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O estigma da identidade de gênero nos estabelecimentos prisionais brasileiros frente à violação da dignidade humana de transgêneros e travestis

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

CARLA TAÍS BASSETO

O ESTIGMA DA IDENTIDADE DE GÊNERO NOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS BRASILEIROS FRENTE À VIOLAÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA

DE TRANSGÊNEROS E TRAVESTIS

Ijuí (RS) 2019

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CARLA TAÍS BASSETO

O ESTIGMA DA IDENTIDADE DE GÊNERO NOS ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS BRASILEIROS FRENTE À VIOLAÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA

DE TRANSGÊNEROS E TRAVESTIS

Monografia final apresentada ao curso de Graduação em Direito, requisito parcial para aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso – TCC.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: Ma. Eloísa Nair de Andrade Argerich

Ijuí (RS) 2019

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Dedico este trabalho a todos que me acompanharam e auxiliaram nesta jornada acadêmica. Ao meu salvador Jesus Cristo, pela proteção e por ter trazido luz à minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Esta fase da minha vida é muito especial e não posso deixar de agradecer, primeiramente, a Deus por toda força, ânimo e coragem que me ofereceu para ter alcançado este objetivo.

À minha família, pela confiança e por investirem em mim. Vocês foram minha maior motivação nesta caminhada.

Obrigada, Mãe Janice, por toda paciência e amor que nunca deixou faltar; por ter exercido, também, o papel de pai e por, apesar das inúmeras dificuldades, nunca ter desistido de mim.

Obrigada, Vó Marli, por todo o amparo e amor e, principalmente, por sempre ter acreditado na minha capacidade.

À Promotoria de Justiça de Augusto Pestana e demais órgãos em que fui estagiária, pelo acolhimento e ensinamentos que levarei para minha vida e minha carreira.

Aos meus amigos por me incentivarem e pela convivência, sempre com muita paciência, amor e lealdade. Obrigada por estarmos lado a lado nesta caminhada.

À minha orientadora, Eloísa Nair de Andrade Argerich, por toda dedicação e carinho, e por todos os ensinamentos que fizeram de você um espelho/exemplo de vida e profissionalismo a ser seguido.

À Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul

(Unijuí) e ao seu corpo docente, direção e administração, pelo acolhimento

e conhecimento que me proporcionaram.

Ao Programa “Universidade Para Todos” (ProUni), que me proporcionou o ingresso no Ensino Superior por meio de bolsa integral de estudos.

Por fim, a todos que colaboraram de uma maneira durante minha trajetória acadêmica e durante a construção deste trabalho:

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“Seja a mudança que você quer ver no mundo.”

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RESUMO

O presente estudo analisa as violações dos direitos fundamentais dos indivíduos transgêneros no âmbito dos presídios brasileiros. Através da análise de documentário e decisões jurisprudenciais restou demonstrado que os encarcerados trans encontram-se em condições de extrema vulnerabilidade; isto em face da exclusão e do preconceito que sofrem por não se encaixarem no padrão binário – homem e mulher - imposto pela sociedade. Verifica-se que a legislação brasileira dispõe de normas e dispositivos que visam à não-discriminação de qualquer ser humano e sustenta que os direitos fundamentais de todos sejam assegurados, porém estes não são efetivados. O que se percebe é que, apesar de serem noticiadas as diversas violações da dignidade da pessoa humana em relação às minorias, o Estado não tem encontrado escopos para enfrentar esses problemas, não oferecendo projetos de leis afirmativas ou soluções para reverter o atual quadro de violência e discriminação. A maioria dos estabelecimentos prisionais do País não possuem celas específicas nem agentes penitenciários treinados para o ingresso de indivíduos LGBT, o que agrava as situações de discriminação e violência.

Palavras-chave: LGBT. Transgêneros. Identidade de gênero. Direitos Humanos. Sistema Penitenciário.

