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Conseqüências para a hermenêutica constitucional jurídica

CAPITULO II FERRAMENTAS DA TEORIA CONSTITUCIONAL

4 A COMUNIDADE ABERTA DOS INTÉRPRETES DA CONSTITUIÇÃO: a

4.3 Conseqüências para a hermenêutica constitucional jurídica

Na esteira do processo de ampliação dos intérpretes da constituição o juiz constitucional já não interpreta de forma isolada. A esfera pública pluralista desenvolve força normatizadora. Desse modo, posteriormente, a corte constitucional haverá de interpretar a constituição em correspondência com a sua atualização pública.411 O processo constitucional formal, assevera Häberle, não é a única via de acesso ao processo de interpretação constitucional. O raio da interpretação normativa amplia-se graças aos intérpretes da constituição da sociedade aberta. A sociedade torna-se aberta e livre, porque todos estão potenciais e atualmente aptos a oferecer alternativas para a interpretação constitucional.412

A interpretação constitucional jurídica traduz a pluralidade da esfera pública e da realidade, as necessidades e as possibilidades da comunidade que constam do texto da constituição, que o antecedem ou subjazem a ele. A teoria de Häberle se propõe a alterar uma tendência existente na teoria da interpretação de sempre superestimar o significado do texto413.

Com a ampliação do rol de intérpretes da constituição compete à corte constitucional controlar a participação leal dos diferentes grupos na interpretação da constituição, de forma que, na sua decisão, se leve em conta, interpretativamente, os interesses daqueles que não participam do processo414. Um minus de efetiva

410

MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. Tradução Peter Naumann. São Paulo: Max Limonad, 2000b. p. 57. Conferir também MÜLLER, Friedrich. Fragmento

(Sobre) o Poder Constituinte do Povo. Tradução Peter Naumann. São Paulo: RT, 2004. 411

HÄBERLE, op. cit., p. 41.

412

Ibid., p. 41.

413

Essa discussão foi, mutatis mutandi, como já abordado neste trabalho, feita por Müller quando este questionou a confusão feita pelo positivismo jurídico ao tratar o texto da norma como sinônimo da própria norma. Ibid., p. 42-43.

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Na Constituição brasileira de 1988, ampliou-se, sobremaneira, o rol de intérpretes da Constituição. Observa-se isso analisando, principalmente, o disposto no artigo 103 da Constituição Federal. Essa discussão será retomada, com mais vagar, no último capítulo. Enquanto na ordem constitucional

participação, salienta Häberle, deve levar a um plus de controle constitucional. Desse modo, a intensidade do controle de constitucionalidade há de variar segundo as possíveis formas de participação415.

Com a tese de Häberle da sociedade aberta amplia-se a própria comunidade de intérpretes da constituição. De um modo geral, as decisões constitucionais ocorrem dentro de um vasto espectro normativo, abrindo-se a uma multiplicidade de possibilidades interpretativas. Com isso, a ampliação da possibilidade de participação dos cidadãos no processo de interpretação da constituição tem a função de racionalizar e legitimar as decisões da corte constitucional. Conforme assevera Souza Neto, a necessidade de justificar as decisões judiciais “perante os demais participantes da interação comunicativa exige que se argumente com razoabilidade e reciprocidade.”416

No último capítulo esse tema será retomado com mais atenção.

A teoria constitucional, para Häberle, não tem uma função exclusivamente harmonizadora: consenso resulta de conflitos e compromissos entre participantes que sustentam diferentes opiniões e defendem os próprios interesses. Dessa forma, o direito constitucional é um direito de conflito e compromisso. Com isso, coloca-se para a teoria constitucional a questão fundamental sobre a possibilidade de vincular normativamente as diferentes forças políticas, isto é, de apresentar-lhes bons métodos de interpretação.417

Respondendo a questão atinente à pertinência ou não da constitucionalização de outros participantes do processo constitucional, Häberle sustenta que constitucionalizar formas e processos de participação é uma tarefa específica de uma teoria constitucional procedimental. O processo político precisa ser aberto, devendo uma interpretação divergente ter oportunidade de ser sustentada em algum momento. O processo político é um processo de comunicação

anterior apenas o Procurador-Geral da República era legitimado para propositura da Ação Direita de Inconstitucionalidade, na nova Constituição, vários outros são os legitimados. Cf. PINHO, Judicael Sudário de. Temas de Direito Constitucional e o Supremo Tribunal Federal. São Paulo: Atlas, 2005, p.22.

415

HÄBERLE, op. cit. p. 46.

