtiva em relação à acumulação financeira, conhecido como “financeirização” (Braga, 1993, 1997; Belluzzo, 1997).

No centro das transformações, encontra-se a “ascensão das finanças especulativas”, uma vez que as finanças internacionais passam a se desenvolver segundo uma lógica que “não tem mais que uma relação indireta com o financiamento dos intercâmbios e dos investimentos na economia mundial. (...) a própria natureza do sistema transformou-se, já que este passou a ser dominado pela especulação21” (Plihon, 1995, pp. 62-63, grifos nossos).

Assim, emerge um novo padrão de gestão, denominado de “financeirização”, no qual a especulação toma caráter permanente ou sistêmico uma vez que “está constituído por

undertake financing commitments, build connections with business and other bankers, and seek out funds”

(Minsky, 1986, p. 256).

21 A definição tradicional foi dada por Kaldor (1939), entendendo especulação como o ato de compra (ou venda)

de mercadorias com expectativa de revende-la (ou recomprá-la) em um futuro, motivado pela antecipação de uma mudança nos preços vigentes e não pelo uso, transformação ou transferência da mercadoria. A ênfase é colocada aqui nas expectativas sobre os preços. Já com o desenvolvimento dos mercados financeiros, principalmente dos denominados derivativos, Farhi (1999) oferece outra definição: “consideramos como especulação as posições líquidas, compradas ou vendidas, num mercado de ativos financeiros (à vista ou de derivativos) sem cobertura por uma posição oposta no mercado com outra temporalidade no mesmo ativo, ou num ativo efetivamente correlato” (p. 10).

(30)

16 componentes fundamentais da organização capitalista, entrelaçados de uma maneira a estabelecer uma dinâmica estrutural segundo princípios de uma lógica financeira geral” (Braga, 1997, p. 196). Em definitivo: “A dominância financeira – a financeirização – [é] expressão geral das formas contemporâneas de definir, gerir e realizar riqueza no capitalismo” (Braga, 1993, p. 26).

Entre os novos instrumentos utilizados nesta nova lógica dos mercados, destaca-se o processo denominado securitização, que pode ser tomado como o processo predominante nas transações entre devedores e credores nos mercados secundários22. Implica o lançamento de novos títulos no mercado (com a consequente recepção de fundos) garantidos frequentemente por recebíveis. Essa prática, que permite ampliar as fontes de créditos, teve uma rápida aceitação entre os agentes, e se consolidou como uma prática necessária para não perder competitividade. Vale mencionar, que a prática da securitização proliferou tanto pela nova lógica do mercado como, no início, pelo grande volume de títulos de dívida pública americanos e de outros países centrais. (Farhi, 1998).

Por outro lado, segundo Farhi (1999), o ambiente de instabilidade e incerteza estrutural, próprio da reconfiguração do SMFI, impulsionou a procura por proteção dos agentes (hedge) contra a volatilidade das taxas de câmbio e de juros, que assentou as bases para a criação dos derivativos financeiros23.

Além da busca por proteção e transferência de riscos, a demanda por inovações financeiras também esteve associada à garantia de liquidez e à ampliação do volume de crédito. Contudo, “there is a supply side to the process of the financial innovation. It refers to the willingness of financial institutions to provide, or make a market in, new instruments” (BIS, 1986, p. 181). Ou seja, a demanda por inovações foi satisfeita pela oferta de novos veículos, que cumpriram as funções financeiras desejadas, por parte dos bancos, em particular, e das instituições financeiras em geral, pressionados pelo aumento da concorrência

22

Os mercados de valores dividem-se em mercados primários e secundários. No mercado primário são emitidos por meio de uma oferta pública ou privada, novos valores negociáveis. Já no mercado secundário, ou mercado de negociação, não existe nova emissão de títulos valores, e são transacionados os valores emitidos no mercado primário (Merval, 2014).

23

Esses instrumentos financeiros se baseiam em contratos entre duas partes com liquidação futura. O mercado de derivativos é de soma zero, ou seja, não há criação de riqueza, mas permitem um alto grau de alavancagem. Por sua vez, os mercados onde são negociados os derivativos dividem-se em dois: mercados organizados e mercados de balcão. Nos mercados organizados, mais regulados e controlados, a presença de uma câmara de compensação elimina grande parte dos riscos, limitando-os ao denominado “Risco Bolsa”, que faz referência à possibilidade da instituição (“Bolsa”) não honrar os pagamentos pelos quais ela responde em última instância. Por outro lado, os mercados de balcão caracterizam-se pela inexistência de uma câmara de compensação, pela operação de contratos não padronizados e pela falta de informação tanto do volume como dos participantes implicados (Farhi, 1998).