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ABSTRACT

The present study analyses the violations of transgender individual’s fundamental right in Brazilian prisons. Through documentary analysis and jurisprudential decisions, it was demonstrated that trans prisoners are in extremely vulnerable conditions; this due to the exclusion and prejudice they suffer for not fitting the binary pattern – male and female – imposed by society. It is verified that the Brazilian legislation has norms and dispositions that aim at nondiscrimination of any human being and maintains that the fundamental rights of all people are assured, but these are not actualized. Although several violations of the human person dignity in relation to minorities are reported, the State has not found scope to face these problems, without offering affirmative laws projects or solutions to reverse the current situation of violence and discrimination. Most prisons in the country do not have specific cells or prison officers trained for the LGBT individuals’ entry, which aggravates discrimination and violence conditions.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8

1 PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E A NÃO DISCRIMINAÇÃO POR GÊNERO ... 10

1.1 Distinção entre direitos humanos, direitos fundamentais e direitos de personalidade ... 11

1.2 Documentos nacionais e internacionais que tratam sobre a discriminação da comunidade LGBT ... 18

1.3 Direitos humanos, orientação sexual e identidade de gênero ... 22

1.3.1 Princípios constitucionais e a garantia da não discriminação por identidade de gênero (art. 5° CF/88) ... 23

2 AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS DA COMUNIDADE TRANS NO BRASIL ... 31

2.1 Transformação cultural-social como coibição à violência contra a comunidade trans ... 31

2.1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana e a correlação com o direito fundamental à identidade de gênero ... 32

2.2 Considerações acerca do conceito de gênero e suas terminologias ... 33

2.2.1 Transgêneros e terminologias ... 34

2.2.2 Orientação sexual: semelhanças e diferenças ... 35

3 AVANÇOS E DESAFIOS NO RECONHECIMENTO E PROMOÇÃO DOS DIREITOS LGBT NO BRASIL E JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA ... 37

3.1 Denúncias de violação dos direitos fundamentais da comunidade trans intramuros, a partir da análise do documentário “Passagens: ser LGBT na prisão” ... 38

3.2 A exclusão da comunidade trans dos direitos básicos (trabalho, educação, saúde...) ... 41

3.2.1 Rejeição familiar ... 42

3.2.2 O ódio viabiliza a violência? a opressão da comunidade LGBT ante à criminalidade no cenário brasileiro: análise de dados ... 43

3.3 A segregação da comunidade trans e a perspectiva dos tribunais superiores acerca da sua dignidade ante a criminalização da homofobia pelo stf ... 47

CONCLUSÃO ... 50

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INTRODUÇÃO

A efetividade da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, quanto aos direitos e garantias fundamentais, sem discriminação por raça, cor, sexo e gênero, tem deixado a desejar, cujo reflexo encontra-se nas constantes notícias sobre a violação dos direitos dos travestis e transexuais, inclusive dentro do sistema penitenciário brasileiro, demonstrando que o princípio da dignidade da pessoa humana não está sendo concretizado.

As garantias e os direitos constitucionais, a princípio, abrangem todos os cidadãos brasileiros; entretanto, não são concretizados. Isto por que os estabelecimentos prisionais não dispõem de uma área específica para acolher a respectiva identidade de gênero, consequentemente, quando transgêneros são colocados junto a alas discrepantes às suas afirmações, acaba-se, violando sua identidade de gênero e desabonando a dignidade humana daqueles indivíduos. Observa-se que existe uma proteção normativa aos apenados LGBT, porém os seus direitos não são efetivados e nem há aprimoramento legislativo, haja vista o pouco tempo em que essa comunidade passou a ter visibilidade na sociedade e a exigir o cumprimento do que prevê o texto constitucional quanto à igualdade de todos perante a lei.

Os sujeitos que constituem a comunidade trans são travestis e transexuais. Os travestis são indivíduos que nascem com a genitália pertencente ao sexo masculino, contudo, vestem-se e têm comportamentos sociais femininos. Em função da vivência feminina, muitas vezes desejam alterar seus corpos com tratamentos estéticos, como próteses de silicone e tratamento hormonal/cirurgias reconstrutoras (SILVEIRA; ÁVILA, 2015). Contudo, os transexuais são pessoas que se identificam com um gênero diferente daquele que lhes foi atribuído ao nascimento, adotando outro nome e agindo de acordo com o gênero que se identifica; sendo que a maioria recorre aos procedimentos de redesignação sexual, conforme será adiante abordado.

