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Capítulo III: Argentina na década de 1990: Currency Board com sistema bimonetário

III.4. ii Sistema financeiro doméstico

Entre a implementação do plano de conversibilidade e as primeiras evidências de fragilidade do sistema no final do ano 1994, houve uma rápida expansão dos depósitos, do crédito e uma pronunciada queda na taxa de juros interna.

Como destacam Rozenwurcel e Fernández (1993), para preservar a estabilidade do sistema econômico era necessário (re)monetizar a economia em níveis compatíveis com um crescimento sustentável. Segundo os autores, o processo de globalização financeira e a nova inserção da argentina no sistema financeiro internacional, estimulou a crença entre as autoridades que a livre mobilidade de capitais e o ingresso de financiamento externo era “prácticamente irreversible”. Portanto, o governo procurou estimular a criação de novos instrumentos financeiro “que resulten sustitutos más próximos del dólar, sea bajo la forma de pesos con 100% de respaldo en divisas, sea bajo la forma de ´argendolares´ (depósitos en moneda extranjera” (Rozenwurcel e Fernández, 1993, p. 3).

As medidas adotadas permitiram uma rápida e importante monetização (Tabela III.9). Contudo, como os fenômenos hiperinflacionários tinham levado os agregados

estruturais que, segundo a visão adotada no plano, permitiria os países retomar o crescimento econômico. A

estratégia para reduzir a dívida incluía três alternativas: cash buybacks, em que o país devedor utilizava reservas internacionais ou fundos adicionais outorgados pelas instituições supranacionais para recomprar os títulos de dívida, após o acordo de um desconto; debt conversions, em que eram trocados os títulos de dívida existente por novos títulos, com uma redução no valor do principal e/ou nos juros, mas concedendo garantias adicionais; debt

equity swaps, consistiu na utilização de moeda doméstica para a recompra dos títulos de dívida, com o

compromisso dos credores de realizar investimentos diretos no país devedor. Entre abril de 1992 e o início de 1993, a Argentina acordou a reestruturação de sua dívida externa com a maioria dos bancos credores, no marco da iniciativa Brady. Foram reestruturados tanto os serviços da dívida atrasados como parte do principal, por meio da emissão de novos títulos de longo prazo, amortização de juros semestral e taxa fixa crescente. A dívida externa foi reduzia em US$ 2,3 bilhões e permitiu receber novos fluxos de financiamento Maia (1993).

113 monetários a mínimos históricos, os coeficientes de liquidez continuaram em níveis pouco significativos quando comparados com países desenvolvidos e mesmo países em desenvolvimento. Nas palabras de Machinea (1996),

“aún cuando la remonetización fue muy importante, el nivel de los agregados monetarios respecto del PBI estaba mostrando cierto problema de credibilidad. En realidad, hacia fines de 1994, luego del período de mayor estabilidad en los últimos cuarenta años, la relación M3/PBI era solo del veinte por ciento, una relación substancialmente menor que la de países con tasas de inflación similares o aún más altas”.

Tabela III.9 Agregados monetários (1991/95; milhões de pesos e dólares)

Fonte: Indec, elaboração própria.

Desde a implementação do plano de conversibilidade foi adotada uma definição de moeda para medir os agregados monetários, que inclui os depósitos em dólares no sistema financeiro doméstico, reconhecendo a configuração de um sistema financeiro nacional bimonetário. A profunda dolarização se observa nos elevados níveis de depósitos e empréstimos realizados em moeda estrangeira, os quais superaram inclusive os registrados em moeda nacional. Como sintetiza Frenkel (2002, p. 10 grifos nossos):

“La Ley de Convertibilidad sanciono la validez de los contratos monetarios denominados en cualquier divisa. La medida estuvo originariamente dirigida a alentar la repatriación de capital argentino, permitiendo que sus propietarios hicieran depósitos en dólares en los bancos locales. A pesar de la alta credibilidad del compromiso del tipo de cambio (medido por la diferencia de las tasas de interés en pesos y dólares), los ahorristas del sector privado demostraron su preferencia por los depósitos en dólares mientras los

bancos ofrecían créditos en dólares, suponiendo(erróneamente) que

con esto protegían sus balances del riesgo cambiario. En consecuencia, desde los primeros momentos del régimen de

Ano Trimestre PIB M1

Pesos M1 Dólar M1 Peso/PIB M1 Dólar/PIB M3 Pesos M3 Dólar M3 Peso/PIB M3 Dólar/PIB 1991 I 179599 2930 638 1,6% 0,4% 6374 3226 3,5% 1,8% III 208300 5431 542 2,6% 0,3% 10228 5025 4,9% 2,4% 1992 I 200594 7990 596 4,0% 0,3% 13919 7148 6,9% 3,6% III 223760 9959 655 4,5% 0,3% 18219 9647 8,1% 4,3% 1993 I 216370 11766 520 5,4% 0,2% 22648 11363 10,5% 5,3% III 242645 13646 258 5,6% 0,1% 27362 15057 11,3% 6,2% 1994 I 232945 16580 327 7,1% 0,1% 31974 18017 13,7% 7,7% III 253467 16729 284 6,6% 0,1% 32783 19897 12,9% 7,8% 1995 I 237968 15331 368 6,4% 0,2% 29808 22473 12,5% 9,4%

114 Convertibilidad, se dio una constante tendencia a una mayor proporción de activos y pasivos denominados en dólares dentro del sistema bancario local”.