(31)

17 em um ambiente dinâmico e em desenvolvimento, e alentados pela crescente desregulamentação em âmbito global (BIS, 1986).

Cabe destacar que enquanto as inovações financeiras permitiram, por um lado, administrar os riscos, estabilizar e coordenar as expectativas dos agentes, por outro lado, aumentaram o espaço para a especulação e introduziram a possibilidade de novos riscos sistêmicos, uma vez que, embora a instabilidade decorra das taxas subjacentes, esses instrumentos podem potencializá-la e agravá-la (Farhi, 1998).

A nova organização das finanças mundiais, caracterizada pelo predomínio dos mercados de capitais ou das finanças securitizadas (Tabela I.2 e Tabela I.3) tornou a avaliação contínua dos estoques de riqueza, um fator primordial para o funcionamento dos mercados. Como explica Prates (2002), “as tensões de iliquidez do sistema e inadimplência dos devedores implica queda dos preços dos ativos, o que torna as novas formas de manutenção da riqueza intrinsecamente deflacionárias, ao contrário das tendências inflacionárias do sistema de crédito” (Prates, 2002, p. 102-103).

Tabela I.2 Volume de transações internacionais com títulos (% do PIB).

Fonte: FMI. Plihon (1996).

Além da necessidade de avaliação contínua, esses novos mercados apresentam outras duas características: a “obsessão pela liquidez” e uma alta “sensibilidade à inflação”. Essas particularidades são consequência inescapável do seu próprio funcionamento, que depende de um conjunto de expectativas sobre a evolução futura dos preços em um marco de taxas de câmbio flutuantes e volatilidade das taxas de juros (Belluzzo, 1997). Nesse sentido, Belluzzo (1997, p. 189) conclui:

“[A] sensibilidade à inflação e a aversão à iliquidez (...) funcionam como freios automáticos, cuja função é conter a economia real, antes que ela se revele ´inconveniente´ para os detentores da riqueza financeira. Estas peculiaridades da finança contemporânea, fundada na preeminência de mercados amplos e profundos (...) mostra[m] que

1980 1992 Estados Unidos 9,3 109,4 Japão 7 69,9 Alemanha 7,5 91,2 França 8 122 Itália 1,1 118,4 Reino Unido 266 1.015,80 Canadá 9,6 113,1

(32)

18 o crescimento espetacular da riqueza financeira e o desenvolvimento correspondente de mercados amplos e abrangentes, destinados à avaliação diária desta massa de riqueza mobiliária, estão afetando de forma importante o comportamento do investimento, do consumo e também do gasto público”.

Tabela I.3 Operações com títulos de dívida pública (bilhões de dólares).

(1) Transações de operadores primários com valores do Tesouro dos Estados Unidos

(2) Volume das operações em bolsa com bônus federais emitidos pelo Tesouro, das estradas de ferro e dos correios.

(3) Transações do mercado secundário com valores do Tesouro, abrangidas as pensões

Fonte: FMI. International Capital Markets: Developments, Prospects and Policy Issues, Septembro 1994.

A mudança no comportamento “do investimento, do consumo e também do gasto” (Belluzzo, 1997) faz referência, também, ao caráter pervasivo da nova lógica das finanças globais e/ou seus instrumentos, afetando os Estados e instituições bancárias, como mencionado, mas também colocando como agentes principais as empresas e investidores institucionais (Plihon, 1995). A crescente alocação da riqueza das famílias em instrumentos financeiros também deve ser destacada.

Em relação aos investidores institucionais, seguindo a definição convencional, são um conjunto de instituições que centralizam e gerenciam de forma profissional as poupanças individuais. Do ponto de vista patrimonial, os fundos de pensão, as companhias de seguro e os fundos de investimento são os agentes que concentram o maior volume de riqueza financeira. Dentro dos fundos mútuos, cabe ressaltar os denominados hedges funds, uma vez que apresentam uma grande propensão ao risco, operando com um elevado grau de alavancagem em ambientes desregulados. Com o aumento da importância dos investidores institucionais, a institucionalização e a aglomeração das poupanças individuais, dado o seu volume, passam a exercer uma influência decisiva sobre os movimentos nos diferentes mercados de capitais (Carneiro, 1999).

