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Consequências da violência familiar para o idoso Esta categoria mostrou o que foi considerado como resultado da

violência familiar no âmbito subjetivo, da saúde orgânica e das relações sociais pelos participantes. A subcategoria no âmbito subjetivo (5.1) descreveu como os idosos perceberam os efeitos da violência familiar em sua vida e como consideraram seus efeitos para os idosos dependentes. Reações emocionais diversas (5.1.1), que incluem aumento de ansiedade, tristeza, raiva, mágoa, perda do sono, culpa, impotência, insegurança, choro, vergonha, dificuldade de concentração foram citadas pelos idosos, como ilustram algumas falas.

(...) fiquei assim, muito apreensiva, muito, até nervosa,

retraída, sabe, assim, quase que traumatizada. (Safira)

Altera tudo, por exemplo, eu estava fazendo italiano e isso já me trouxe uma coisa tão ... uma situação difícil, pesada, uma

falta de ânimo, sabe, dificuldade pra aprendizagem, pra

aprender alguma coisa a mais, pra captar, pra memorizar. (Opala)

Por que eu vejo por mim, quando aquele meu filho faz aquelas barbaridades, que é horrível mesmo o que ele diz, eu

fico sem dormir duas, três noites, eu quero esquecer e

começo a chorar, é assim que eu fico. (Pérola)

Em concordância com os dados aqui apresentados, Gonzáles e Zinder (2009) referem maior frequência de depressão entre idosos abusados. Mas, entre os estudos voltados especificamente para a violência contra o idoso são escassos os que tiveram como sujeitos de pesquisa, idosos vítimas de violência. Por outro lado, um grande leque de repercussões emocionais e comportamentais é descrito em estudos sobre violência familiar envolvendo mulheres, crianças e adolescentes (Narvaz & Koller, 2006; L. L. Silva et al., 2007; Jong et al., 2008; Ravazzola, 2005; Santos, 2009), coincidindo com as aqui apresentadas, relativas aos idosos.

Os quatro idosos que relataram suas vivências passadas de violência familiar, ainda se sentem afetados pela experiência, revelando os efeitos emocionais a longo prazo (5.1.2) .

Naquela época eu tinha raiva, mas hoje eu tenho ódio. É um

ódio muito grande, quando me dei conta o que estavam fazendo comigo. Porque chega uma hora que tua vida fica meio parada, teus filhos já cresceram, já estudaram, tão namorando, já casou. Aí você começa a pensar no assunto. (Ametista)

Isso aí eu fico ainda com aquela tristeza em mim de ter acontecido isso. É muito ruim. Não vou nem lembrar da

minha nora, lembrar do que ele fazia. Mas a tragédia fica

marcada na cabeça da gente ... se eu fico nervosa parece

que sobe tudo na minha cabeça. (Alexandrita)

Mears (2003) também enfoca esse aspecto ao enfatizar que mulheres idosas que sofreram violência familiar no passado ainda permaneciam sofrendo com a dor e trauma ocasionados pela experiência. Dado que indica que mesmo que as agressões tenham sido interrompidas, essas pessoas ainda assim continuam necessitando de auxílio para lidar com as consequências emocionais da violência.

Também emergiu nas entrevistas, a percepção que os participantes tinham das consequências da violência familiar para o idoso como um outro (5.1.3), aquele que depende de cuidadores devido à fragilidade orgânica ou psíquica. Quatro participantes citam esse aspecto.

Depois que fica pior ainda, mais um trauma na cabeça dele. Fica pior ainda porque depois que eles vão se entregar mais

ainda. Depois que eles não querem viver mesmo, quer morrer e tudo, por achar que estão estorvando. Chega nesse

ponto sim, com certeza. Fica dando aquela tristeza, cai em

depressão. É isso aí que acontece. Eles não querem nada da

Eu pra mim que é quase o fim da vida, né, por que... eu tenho depressão com facilidade, mas me controlo, me seguro, mas aquelas violências lá, a pessoa já ta com idade, já ta sem força de reagir, eu acho que aquilo leva à morte rápido, eu penso. (Pérola)

Pelo relato dos participantes, observa-se que a violência sofrida pelo idoso mais frágil e dependente é compreendida como algo sem solução, mesmo entre os que conseguiram enfrentar e romper com a violência que sofriam, justamente por não se verem incluídos na mesma situação.

