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Sexualidade e gênero são dimensões diferentes que integram a identidade pessoal de cada indivíduo. Ambos surgem, são afetados e se transformam conforme os valores sociais vigentes em uma dada época. São partes, assim, da cultura, construídas em determinado período histórico, ajudando a organizar a vida individual e coletiva das pessoas. Em síntese, é a cultura que constrói o gênero, simbolizando as atividades como masculinas e femininas (GERASSI; BRASIL, 2019).

O conceito de gênero está relacionado a um conjunto de representações sociais, culturais, econômicas e até mesmo religiosas, construídas a partir da diferença biológica dos sexos, ou seja, o homem e a mulher.

Na construção do conceito de gênero, adota-se o desenvolvimento da noção de “masculino” e “feminino”, enquanto construção social. Cada um(a) de nós é uma pessoa única, possuidor, entretanto, de características comuns a toda a humanidade. Elas nos identificam com alguns e nos tornam diferentes de outros, como a região em que nascemos e crescemos, nossa raça, classe social, se temos ou não uma religião, idade, nossas habilidades físicas, entre outras que marcam a diversidade humana.

Além disso, a sociedade em que vivemos dissemina a crença de que os órgãos genitais definem se uma pessoa é homem ou mulher. Porém, a construção da nossa identificação como homens ou como mulheres não é um fato biológico, é social. Para a ciência biológica, o que determina o sexo de uma pessoa é o tamanho das suas células reprodutivas (pequenas: espermatozoides, logo, macho; grandes: óvulos, logo, fêmea), e só. Biologicamente, isso não define o comportamento masculino ou feminino das pessoas: o que faz isso é a cultura, a qual define alguém como masculino ou feminino, e isso muda de acordo com a cultura.

Enquanto sexo é biológico, é determinado por material genético ou formação genital, gênero é social, construído pelas diferentes culturas, indo além do sexo: o que importa, na definição do que é ser homem ou mulher, não são os cromossomos ou a formação genital, mas a autopercepção e a forma como a pessoa se expressa socialmente.

Ao contrário da atual crença comum, adotada por algumas vertentes científicas, entende-se que a vivência de um gênero (social, cultural), discordante com o que se esperaria de alguém de um determinado sexo (biológico), é uma questão de identidade, e não um transtorno. Esse é o caso das pessoas conhecidas como travestis e das transexuais, as quais são tratadas, coletivamente, como parte do grupo que alguns chamam de “transgênero” ou, mais popularmente, trans.

2.2.1 Transgêneros e terminologias

Inicialmente, destaca-se a possibilidade de alguns seres humanos serem enquadrados como cisgêneros – ou apenas “cis”, quando se identificam com o gênero que lhes foi atribuído ao nascerem – ou transgêneros, aqueles que, ao contrário do cis, identificam-se com um gênero oposto ao atribuído. Entretanto, algumas pessoas não se identificam com qualquer gênero, não havendo consenso quanto a como denominá-las: alguns utilizam o termo queer; outros, a antiga denominação “andrógino”, ou reutilizam a palavra “transgênero”.

Considerando que o indivíduo não se identifica com o gênero que lhe foi atribuído ao nascimento, os avanços tecnológicos medicinais da atualidade permitem que a pessoa possa adquirir uma fisiologia quase idêntica à de mulheres e homens cisgênero – as chamadas Cirurgias de Redesignação Sexual, seguido das terapias hormonais. Isto é, a mulher trans, ao momento do seu nascimento, foi lhe atribuído o gênero masculino, porém identifica-se como feminina e fará a redesignação de seu corpo para o mais próximo possível da fisiologia feminina, sendo o mesmo processo, mas o oposto, para o caso do homem trans.

Orienta Jaqueline Gomes de Jesus (2012, p. 16) que:

Cada pessoa transexual age de acordo com o que reconhece como próprio de seu gênero: mulheres transexuais adotam nome, aparência e comportamentos femininos, querem e precisam ser tratadas como quaisquer outras mulheres. Homens transexuais adotam nome, aparência e comportamentos masculinos, querem e precisam ser tratados como quaisquer outros homens.

Por isso a imprescindibilidade da aplicação do princípio constitucional da igualdade, pois assim como os indivíduos cisgêneros, os transgêneros merecem ser respeitados e tratados de acordo com sua expressão de gênero, sem sofrerem qualquer forma de discriminação por não se encaixarem no padrão identitário imposto pela sociedade.

Dentro dessa comunidade também estão inseridas as travestis, as quais adotam o adjetivo feminino e vestem roupas e acessórios femininos, ou seja, agem como mulher, mas não se identificam como do referido gênero ou como masculino. Porém, há casos de travestis que se identificam como transexuais.

Historicamente, a população transgênero ou trans sofre preconceito, perseguições e é marginalizada, devido à crença de que se tratam de seres anormais e patológicos, pois vão de encontro à ideia de que o “natural” diz respeito ao fato de o gênero atribuído ao nascimento ser aquele com o qual as pessoas irão se identificar e, portanto, se comportar de acordo com o que se julga ser o “adequado” para esse ou aquele gênero (JESUS, 2012).

Nesse cenário surge a busca pela igualdade e o exercício dos direitos fundamentais dos transgêneros; pois, assim como todos, são cidadãos titulares de direitos e garantias básicas, que não possuem qualquer patologia e prescindem de tratamentos de reversão sexual.