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Cabe, portanto, analisar a situação da comunidade trans quando inserida em presídios, a fim de assegurar seus direitos constitucionais, tanto por ser um indivíduo “delinquente”, quanto por sua identidade de gênero divergir daquelas impostas pelo padrão da sociedade.

O presente estudo utiliza como referência o documentário “Passagens: ser LGBT nas prisões” – produzido pela ONG Somos - Comunicação, Saúde e Sexualidade – e busca desmitificar e evidenciar a situação degradante e a violação da dignidade da pessoa humana dos indivíduos trans advindas dos estabelecimentos penitenciários brasileiros. Também, aponta a omissão legislativa e invisibilidade da comunidade LGBT diante da falta de severidade na punição pelos crimes de homofobia e transfobia.

A pesquisa é do tipo exploratória e utiliza a coleta de dados em fontes bibliográficas, notícias e reportagens da internet. Considerando o enfoque do tema, contou-se com o auxílio das legislações pertinentes, inclusive, com a própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), e demais documentos nacionais e internacionais que tratam da matéria. A partir deles, foi possível perceber que, apesar da dignidade humana e demais princípios fundamentais básicos inerentes à pessoa humana estarem dispostos na CF/88 e demais instrumentos normativos, não são efetivados e não abrangem todos os cidadãos.

Inicialmente, o primeiro capítulo aponta a proteção dos direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro e a não discriminação por identidade de gênero e orientação sexual, com base nos documentos nacionais e internacionais que tratam da matéria.

O segundo capítulo conceitua as terminologias que abrangem a comunidade LGBT – enfatizando a identidade de gênero e orientação sexual – e correlaciona o princípio da dignidade humana com o direito fundamental à identidade de gênero.

Por fim, o terceiro capítulo conta avanços e desafios no reconhecimento e promoção dos direitos LGBT no Brasil e as recentes decisões jurisprudenciais, citando as denúncias da violação dos direitos fundamentais da comunidade trans, quanto aos encarcerados, a partir do documentário “Passagens: ser LGBT na prisão”.

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1 PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E A NÃO DISCRIMINAÇÃO POR GÊNERO

Diante das inúmeras notícias e reportagens divulgadas nos meios midiáticos sobre a violação dos direitos humanos e garantias fundamentais, principalmente quanto aos indivíduos LGBT, percebe-se que os princípios e direitos ressalvados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 - principalmente o que reflete a não-discriminação por raça, cor, sexo e gênero - não atingem plena eficácia. É constante a violação do princípio da dignidade humana dos travestis e transexuais pela sociedade, sobretudo, daqueles que estão inseridos no sistema penitenciário brasileiro. Por isso, questiona-se: as garantias e os direitos constitucionais abrangem todos os cidadãos brasileiros, independentemente de sua identidade de gênero? Existem distinções entre orientação sexual e identidade de gênero na legislação e na sociedade? É possível identificar as diferentes acepções quando se aborda a identidade de gênero?

As garantias e os direitos constitucionais, a princípio, abrangem todos os cidadãos brasileiros; entretanto, não são concretizadas. Isto por que os estabelecimentos prisionais não dispõem de uma área específica para acolher a respectiva identidade de gênero, consequentemente, quando transgêneros são colocados junto a alas discrepantes às suas afirmações, acaba-se, violando sua identidade de gênero e desabonando a dignidade humana daqueles indivíduos. Observa-se que existe uma proteção normativa aos apenados LGBT, porém os seus direitos não são efetivados e nem há aprimoramento legislativo, haja vista o pouco tempo em que essa comunidade passou a ter visibilidade na sociedade e a exigir o cumprimento do que prevê o texto constitucional quanto à igualdade de todos perante a lei.

Na realidade, o que se observa é que, conforme manual do Ministério Público Federal, é possível compreender as diferentes categorizações identitárias de gêneros, bem como quanto às distinções de orientações sexuais.

