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2 CONSERVAÇÃO URBANA SUSTENTÁVEL DE CIDADES PATRIMÔNIO

2.1 Conservação patrimonial: visão tradicional X visão contemporânea

Teorizar sobre a conservação dos bens culturais com valor a determinada comunidade é um tema que vem sendo tratado há mais de dois séculos. Diversos pensadores construíram reflexões e abordagens sobre os bens de interesse à conservação, influenciando as intervenções nesses objetos, em uma dialética atuação entre teoria e prática da conservação do patrimônio cultural.

Entre os autores mais influentes das chamadas Teorias Clássicas (Munoz Viñas 2005), destacam-se Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc, John Ruskin e Camillo

Boito. Estes três teóricos investigaram o objeto patrimonial a partir da sua dimensão objetiva, material; entendendo que o valor do objeto patrimonial resultava da relação da matéria com o seu valor estético, de antiguidade ou histórico. Também consideraram que o significado do bem cultural dizia respeito à preservação das construções que materializassem os valores de sua relevância àquele momento e ao seu futuro.

Além do entendimento teórico sobre os valores do bem patrimonial construído Viollet-le-Duc, Ruskin e Boito influenciaram na ação desses, construindo um modo de atuação que podemos dividir entre preservação e restauração. A partir disso, a Teoria Contemporânea (Muñoz Viñas 2005) da conservação entende o termo conservação como um conjunto de práticas de preservação e restauração que caracterizam a atuação nos bens patrimoniais.

A prática da preservação define-se pela ação não deliberada de mudanças perceptíveis no objeto patrimonial, e a prática da restauração trata da ação deliberada das mudanças perceptíveis (Muñoz Viñas 2005). Ainda se pode dividir a Preservação em 1) ações de preservação direta e 2) ações de preservação ambiental; as primeiras referem-se à mudanças no objeto e ações limitadas no tempo, e as segundas são mudanças no ambiente do objeto e ações não limitadas no tempo.

Observa-se que aqueles três autores definem categorias de identificação dos valores do objeto patrimonial, assim como a sua atuação, a partir do registro da dimensão material dos objetos patrimoniais. Porém, entende-se que Viollet-le-Duc (2000) destaca o valor estético e a intervenção estilística (manter um determinado estilo da história da arte). Ruskin (1989) considera o valor da pátina do tempo (as marcas do tempo) e as intervenções somente serão de suporte para prolongar a vida do bem, o qual um dia perecerá; Boito (2002) destaca o monumento-documento (registro das marcas do tempo) e a intervenção científica no bem.

No caso de Cesare Brandi26

Brandi (2004) inseriu o sujeito no processo de valoração e deu a este um papel fundamental, mas não excluiu a dimensão material. Pelo contrário, destacou a , com seu livro “Teoria da Restauração” (2004) este italiano redefiniu o restauro e trouxe o sujeito como protagonista das teorias da conservação. Brandi entendeu que “a retauração constitui o momento metodológico do reconhecimento da obra de arte, na sua consistência física e na sua dúplice polaridade estética e histórica [valor pelo qual a obra de arte é obra de arte e produto humano realizado em certo tempo e lugar], com vistas à sua transmissão para o futuro” (Brandi 2004, 30).

26 Salvador Muñoz Viñas (2005) também considera a teoria de Brandi nas chamadas Teorias Clássicas da

relação sujeito-objeto do contexto patrimonial, apesar de considerar que esse sujeito era o conservador/ especialista.

Brandi (2004) também expôs o risco de se valorizar mais uma dimensão que outra, principalmente a valorização da matéria em detrimento à imagem, a qual poderia ocasionar perdas consideráveis no que se refere às questões associativas entre imagem e lugar. Por isso, foi um teórico que defendeu que deveria haver a prevalência do aspecto sobre a estrutura, redirecionando o paradigma preponderante da materialidade dos bens patrimoniais.

Outros autores neste momento são reflexões necessárias neste sentido de mudança de paradigma. Alois Riegl (2006) no início do século passado, destacou a importância do valor de uso do patrimônio cultural construído à contemporaneidade; colocando o sujeito não mais como protagonista isolado no processo de valoração dos bens culturais, mas dentro de uma lógica coletiva no tempo e no espaço. O valor dos bens patrimoniais passa a ser fruto de uma intersubjetividade do contexto social envolvido.