Muito ainda tem de ser enfrentado para se chegar a um mínimo de dignidade e respeito à identidade das pessoas trans para além dos estereótipos. A sociedade ignora que o transgênero vivencia outros aspectos de sua humanidade, além dos relacionados à sua identidade de gênero (JESUS 2012).

2.2.2 Orientação sexual: semelhanças e diferenças

A identidade e a expressão de gênero acima abordadas independem da sexualidade, pois a primeira consiste na essência do indivíduo e sua expressão corporal, como ele se enxerga – ou gostaria – ao se olhar ao espelho, enquanto a sexualidade determinará as suas relações afetivas/sexuais com as demais pessoas.

A psicóloga Priscila Junqueira (apud ARPINI, 2017) explica que:

A orientação sexual irá fazer com que a pessoa busque relacionamentos afetivo-sexuais com pessoas do mesmo sexo (homossexual), sexo oposto (heterossexual) e ambos (bissexual). Já na identidade de gênero diz respeito a como a pessoa se sente, se do gênero feminino ou masculino.

Diferente da identidade de gênero, a orientação sexual é um processo mais tardio na vida do ser humano, pois depende das relações físicas, sexuais e sentimentais que o indivíduo desenvolve para com as demais pessoas, seja do mesmo sexo, do sexo oposto ou de ambos.

Ao longo do tempo, percebe-se as mudanças que ocorreram em relação à sexualidade, ampliando-se os conceitos para além do masculino e feminino e a dicotomia homem e mulher, uma vez que a ciência, a evolução das sociedades e a própria complexidade do ser humano trouxe à baila a necessidade de ser o que se é, a busca pela satisfação dos seus desejos e a necessidade de ser livre para amar a quem quiser (MELO; SOBREIRA, 2018).

Nesse ponto, essa busca propiciou estudos para além do segmento biológico, adentrando nos aspectos que tratam de gênero, onde o masculino e feminino deixam de estar precisamente vinculados ao sexo, sendo que, através desse ponto de vista, formula-se a questão da orientação sexual.

Sobre os conceitos que se confundem com orientação sexual, Talita Graziela Reis Melo e Maura Vanessa Silva Sobreira (2018, p. 09), amparados por Faro (2016), afirmam:

É fato, que vários comportamentos e atributos têm-se confundido com a orientação sexual, e para se evitar isso é possível usar uma distinção que divide e enxerga a identidade sexual a partir de quatro prismas: biológico (material genético presente nos cromossomos), psicológico (sentir-se homem ou mulher), sociológico (papel desempenhado dentro da sociedade) e erótico/afetivo (disposição pelo sexo oposto ou pelo mesmo sexo), apenas este último tem relação com a orientação sexual do indivíduo.

Destas distinções, pontua-se que a orientação sexual consiste na disposição do indivíduo pelo sexo oposto ou pelo mesmo sexo, isto sob o prisma erótico/afetivo.

No caso de se tratar de duas pessoas que se identificam do mesmo sexo, denomina-se orientação homossexual; se, ao contrário, se relacionarem duas pessoas do sexo oposto, denomina-se orientação heterossexual; se um indivíduo se relaciona com pessoas de ambos os sexos – masculino e feminino, denomina-se bissexual. Há, ainda, aquele que se identifica como assexual, quando nunca ou raramente se atrai por outra pessoa, e, por fim, os pansexuais, que se relacionam com pessoas de qualquer identidade de gênero.

Logo, a orientação sexual de cada indivíduo advém de um conceito pessoal, social e legal, sendo que determinada sexualidade é atribuída a alguém considerando a direção da sua conduta afetiva ou atração sexual, não consistindo em uma escolha ou “opção sexual”.

3 AVANÇOS E DESAFIOS NO RECONHECIMENTO E PROMOÇÃO DOS DIREITOS LGBT NO BRASIL E JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA

Em setembro de 2018, o juiz federal Waldemar Claudio de Carvalho, da 4ª Vara Federal no Distrito Federal, em decisão provisória na Ação Popular nº 1011189- 79.2017.4.01.3400, teria permitido psicólogos a tratarem gays e lésbicas como doentes, através das terapias de reversão sexual, conhecidas como “cura gay”, sem sofrerem censura por parte dos conselhos de classe. Denota-se que o juiz federal proferiu a decisão apesar daquele tipo de tratamento ser proibido pelo Conselho Federal da Psicologia (CFP), conforme estipulado na Resolução CFP n° 001/99, de 22 de março de 1999, em seu art. 3º, abaixo transcrito:

Art. 3°. Os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.

Parágrafo único. Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades. (CFP, 1999).

Percebe-se que a referida decisão consistia em uma grave violação dos direitos humanos dos indivíduos LGBT, correspondendo a um afronte à resolução e aos princípios éticos profissionais dos membros da Psicologia, os quais, desde 1999, combatem os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.

De forma a evitar a regressão ao combate à discriminação dos indivíduos LGBT pela decisão do juiz federal, a ministra Cármen Lúcia, do STF, concedeu medida liminar, em 9 de abril de 2019, suspendendo a ação popular acima referida, conforme postulado pelo CFP, mantendo íntegra e eficaz a Resolução 001/99.

Assim, entende-se que a sociedade está no caminho para se alcançar a efetivação dos direitos humanos fundamentais da classe LGBT, de forma a entender que orientação sexual e a identidade de gênero não são patologias que possam ser tratadas e curadas por meio de tratamento psicológico e terapias de reversão sexual.

3.1 Denúncias de violação dos direitos fundamentais da comunidade trans intramuros, a

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