A pesquisa estuda, a partir dessas indagações e prováveis hipóteses, a violação dos direitos humanos e constitucionais em estabelecimentos prisionais brasileiros com relação aos transexuais e travestis. Outrossim, objetiva-se reconhecer a existência, ou não, de mecanismos protetivos quanto à condição de vida dos encarcerados transgêneros nos presídios brasileiros e a violação da dignidade da pessoa humana, analisando a legislação internacional e nacional

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para verificar quanto à proteção da comunidade LGBT dentro e fora dos presídios, em busca do esclarecimento das diferenciações existentes da identidade de gênero.

1.1 Distinção entre direitos humanos, direitos fundamentais e direitos de personalidade

A igualdade de direitos consagrada na Constituição Federal de 1988 é, ainda, uma questão complexa, pois a maneira como a comunidade LGBT vem sendo encarada no Brasil é capaz de mostrar o quanto se precisa avançar para o reconhecimento da cidadania a esse segmento.

Os sujeitos que constituem a comunidade trans são travestis e transexuais – caracterizados como travestis “aqueles” indivíduos que nascem com a genitália pertencente ao sexo masculino, contudo, vestem-se, e vivem com comportamentos tidos, socialmente, como femininos e, em função da vivência feminina, desejam muitas vezes alterar esteticamente seus corpos, através de tratamentos estéticos a exemplo de próteses de silicone e tratamento hormonal/cirurgias reconstrutoras (SILVEIRA; ÁVILA, 2015). Contudo, os transexuais são pessoas que se identificam com um gênero diferente daquele que lhes foi atribuído ao nascimento, adotando outro nome e agindo de acordo com o gênero que se identifica; sendo que a maioria recorre aos procedimentos de redesignação sexual, conforme será adiante abordado. Em resumo, diferente do transexual, travestis adentram o mundo feminino e não se sentem desconfortáveis com seu corpo.

É necessário, portanto, analisar a situação da comunidade trans quando inseridos em algum presídio, se seus direitos e garantias constitucionais são asseguradas, tanto por ser um indivíduo “delinquente”, quanto por sua identidade de gênero.

Dessa forma, é imprescindível, antes de abordar aspectos referentes à violação dos direitos fundamentais da comunidade trans, compreender a diferenciação entre direitos humanos e direitos fundamentais, sob a perspectiva histórica e social para, posteriormente, verificar questões referentes a identidade de gênero e suas categorizações.

A compreensão do que significa direitos humanos é essencial para evitar confusão com a definição dos direitos fundamentais, bem como para superar preconceitos e evitar desvirtuamentos na sociedade. Toda pessoa humana é titular de direitos e deveres, pois nasce

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igual e não pode ser discriminada por questão de gênero, sendo necessário respeitar as diferenças.

Nesse sentido, Dalmo de Abreu Dallari (2004, p. 12, grifo do autor) assinala que:

A expressão direitos humanos é uma forma abreviada de mencionar os direitos fundamentais da pessoa humana. Esses direitos são considerados fundamentais porque sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida.

Todos os seres humanos devem ter assegurados, desde o nascimento, as condições mínimas necessárias para se tornarem úteis à humanidade, como também devem ter a possibilidade de receber os benefícios que a vida em sociedade pode proporcionar. Esse conjunto de condições e possibilidades associa as características naturais dos seres humanos, capacidade natural de cada pessoa e os meios de que a pessoa pode valer-se como resultado da organização social. É a esse conjunto que se dá o nome de direitos humanos.

Entende-se que o ser humano é o elemento fundamental na construção da sociedade, sendo que, para este estar apto à vida social, necessita de elementos indispensáveis para sua própria vida. Estes são os chamados de direitos humanos, os quais devem ser assegurados a cada ser humano, por serem essenciais à sua dignidade e ao seu bem estar social.

No mesmo rumo caminham as considerações de Ingo Wolfgang Sarlet (2011, p. 145):

Em que pese sejam ambos os termos ('direitos humanos' e 'direitos fundamentais') comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é de que o termo 'direitos fundamentais' se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão 'direitos humanos' guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).