1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989

Estados Unidos (1) 13,8 18,1 23,5 30,3 38,5 55,5 68,8 77,1 70,7 77,9

Japão

Mcdo de balção de Tóquio 1,4 1,6 1,8 2,3 4,8 17,2 29,1 73,9 62,1 49,5 Transações em bolsa 0 0,1 0,1 0,2 0,5 0,8 1,5 1,4 1,2 1

Alemanha (2) - - - 2,3 3,7 3,7

França(3)

Títulos a curto e médio prazo - - - 0,2 1,2 2,1 2,5

(33)

19 Por sua vez, as empresas em geral e, sobretudo, as grandes empresas transnacionais, também passaram por um processo de transformação nas relações internas de

financiamento e de propriedade, envolvendo novas regras de gestão24. As grandes empresas,

em sua maioria, são administradas ou controladas por investidores institucionais que impõem critérios de rentabilidade de curto prazo e liquidez, e, principalmente, objetivos de valorização acionária. A este respeito Farnetti (1998) comenta:

“Na nova configuração rentista, os investidores institucionais têm o poder de escolher os segmentos da cadeia de valor que eles estimam ser os mais rentáveis e os mais desprovidos de riscos – com grandes chances de se desfazer em caso de crise. (...) ... o corporate governance aparece como a sistematização gestora de uma prática onde o capital-dinheiro concentrado conseguiu subordinar a seu proveito facções cada vez mais importantes do aparelho produtivo...” (Farnetti, 1998, p. 206, apud Biancarelli, 2007, p. 107).

Com o objetivo de criar valor acionário, as empresas não se restringem às suas atividades produtivas e se transformam em atores dos mercados financeiros internacionais a partir de uma gestão ativa de caixa que incorpora uma variedade de ativos financeiros e uma liquidez estratégica. O peso crescente da riqueza financeira nos patrimônios permite-lhes ampliar o endividamento e expandir os investimentos toda vez que a evolução favorável dos preços dos ativos reduz a proporção da dívida em relação ao capital próprio, assim como as compele a uma contração nos momentos de deflação. Esse comportamento pro-cíclico está

intimamente relacionado com o comportamento pro-cíclico bancário25, pois é a expansão do

24

Sobre as transformações na organização interna das empresas e as novas regras de gestão que se enquadram na “governança corporativa”: “corporate governance comprises the private and public institutions – both formal

and informal – which together govern the relationship between those who manage corporations (“corporate insiders”) and those who invest resources in them. These institutions typically include a country´s corporate laws, securities regulations, stock-market listing requirements, accepted business practices and prevailing business ethics (...) Corporate “insiders” can include dominant stockholder as well as managers per se. Investors can include suppliers of equity finance (shareholders), suppliers or debt finance (creditors), suppliers or relatively firm-specific human capital (employees) and suppliers of other tangible and intangible assets that corporations may use to operate and grow. (…) In all countries, the institutions of corporate governance serve two indispensable and ultimately indissociably objectives: enhance the performance and ensure the conformance” (OECD, 2003, p. 3).

25 “A ação dos bancos, a partir de estratégias concorrenciais definidas em relação a um futuro incerto, tem um

forte impacto sobre a atividade econômica. Os bancos, como todos os outros agentes, possuem preferência pela liquidez e expectativas em relação ao futuro, que norteiam as estratégias que traçam em sua busca incessante de valorização. Nesse sentido, eles administram ativamente os dois lados do balanço e utilizam igualmente de expedientes, como as transações fora do balanço. Como o desejo dos bancos em se manterem líquidos depende de suas considerações otimistas ou pessimistas sobre o estado dos negócios ao longo do ciclo econômico, é possível que, em certas circunstâncias, eles decidam racionar o crédito, refreando o crescimento econômico ou mesmo conduzindo à regressão da produção e dos investimentos. De igual modo, eles podem decidir privilegiar o financiamento da circulação financeira, financiando os agentes especuladores ou suas próprias atividades especulativas” (Freitas, 1997, p. 78).

Referências

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