• Nenhum resultado encontrado

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO

3. REVISÃO DE LITERATURA

3.5 ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO E VULNERABILIDADE

Diante da complexidade e dos desafios que a violência familiar contra o idoso impõe àqueles que a vivenciam, seja no ambiente familiar, seja no profissional, é que os estudos a respeito das estratégias de enfrentamento contribuem para a compreensão e discussão do problema. A Psicologia Social, Clínica e da Personalidade empregam o conceito de coping para descrever o conjunto de estratégias utilizadas por uma pessoa para se adaptar a circunstâncias adversas e em português, o termo foi traduzido como enfrentamento.

A revisão do conceito realizada por Antoniazzi, Dell’Aglio e Bandeira (1998), destacam três gerações de pesquisadores que trabalharam no desenvolvimento dessa nominação. A primeira, vinculada à Psicologia do Ego, o compreendia enquanto mecanismo de defesa. A segunda geração dedicou-se à busca dos determinantes cognitivos e comportamentais do enfrentamento, conceitualizado como processo transacional entre pessoa e ambiente e a terceira, destinou o estudo à convergência entre enfrentamento e traços de personalidade.

Entre os pesquisadores do assunto, destacam-se Folkman e Lazarus (1984) que propuseram, a partir de uma perspectiva cognitivista, um modelo que divide o enfrentamento em duas categorias funcionais: focalizado no problema e na emoção. Os autores definem estratégias de enfrentamento como: “the person constantly changing cognitive and behavioral efforts to manage specific external and/or internal demands that are appraised as taxing or exceeding the person’s resources” (p. 993). O modelo proposto por esses autores é considerado o mais completo na atualidade, portanto, será descrito por se entender que auxilia na discussão e análise do enfrentamento da violência familiar pelos idosos.

As estratégias de enfrentamento focalizadas no problema descrevem os esforços para atuar na situação de origem ao estresse e assim, tentar alterá-la. Quando direcionada para uma fonte externa envolve estratégias como pedir ajuda ou negociar um conflito. Essa estratégia também pode ser interna, um exemplo é a redefinição da situação estressora. As estratégias de enfrentamento focalizadas na emoção abarcam esforços para regular o estado emocional associado ou resultante de uma fonte de estresse. Relacionam-se a um nível somático ou de sentimentos para alterar o estado

emocional do indivíduo, como por exemplo, fumar, comer, desabafar com um amigo (Lazarus, Folkman, Dunkel-Schetter, Delongis & Gruen, 1986).

Nesse modelo, quatro pressupostos são fundamentais: a) é um processo ou interação que se dá entre o indivíduo e o ambiente; b) sua função é administrar a situação estressora, ao invés de controlá-la ou dominá-la; c) os processos de enfrentamento pressupõem a noção de avaliação, ou seja, como o fenômeno é percebido, interpretado e cognitivamente representado na mente do indivíduo; e d) constitui-se em uma mobilização de esforços, através da qual os indivíduos empreenderão esforços cognitivos e comportamentais para administrar as demandas internas e externas que surgem da sua interação com o ambiente (Antoniazzi et al., 1998).

As discussões em torno do conceito esclarecem que enfrentamento é um mediador entre um estressor e seu resultado, o que o diferencia das respostas ao estresse, compreendidas como não intencionais e sem objetivo. Portanto, as estratégias de enfrentamento envolvem as intenções do indivíduo em lidar com os efeitos do estresse, independente das respostas positivas ou negativas a esses fatores. Nesse sentido, qualquer tentativa de administrar um estressor é enfrentamento, seja a estratégia utilizada eficaz ou não (Antoniazzi et al., 1998).