A subcategoria no âmbito da saúde orgânica (5.2) abordou a percepção dos idosos sobre os efeitos da violência no corpo como sendo o surgimento de doenças ou o agravamento de doenças pré-existentes (5.2.1), como também, manifestaram compreensão sobre os efeitos dos estados emocionais sobre o biológico.

Alteração na saúde, também, por que daí já aumenta a glicemia, já aumenta a pressão, né, altera um pouco.

(Opala)

Ah, qualquer tipo de doença pode piorar. (Turmalina)

Primeiro eu fiquei com pressão alta, que eu nunca tive na minha vida. (Safira)

Agora as pessoas não pensam que quando magoam alguém, essa mancha fica na gente e há as somatizações e aí causa

muitas doenças, ódio, a mágoa, são doenças, é ... e o câncer

dá disso, pode ter certeza, por que o câncer é uma doença de somatização, ou de tristeza, ou de raiva, ou de mágoa, sabe, ou de falta de esquecimento do passado (...) (Ágata)

Marques et al. (2008) corroboram com esses dados ao sugerirem que o número maior de co-morbidades encontradas entre os idosos vítimas de violência poderiam ser consideradas consequências da violência sofrida e, não somente, fatores de risco.

Os efeitos da violência familiar também foram percebidos e descritos na subcategoria no âmbito das relações sociais (5.3). O isolamento (5.3.1) foi apontado por três participantes, como na narrativa a seguir.

Porque eu ficava triste. Por causa da tristeza. Eu achava que se eu fosse lá num aniversário, numa festa que fosse, eu não me sentia bem. Parece que eu estava amarrada no meu

filho. Uma vez me chamaram pra almoçar fora, eu falei ‘ah,

não!’. Até agora de vez em quando eu digo que não, parece que eu fico com aquela ...(Alexandrita)

O isolamento social é exaustivamente apontado em pesquisas sobre a violência familiar e de gênero e ainda no artigo de revisão de Santos, Silva, Carvalho & Menezes (2007). Essas fontes argumentam que ele é uma das condições frequentemente encontradas entre idosos vítimas de violência familiar. Da mesma forma como o aumento de problemas orgânicos, o isolamento também é considerado tanto um facilitador, como uma conseqüência da violência familiar.

A exposição social (5.3.2) foi relatada por uma participante. Ele não fazia por onde se destacar, então ele precisava me diminuir. Passei a ser piada na casa de amigos, ele ficava

debochando pros outros darem risada, sabe, essas coisas

assim, né. (Ametista)

Santos (2009) também encontrou entre as mulheres vítimas de violência doméstica relatos de humilhação e descaso por ser um mecanismo utilizado pelo agressor para diminuir a auto-estima de sua vítima, impedindo-a de sair da relação.

Os dados aqui obtidos sugerem que para os idosos, as sequelas da violência seguem os mesmos padrões encontrados em vítimas de diferentes idades. Entre os participantes da presente pesquisa, mesmo aqueles que não reconheceram o envolvimento em situações de violência familiar, demonstravam sofrimento com as situações vivenciadas. Dessa forma, a presença de sintomas físicos e emocionais podem ser indícios e uma via de acesso para a abordagem da violência familiar.

Band-Winterstein e Eisikovits (2009) têm uma importante posição sobre a violência que ocorreu no passado e foi superada por mulheres abusadas ao propor que as idosas têm necessidade de falar sobre suas experiências de violência, com a família, amigos e profissionais para conquistar a confirmação e apreciação do seu sofrimento. Os autores argumentam que essas pessoas precisam de apoio, lugar seguro para viver, aconselhamento e tratamento, acesso a informações relevantes, assistência à saúde e suporte social e emocional.

Mears (2003) nesse mesmo sentido também apontou que mulheres idosas que haviam vivenciado violência desejavam compartilhar suas histórias para apoiar outras mulheres de idade, uma vez que compartilhar a experiência é uma forma de ação social que pode promover o empoderamento das vítimas.

Síntese da dimensão - Idosos no contexto familiar

A partir das entrevistas foi possível se aproximar do perfil dos idosos participantes desta pesquisa, qual seja: pessoas que, apesar de cronologicamente enquadrados como velhos consideravam-se ativas e participavam da rotina de vida familiar, contribuindo significativamente para o seu funcionamento, condição que gradativamente, um contingente cada vez maior de idosos na população brasileira consegue atingir. Além da participação familiar, demonstraram valorizar e buscar a saúde, a estabilidade financeira, a atualização, o lazer e atividades prazerosas, para viver esta etapa do ciclo de vida. No entanto, acima de tudo, demonstraram grande apreço pela instituição família e união de seus elementos, esperando que ela fosse capaz de dar suporte para os membros mais frágeis e dependentes, em momentos de dificuldade, na doença ou no processo de envelhecimento.