Como observado na tabela III.10, os depósitos totais no sistema financeiro doméstico passaram de menos de US$ 10 bilhões em abril de 1991 para mais de US$ 45 bilhões no final do ano 1994. Vale ressaltar a dinâmica diferenciada entre os depósitos em moeda nacional e em moeda estrangeira. Enquanto os primeiros se elevaram de US$ 5,6 bilhões em abril de 1991 para US$ 22 bilhões em dezembro de 1994, os depósitos em moeda estrangeira aumentaram de pouco mais de US$ 3,6 bilhões para cerca de US$ 23 bilhões no período avaliado. Isso significa que os depósitos em moeda nacional se quintuplicaram, ao passo que o volume de depósitos em moeda estrangeira aumentou mais do que proporcionalmente, representando a maior parte (51%) dos depósitos já em 1994.

Tabela III.10 Depósitos no sistema financeiro doméstico (1991/95, milhões de pesos e dólares)

Fonte: Indec, elaboração própria.

De acordo com Ferrari (1998), no início de 1992, os depósitos a prazo fixo, em caderneta de poupança e os depósitos à vista em pesos representavam 22%, 19% e 19% respectivamente, ao passo que essas aplicações em moeda estrangeira atingiram 30%, 3% e 7%. Já em abril de 1993, os depósitos a prazo em dólares estadunidenses aumentaram para 34%, enquanto que os depósitos em moeda nacional se elevaram para 25%, as aplicações em caderneta de poupança em moeda estrangeira 6%, chegando a 9% do total, enquanto as aplicações em pesos diminuíram para 13%. Os depósitos à vista em pesos se mantiveram na mesma proporção ao passo que os realizados em dólar cairiam para 2%. Em dezembro de

Moeda naional Moeda estrangeira Moeda naional Moeda estrangeira 1991 Jan. 3.695 3.242 1.238 188 4.933 3.430 1991 Jul. 5.086 4.996 2.460 92 7.546 53,0% 5.088 48,3% 1992 Jan. 6.670 7.036 3.424 893 10.094 33,8% 7.929 55,8% 1992 Jul. 9.038 9.496 5.143 235 14.181 40,5% 9.731 22,7% 1993 Jan. 11.207 11.201 7.197 361 18.404 29,8% 11.562 18,8% 1993 Jul. 13.571 14.320 7.869 1.056 21.440 16,5% 15.376 33,0% 1994 Jan. 16.513 17.661 8.513 614 25.026 16,7% 18.275 18,9% 1994 Jul. 17.199 19.532 8.046 927 25.245 0,9% 20.459 12,0% 1995 Jan. 16.279 22.169 6.334 704 22.613 -10,4% 22.873 11,8% Jul. 15.799 19.523 5.855 765 21.654 -4,2% 20.288 -11,3% Var. Peso Total Dólar Var. Dólar Ano Mês

Setor privado não financeiro

Setor público não financeiro

Depósitos

115 1994, os depósitos a prazo em dólares subiriam para 40%, enquanto que os depósitos em pesos cairiam para 17% do total.

Por outro lado, a estabilidade macroeconômica, o crescimento econômico, o ingresso de capitais e a queda das taxas de juros internacionais, contribuíram para a diminuição do risco país e a queda das taxas de juros internas (Machinea, 1996).

Antes de implementado o plano de conversibilidade, a taxa de juros em pesos para depósitos a prazos menores a 60 dias superava os 150% a.a., mas apresentou uma queda significativa já na metade de 1991 (22,5 % a.a.). Ao contrário do observado durante os planos de estabilização precedentes (quando as taxas de juros reais se elevavam por conta das expectativas de desvalorização da moeda frente a um agravamento do desequilíbrio externo), o plano de conversibilidade conseguiu manter as taxas de juros relativamente estáveis apesar do crescente desequilíbrio na conta corrente do balanço de pagamentos (Machinea, 1996).