416

SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Teoria da Constituição, Democracia e Igualdade. In: ______ et al; Teoria da Constituição: estudos sobre o lugar da política no Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2003. p. 55-56.

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de todos para com todos, no qual a teoria constitucional deve tentar ser ouvida, encontrando um espaço próprio e assumindo sua função como instância crítica.418

Em síntese, Häberle afirma que uma ótima conformação legislativa e o refinamento interpretativo do direito constitucional processual constituem as condições básicas para assegurar a pretendida legitimação da jurisdição constitucional no contexto de uma teoria de democracia.419

Uma jurisdição constitucional democrática e participativa é de grande valia para o direito alternativo, pois possibilita a concretização constitucional, fiscalizando e protegendo os valores constitucionalmente inscritos no texto da constituição, frutos, muitas vezes, de intensas lutas das camadas populares da sociedade. Com a ampliação da participação social no processo de interpretação constitucional aumentam-se as chances de que a Constituição tenha normatividade integral, de que ganhe concretude, condição necessária para a consolidação e amplificação do Estado Constitucional e Democrático de Direito no Brasil.

Reforça-se, ao final do presente capítulo, o que já foi mencionado anteriormente, isto é, que não se objetivou aqui uma abordagem exaustiva das teorias apresentadas, muito menos se defendeu que são apenas essas as possibilidades teóricas descortinadas pela teoria constitucional contemporânea ao direito alternativo. Não há como negar, por exemplo, a grande importância que a teoria dos princípios tem para a construção de uma dogmática jurídica emancipatória: o reconhecimento do caráter normativo dos princípios possibilitou um grande avanço à teoria constitucional, abrindo inúmeras possibilidades de trabalho aos juristas orgânicos.

Em um sistema constitucional de alta densidade principiológica como o brasileiro, trabalhar com teorias que sustentam o caráter normativo dos princípios é salutar. E para isso muito bem servem teorias como as desenvolvidas por Ronald Dworkin e Robert Alexy. Embora haja inúmeras diferenças teóricas entre eles, defendem, grosso modo, que princípios e regras são espécies do gênero norma jurídica. Atesta-se, assim, o caráter normativo dos princípios, uma vez que, tanto quanto as regras, também são exemplos de normas jurídicas.

Apesar de não se ignorar a importância da normatividade dos princípios no cenário constitucional pátrio, optou-se por não abordá-la neste trabalho. Em

418

Ibid., p. 55.

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primeiro lugar, em virtude do recorte teórico escolhido; em segundo, pelo fato do tema já ser desenvolvido com bastante profundidade em muitos trabalhos acadêmicos. Para os interessados em aprofundar-se nessa discussão segue, em nota de roda-pé, algumas indicações que podem auxiliar no início dessa empreitada.420

Quanto às teorias aqui apresentadas, todas elas comportam possibilidades emancipatórias passíveis de exploração por um jurista orgânico, comprometido com a superação do estado de coisas vigente. É esse estado de coisas que naturaliza o enorme fosso social que separa as elites, inseridas em um frenético e insustentável padrão de consumo, da gama incomensurável de marginalizados, excluídos de qualquer direito de cidadania e que, geralmente, encontram na repressão policial o único contato com o aparato estatal.

Valer-se de um arcabouço teórico como o proposto, que traz elementos da realidade para dentro da interpretação constitucional, permite a utilização do espaço jurídico como concretizador das conquistas sociais, além de assegurar os preceitos mínimos de controlabilidade das decisões judiciais, exigência imperiosa em um estado constitucional de direito. Esvazia-se, por outro lado, parcela significativa das críticas feitas aos juristas orgânicos de serem contrários à lei, pois ancora o direito alternativo dentro do que há de mais elevado em termos legais e de dogmática jurídica: a Constituição Federal e a dogmática constitucional concretista.

420

ALEXY, 1993, passim; ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2006; CANOTILHO, 2006, passim; DWORKIN, 2002, passim; GUERRA FILHO, Willis Santiago. Hermenêutica Constitucional, direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. In: BOUCAULT, Carlos E. de Abreu; RODRIGUEZ, José Rodrigo, (Orgs.). Hermenêutica plural: possibilidades jusfilosóficas em contextos imperfeitos. São Paulo: Martins Fontes, 2002; SILVA, Virgílio Afonso da. A Constitucionalização do Direito: os direitos fundamentais nas relações entre particulares. São Paulo: Malheiros, 2005b; SILVA, 2004, passim; SANCHÍS, Luis Pietro. Ley, Principios, Derechos. Madrid: Dykinson, 1998; TOLEDO, Cláudia.