Os significados acerca da violência familiar contra o idoso estiveram ancorados nas agressões físicas e psicológicas, maus-tratos que se manifestam também por meio de comportamentos dos familiares em relação ao idoso. Entre elas constam as diferentes maneiras de negligência ou abandono, tirar a autonomia ou o poder de decisão dos mais velhos e o desrespeito dos netos. Esses significados foram atribuídos à violência familiar tendo como referência o idoso fragilizado física e/ou cognitivamente, isto é, relativos a um “outro idoso”, já que os participantes se excluíam do grupo de idosos com tais características.

Eles consideraram violência aquilo que é contrário aos valores e expectativas construídas nas relações familiares.

Ao avaliar os aspectos potencialmente geradores de violência familiar contra os idosos, assinalaram: a intolerância dos filhos e netos em relação aos idosos; os familiares que não consideram as contribuições prestadas pelos idosos, à família, no passado; intolerância com perspectivas de aumento diante de maior dependência e também pela interação de fatores externos à família. Tomando como base as narrativas dos participantes, compreende-se que a questão principal a ser enfrentada e que foi indicada como a que gera e sustenta as violências cometidas contra os idosos são as interações geracionais cruzadas das questões do ciclo de vida (Walsh, 1995). Partindo desta perspectiva, a intolerância, o desrespeito ou a coisificação do idoso ocorrem quando estes não podem mais contribuir na mesma medida para o funcionamento familiar, passando a demandar cuidado e atenção especiais. Dessa maneira, desequilibram a balança relacional na qual se espera a reciprocidade entre o dar e o receber e àquele que é capaz de dar mais do que receber é conferido um poder hierárquico diferenciado, ou seja, o idoso à medida que se torna mais dependente perde o poder nas relações familiares e se torna mais vulnerável à violência.

Quanto à questão do enfrentamento da violência familiar pelos idosos, os participantes foram pouco otimistas, considerando que a condição de fragilidade que os coloca como potenciais vítimas, também os impede de se afastar dos maus-tratos. Para esses casos se manifesta o surgimento ou agravamento de doenças orgânicas e o encurtamento da vida.

Ao questioná-los sobre as suas experiências pessoais, os participantes que assumiram a violência nas relações familiares relataram situações de agressão física e/ou psicológica. Houve os que a negaram ou não a reconheceram de imediato porque a violência se manifestou em abuso psicológico ou financeiro, negligência e perda de autonomia, o que indica que essas formas de maus-tratos ainda não estavam explícitas para esses participantes. Outro dado relevante a respeito da construção do significado sobre a violência familiar está relacionado ao fato de que as violências sofridas pelos participantes nem sempre iniciaram na velhice e, como se sustentavam no significado de idoso enquanto pessoa fragilizada, não associavam suas experiências de violência familiar com a categoria violência familiar contra idosos.

Entre os fatores potencialmente geradores da violência familiar, observados pelos participantes nas próprias relações familiares, enumeram-se: a história transgeracional de violência, a presença de dependentes químicos e questões financeiras. Além dos fatores observados pelos participantes, o perfil de pessoas idosas vítimas de violência familiar apresentado em pesquisas da área se caracteriza como: principalmente, mulheres, morar com o agressor, estar distante fisicamente de outros membros da família e ter como agressor o filho homem, seguido de nora e cônjuge. (Pasinato et al., 2006; Collins, 2006; Minayo, 2007; Santos et al., 2007)

No caso das mulheres idosas que falaram sobre suas experiências de violência familiar, os aspectos que sustentaram a repetição da violência através das gerações ou a continuidade da violência até a velhice, associavam-se ao fato de não acreditarem em outra alternativa de relacionamento com os filhos e maridos agressores; a vergonha de revelar e expor o que consideravam fracasso no desempenho de papéis familiares atribuídos às mulheres quanto à relação conjugal e criação dos filhos e medo da reação dos agressores ou dos familiares. Sendo assim, mantinham a esperança, apegando-se à crença de que a violência iria acabar com o tempo, que o agressor iria melhorar ou se arrepender de seus atos, mantendo a violência silenciada.