Em contrapartida, como mencionado anteriormente, com revitalização do sistema financeiro doméstico ocorreu com um aumento do grau de dolarização tanto dos depósitos quanto dos empréstimos. Da tabela III.11, sobressai o fato de que o total dos empréstimos realizados em moeda estrangeira ao setor não financeiro, superaram os empréstimos em moeda nacional já em meados do ano 1992, incrementando-se a brecha a partir desse momento. Outra característica relevante é a relativa estagnação, ao longo do período considerado, dos empréstimos em moeda doméstica ao setor público, enquanto os empréstimos em moeda estrangeira cresceram significativamente.

Tabela III.11 Créditos do sistema financeiro doméstico (1991/95; milhões de pesos e dólares)

Fonte: Indec, elaboração própria.

Peso Dólar Peso Dólar

1991 Jan. 8.134 6.055 6.995 9.537 15.129 15.592 1991 Jul. 11.414 7.706 9.494 11.007 20.908 38,2% 18.713 20,0% 1992 Jan. 13.600 9.903 8.900 12.271 22.500 7,6% 22.174 18,5% 1992 Jul. 16.757 13.165 6.205 13.941 22.962 2,1% 27.106 22,2% 1993 Jan. 19.458 16.533 6.161 14.871 25.619 11,6% 31.404 15,9% 1993 Jul. 21.127 18.937 7.775 15.167 28.902 12,8% 34.104 8,6% 1994 Jan. 21.991 22.369 7.202 17.148 29.193 1,0% 39.517 15,9% 1994 Jul. 23.207 25.605 7.233 17.519 30.440 4,3% 43.124 9,1% Mês Total Peso Variação Total Peso Total Dólar Variação Total Dólar Crédito

Setor privado não financeiro

Setor público não financeiro Ano

116 Uma das consequências mais imediatas desta situação foi o aumento da fragilidade financeira ante qualquer desvalorização da moeda nacional, uma vez que o incremento na contratação de empréstimos em moeda estrangeira, com a consequente contrapartida da acumulação de um maior volume de passivos em moeda estrangeira dos tomadores desses empréstimos, agravou o descasamento de moedas. Essa situação explica, então, os esforços que o governo fez no sentido de proteger o segmento dolarizado do sistema (Frenkel, 2002). Entretanto, esses esforços aprofundavam a perda da soberania monetária. Embora preservar o setor dolarizado e manter as políticas monetária e cambial adotadas fossem considerados pelas autoridades o meio pelo qual a moeda nacional reestabeleceria suas funções clássicas, na prática, restringiu-se o grau de autonomia econômica.

A fragilidade cambial e financeira subjacente foi bem interpretada por Rozenwurcel e Fernández (1993, p. 7)

“Profundizar la dolarización de la economía tiende a dificultar, en vez de facilitar, la solución del problema existente en materia de precios relativos. En este contexto, en que los grados de la libertad de la política económica se reducen significativamente, si en algún momento el sector privado espera un agravamiento de la situación externa o no confía en que los mecanismos de ajuste automático operen con la velocidad requerida, su reacción podría ser la de cubrirse del mayor riesgo-país reduciendo sus tenencias en pesos y ´argendolares´ (dólares depositados en el país), y aumentando en su lugar sus tenencias de dólares ´abajo del colchón´ o fuera del país. Ello produciría una fuerte contracción del crédito interno, un aumento de las tasas de interés, recesión y fuertes desequilibrios financieros. Es ciertamente factible imaginar diversos escenarios en los cuales ese proceso podría concluir, incluso, en un nuevo colapso del sistema financiero”.

Segundo Cohen (2014), quanto mais arraigada a substituição monetária, maior a falta de identidade social por meio da moeda nacional. Desta forma, o peso argentino, representava não um símbolo de soberania, política e econômica, senão um “lembrete diário de inadequação e impotência (...) um cidadão de segunda classe”112 (Cohen, 2014, p.166). Apesar da maior estabilidade e do crescimento dos primeiros anos, Canitrot (1996, p. 53) destaca que: “La principal debilidad de la economía argentina es que, con razón o sin ella, y no obstante los mejores esfuerzos, la Argentina es, y continuara siendo por un tiempo largo, un país bajo sospecha. Una economía en la cual los propios argentinos no terminan por

112 No original, generalizando, a citação faz referência às moedas nacionais que são substituídas em âmbito

doméstico por uma divisa. Aqui foi adequadamente aplicada para o caso Argentino, sem alterar o significado do original.

117 confiar. Esta desconfianza tiene consecuencias tanto referidas al largo plazo como a las políticas de estabilización”.

III.5 Sustentando o insustentável: 1995-2001

A presente seção versa sobre a crise do regime monetário e cambial. O tema abarca duas subseções, a primeira destaca o “ponto de inflexão” da dinâmica econômica argentina, coincidente com a reversão do fluxo de capitais, reflexo, por sua vez, da crise mexicana (1995). A segunda foca na breve recuperação econômica após a crise de 1995, e na rápida fragilização da economia e nas condições que levaram à crise do regime de conversibilidade.

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