Ao se deparar com um estressor a pessoa inicialmente, avalia o risco envolvido e os recursos que dispõe para o enfrentamento. Geralmente, quando utiliza estratégia focalizada no problema é porque a situação foi avaliada como modificável. Contudo, quando a pessoa avalia que não é possível mudar no momento, sua tendência é empregar estratégias focadas na emoção. Cabe ressaltar que o enfrentamento é um processo e ambas as estratégias são utilizáveis no seu percurso, assim como podem variar de acordo com a situação, o que torna difícil predizer qual será empregada numa determinada situação.

Beresford (1994) apontou ainda, que os recursos de enfrentamento estão diretamente ligados a redução da vulnerabilidade da pessoa aos efeitos do estresse, uma vez que quanto mais estratégias de enfrentamento uma pessoa possui, menos está vulnerável a situações estressoras.

O modelo teórico proposto por Lazarus e Folkman é bastante útil para entender como o indivíduo se posiciona diante de um problema ou fonte de estresse. No entanto, a perspectiva da complexidade adotada nesta pesquisa propõe que o foco de análise se amplie para o contexto. Dessa maneira, interessa-se em analisar como a pessoa se posiciona e quais as

estratégias de enfrentamento que utiliza diante de situações de violência. Também é relevante saber como a relação com os demais elementos de sua rede social e contexto em que se insere, promovem a utilização das diferentes estratégias, sustentando a continuidade ou rompendo a sequência de violências sofridas.

Nesse ponto de vista, se adota o conceito de vulnerabilidade que “implica fragilidad, una situación de amenaza o posibilidad de sufrir daño” (Feito, 2007, p. 9). Esse conceito provém dos direitos humanos e foi introduzido na área da saúde nos anos de 1980 a partir de estudos realizados sobre a epidemia da Sida/AIDS no Brasil. Embora seja empregado sob diversas perspectivas, o que alcançou maior consenso é o modelo teórico proposto por Ayres, França Júnior, Calazans e Salletti (1999).

Nesse padrão, consideram-se três planos interdependentes de determinação: primeiro, a vulnerabilidade individual, relacionada ao comportamento pessoal , grau e à qualidade da informação que os indivíduos dispõem sobre os problemas de saúde, sua elaboração e aplicação na prática; segundo, a vulnerabilidade social, relacionada às influências do contexto social onde a pessoa se insere e que avalia a obtenção das informações, o acesso aos meios de comunicação, a disponibilidade de recursos cognitivos e materiais e o poder de participar de decisões políticas e em instituições. Por fim, a vulnerabilidade programática, que considera os programas de atendimento à saúde ou as políticas públicas para combater determinado agravo à saúde, além do grau e qualidade de compromisso das instituições, dos recursos, da gerência e do monitoramento dos programas nos diferentes níveis de atenção (Ayres et al., 1999).

A partir dessa reflexão, não basta visualizar como a pessoa se comporta diante do problema, mas, a relação de seu comportamento com outras variáveis como profissão, nível sócio-econômico, condições do local onde reside, acesso aos serviços de saúde, educação, comunitários, entre outros. Pensar em vulnerabilidade a partir desse modelo permite ir além da determinação individual uma vez que, como Sánchez e Bertolozzi (2007) expõem:

(...) deve levar em conta a dimensão relativa ao indivíduo e o local social por ele ocupado. Ao propor outras perspectivas de abordagem, como a

programática e a social, permite a integralização da análise da situação de saúde e de diferentes possibilidades de intervenção, sempre contemplando a participação dos indivíduos. (p. 320)

Dessa forma, agir sobre os fatores que aumentam a vulnerabilidade potencializa a capacidade de enfrentamento das pessoas. No entanto, ao analisar a origem dos problemas de saúde em sua complexidade, as saídas possíveis extrapolam as propostas individualizantes. Portanto, seguindo o raciocínio dos autores supracitados, trabalhar nessa perspectiva significa desenvolver respostas sociais aos agravos e viabilizar a participação ativa da população na procura solidária de estratégias e encaminhamentos aos problemas e necessidades em saúde.

3.6 A VIOLÊNCIA FAMILIAR CONTRA O IDOSO NA