Algumas participantes encobriram os abusos até chegar a uma situação limite para então pedirem ajuda e mesmo assim, nem sempre receberam apoio efetivo dos familiares ou dos órgãos de defesa às vítimas de violência. Essa condição as levou a desacreditar nas fontes de apoio, diminuindo sobremaneira as possibilidades de enfrentamento. Os aspectos descritos sustentam a relação de assujeitamento das mulheres evidenciando as questões de gênero, implícitas na dinâmica relacional com os agressores, conforme é amplamente discutido na literatura sobre a violência contra a mulher (Alberdi, 2005; Ravazzola, 2005; Casique & Furegato, 2006; Narvaz & Koller, 2006; Cantera, 2007; L. L.Silva et al., 2007; Parente et al. 2009; Santos, 2009).

Os fatores que impediram o enfrentamento da violência por duas idosas que não reconheceram a sua exposição a esse fato foram, em primeiro lugar, o não reconhecimento e em segunda instância, porque rejeitavam que a geração mais jovem participasse de forma mais ativa nas decisões e responsabilidades familiares por receio de perder a autonomia e/ou o lugar na hierarquia familiar. O participante do sexo

masculino tardou a reconhecer que foi vítima de violência financeira, assim como uma das participantes também não identificou que estava exposta a esse tipo de abuso.

Dessa maneira, as interações geracionais cruzadas das questões do ciclo de vida (Walsh, 1995) novamente se manifestaram sustentando as violências, na medida em que idosos, filhos e netos encontraram dificuldade em construir um espaço seguro para o envelhecer de seus membros, com a transferência gradativa das responsabilidades para as gerações mais jovens, por parte dos idosos e a contrapartida familiar de não infantilizar o idoso. Tratam-no aquém de suas capacidades ou simplesmente, colocam-no como um empecilho para a auto-realização dos mais jovens, circunstâncias verificadas nas tentativas ou ocorrências de abusos financeiros.

Para os idosos participantes, as consequências da violência familiar foram devastadoras, incidindo no aspecto subjetivo com reações emocionais como ansiedade, tristeza, raiva, mágoa, culpa, impotência, entre outras. Na saúde orgânica surgiram doenças ou o agravamento das pré-existentes e nas relações sociais, o isolamento à exposição social. Mesmo os casos ocorridos no passado e já superados eram relatados com intensa emoção, indicando que não só as pessoas envolvidas em situações de violência necessitam de auxílio para enfrentá-las, mas também aquelas que as superaram para ressignificar a experiência e dar sentido à vida.

Em oposição ao que se apontou quanto ao enfrentamento da violência pelos idosos fragilizados, alguns participantes demonstraram por meio de suas experiências que, apesar das dificuldades, encontraram alternativas para os maus-tratos como: reavaliar a situação; afastar-se fisicamente do agressor; manter ou desenvolver atitudes que lhes permitiram maior autonomia em relação ao agressor; buscar a ajuda de familiares; apoio na religiosidade e informações que garantiram o acesso a serviços oferecidos na comunidade, como delegacias e órgãos de defesa. Esse dado é relevante para comprovar a importância da rede social da pessoa idosa e de sua função frente às situações de violência familiar. Além disso, retrata a capacidade de enfrentamento de situações de violência familiar na velhice.

Por fim, merece destaque o evidenciado ao se perguntar aos idosos que negaram a experiência de maus-tratos familiares, o que fariam diante de uma situação hipotética de violência. Perdoar e afastar-

se do agressor foram as únicas formas de enfrentamento visualizadas pelos idosos, ratificando a não identificação de recursos pessoais, na comunidade e/ou institucionais mais eficazes ou que pudessem ser acionados diante de tal problema.

Considera-se que esta dimensão trouxe à tona a diversidade de expressões dos significados da violência para o idoso, destacando-se a quantidade de indicadores dessa violência que extrapola o privado e se expressa no cenário público, em especial, no setor da saúde, cujo tema se abordará a seguir.

6.2 DIMENSÃO II – PROFISSIONAIS DA SAÚDE: COMPREENSÃO E PRÁXIS

Esta dimensão contempla como os profissionais percebem os idosos na relação profissional, os significados da violência de forma geral e a violência familiar contra o idoso especificamente, e como administram o problema considerando-se a postura profissional e as condições institucionais.

Categoria I – Perspectiva dos Profissionais acerca dos Idosos