Outro marco teórico passa a ser a ampliação do conceito de patrimônio. A concepção da idéia de patrimônio urbano ganha força com Gustavo Giovannonni ao escrever ‘Vecchie Città ed Edilizia Nuova’ em 1931. Ele pregava a separação do antigo e moderno, recomendando um mínimo de intervenções, sem a introdução de alterações artísticas no antigo. Giovannonni, além disso, ampliou o universo dos objetos construídos passíveis de valorização como patrimônio cultural, talvez como reflexo de uma sociedade plural que se envolvia com estes.

Neste universo, e não mais olhando apenas para o passado, mas também visualizando o futuro, Muñoz Viñas (2005) em seu livro ‘Contemporary Theory of Conservation’, destaca a importância da preocupação com ações que são insustentáveis no processo de conservação, que comprometam, e até mesmo reduzam a utilidade dos objetos aos futuros usuários. Ele discute a intervenção mínima e a reversibilidade da intervenção (da ação de conservação) como sendo pressupostos preponderantes para a condução dessa herança ao futuro sem

comprometer as possibilidades ainda por vir. Neste sentido, destaca a participação dos sujeitos e a interação entre estes como elementos fundamentais para tal intuito.

Enfatiza Muñoz Viñas (2005) que os significados dos objetos de conservação relacionam-se a partir de um espaço tridimensional chamado Espaço da Conservação (Michalski apud Muñoz Viñas 2005, 63) o qual se delimita a partir de três eixos que conformam os três tipos de significados que se relacionam a um objeto de conservação: o privado, o social e o científico. Neste sentido, argumenta que a conservação científica dos objetos patrimoniais diz respeito apenas à conservação da matéria patrimonial, alusão a um fetichismo da matéria. Sendo assim, para abarcar outros significados é necessária uma abordagem que observe a subjetividade e consequentemente a intangibilidade dos bens patrimoniais.

Muñoz Viñas (2005) adverte que as abordagens objetivas do patrimônio cultural são questionadas tanto pelos teóricos tradicionais – que ele chama de ‘clássicos’ – de orientação estética quanto pelos teóricos contemporâneos. Os primeiros defendem a importância do valor estético e do valor histórico e os últimos defendem os valores simbólicos e funções de comunicação nas decisões sobre o objeto patrimonial. Ou seja, há uma complexidade enorme do fenômeno do qual os bens culturais fazem parte: muitos objetos, diversidade grande de sujeitos, vários olhares e pontos de vista quanto ao universo em questão. Percebe-se, então, uma mudança do ponto de vista da conservação do patrimônio cultural sob o adjetivo sustentável: esta passa a ser entendida em uma relação constante entre objetos e sujeitos, afetados ou envolvidos.

Não se trata de um relativismo radical, mas de observar a importância da intersubjetividade no processo de conservação. Os objetos se tornam passíveis de serem objetos de interesse à conservação patrimonial, por sua relevância a um número considerável de pessoas intra e intercomunidades (Zancheti et al 2009). A importância vem dos significados atribuídos pelos sujeitos, e não inerentes ao bem ou à matéria, apesar de se materializarem nas características dos bens patrimoniais.

Com isso, defende-se que a ação de conservação agora não é mais das “verdades materiais”, mas sim, dos significados dos bens culturais (Viñas 2005; Pearce 1992; Staniforth 2000; Tomlan 1998; Caple 2000, Michalski 1994). Ou seja, podem existir muitas “verdades” no mesmo objeto; decidir qual aquela que deve prevalecer, em cada caso, é fundamental, além de ser uma etapa preliminar na tomada de decisão de uma conservação sustentável. Destaca-se a função e o uso do bem cultural, o que os relaciona com os sujeitos envolvidos, como relevante nesse processo de significação.

Esta abordagem vai de encontro à autoridade isolada dos experts do patrimônio na lógica das teorias tradicionais de conservação patrimonial. Porém, não significa de maneira nenhuma uma exclusão destes, pelo contrário, entende-se que em vez de especialistas e não especialistas trata-se agora do conjunto dos stakeholders (Avrami et al. 2002; Cameron et al. 2001) os envolvidos ou partes interessadas.

2.2 Análises das Declarações de Significância de Cidades Patrimônio Cultural da