Essa diferenciação será o ponto central desta pesquisa, pois pretende-se expor sobre a violação do princípio da dignidade da pessoa humana dos apenados transgêneros nas unidades prisionais brasileiras, bem como descrever quais as condições de vida dos encarcerados LGBT no Brasil, a partir de documentários e decisões jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal.

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Nesse segmento de pensar, Paulo Bonavides (2011, p. 565) aduz que:

Os direitos sociais fizeram nascer a consciência de que tão importante quanto salvaguardar o indivíduo, conforme ocorreria na concepção clássica dos direitos da liberdade, era proteger a instituição, uma realidade social muito mais rica e aberta à participação criativa e à valoração da personalidade que o quadro tradicional da solidão individualista, onde se formara o culto liberal do homem abstrato e insulado, sem a densidade dos valores existenciais, aqueles que unicamente o social proporciona em toda a plenitude.

Pode-se afirmar, portanto, que os Direitos Humanos pertencem a todas as pessoas humanas, independentemente de raça, sexo ou cor, reconhecidos no âmbito internacional, na qual há afirmação de igualdade de todos os seres humanos, cada qual, entretanto, com suas particularidades.

A partir dessa ideia, um ponto a ser destacado, de antemão, é a diferença existente entre Direitos Humanos e direitos fundamentais, em virtude de se reconhecer que, enquanto os Direitos Humanos são tratados no âmbito do Direito Internacional, os direitos fundamentais são reconhecidos no âmbito interno dos Estados-nação, o que não significa que esses não estejam impregnados de aspectos inerentes à pessoa humana.

As concepções atuais sobre Direitos Humanos realçam a dignidade da pessoa humana e, da mesma forma, pode-se afirmar que os direitos fundamentais que compõem a estrutura da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988 (CF/88), também tutelam primordialmente essa dignidade.

Na mesma esteira, Alexandre de Moraes (2011, p. 39) esboça seus ensinamentos referentes aos Direitos Humanos e fundamentais, ressaltando que estes têm a mesma abrangência que aqueles, visto que ambos estão inter-relacionados com o princípio da Dignidade Humana, ou seja:

O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.

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Em outras palavras, o autor supracitado reafirma a ideia de que a dignidade nada mais é do que um conjunto de condições mínimas necessárias para a sobrevivência do homem e seu desenvolvimento completo.

Na mesma linha, Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco (2009, p. 267), desenvolvem seu entendimento sobre direitos fundamentais:

Os direitos fundamentais assumem posição de definitivo realce na sociedade quando se inverte a tradicional relação entre Estado e Individuo, e se reconhece que o indivíduo, tem, primeiro, direitos, e depois, deveres perante Estado. E que os direitos que o Estado tem em relação ao indivíduo se ordena ao objetivo de melhor cuidar das necessidades do cidadão.

Nessa perceptiva, situam-se, evidentemente, os direitos humanos, pois ao tratar das necessidades do cidadão, está ressaltando o mínimo existencial, que nada mais é do que qualidade do princípio da dignidade da pessoa humana.

Por outro lado, é indispensável abordar o direito de personalidade, pois não há como desenvolver um estudo sobre Direitos Humanos e direitos fundamentais, nos quais se inclui a comunidade trans, sem compreender o seu significado.

Destaca-se que, nesta pesquisa, serão utilizadas as definições do direito de personalidade a partir de estudos de doutrinadores que atuam na área de Direito Civil, dentre eles Gustavo Tepedino, Miguel Reale, Carlos Roberto Gonçalves, entre outros.

Sabe-se que o ordenamento jurídico tem como objetivo a efetiva proteção dos indivíduos, no entanto, ao trabalhar a personalidade apresenta duas formas de proteção, quais sejam, genéricas e específicas, sendo uma complemento da outra. Nas lições de Luiz Edson Facchin (2006, p. 64), o direito à personalidade não pode ser analisado apenas por um aspecto, pois “[...] não se fala mais em proteção da pessoa humana, apenas pelo direito privado, mas sim como em um conjunto de direito público”, protegendo o direito de personalidade na sua totalidade.

Os direitos da personalidade estão disciplinados no Código Civil brasileiro de 2002, com atualização pela Lei nº 13.146/2015, apresentando nos arts. 2º, 11 e 16, respectivamente, da seguinte forma:

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Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.

Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.

A partir da leitura dos dispositivos, evidenciam-se aspectos fundamentais relativos ao direito da personalidade, pois já em seu art. 2º destaca que a pessoa humana adquire personalidade civil a partir do nascimento com vida. Contudo, quando o legislador trabalha o art. 11 do referido Código, deixa claro duas características essenciais: a intransmissibilidade e a irrenunciabilidade, ressaltando que o exercício não pode sofrer limitações.

De outro modo, para esclarecer sobre pontos essenciais desta pesquisa, o art. 16 apresenta uma inovação, reflexo da realidade atual da sociedade com relação à composição de identidade de gênero, que busca a preservação do indivíduo enquanto ser humano, dotado de direitos e deveres, tutelando valores de suma importância a seus titulares, como nome, prenome, sobrenome e a dignidade.

Denota-se que o Código Civil em vigor surge em decorrência do texto constitucional, o qual, por sua vez, traz a proteção do direito à honra, à vida privada, à integridade física e moral e à imagem das pessoas, bens jurídicos indispensáveis para o desenvolvimento da personalidade do ser humano.

A supremacia do texto constitucional reconhece em seu art. 5º, inciso X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direto de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” (BRASIL, 1988).

De fato, tem-se o fenômeno da constitucionalização do Direito Privado, como é o caso do direito da personalidade, posto que não há como estudar tal instituto sem relacioná-lo com o art. 1º, inc. III, da CF/88, que inclui em seus fundamentos o princípio da dignidade da pessoa humana.

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Tratando-se de direito da personalidade, é imprescindível explicar a sua definição, para poder relacionar o direito privado com a constitucionalização desse direito. Neste sentido, Daniel Sarmento (2008, p. 38) explica que:

A personalidade mais do que um direito, é um valor – o mais importante do ordenamento, diga-se de passagem – que se irradia e penetra por todos os cantos do Direito, Público ou Privado, que significa a proteção dos mais variados bens jurídicos e notadamente a dignidade da pessoa humana.

A rigor, falar em personalidade da pessoa nada mais é do que afirmar como a sendo “O conjunto de características e atributos da pessoa humana, considerada como objeto de proteção por parte do ordenamento jurídico”, ou seja, a pessoa recebe a tutela do Estado e está protegida de agressões as quais poderão afetar a sua personalidade, pois, como sujeito de direitos, não pode ser considerando um objeto (TEPEDINO, 2019, p. 02).

Resulta, portanto, a defesa dos direitos do homem enquanto homem, pois não basta apenas ser estabelecido a sua tutela no ordenamento jurídico, carecendo de respeito na sociedade, por todos aqueles que fazem parte do Estado-Nação.

A compreensão da realidade em torno dos direitos fundamentais passa necessariamente pela identificação da sua proteção no âmbito internacional, isto é, os direitos humanos, nos quais se incluem os direitos da personalidade como valor fundamental para a construção interna da pessoa.

Na visão de Fábio Konder Comparato (2010, p. 41):

Em primeiro lugar, porque a personalidade de cada ser humano é moldada por todo o peso do passado. Não é indiferente, para visualizar a mentalidade de alguém, situá-lo no momento histórico em que viver: cada um de nós já nasce com uma visão de mundo moldada por todo um passado coletivo, carregado de valores, crenças e preconceitos.

Essa reflexão faz com que se perceba que os seres humanos, “[...] apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturais que os distinguem entre si, merecem igual respeito, como únicos entes do mundo capazes e amar, descobrir a verdade e criar a beleza.” (COMPARATO, 2010, p. 13). Há o reconhecimento universal de que todos são iguais e que ninguém pode ser discriminado por gênero, etnia, classe social, grupo religioso ou nação.

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Na verdade, é importante observar que a proteção internacional dos direitos humanos e, por conseguinte, os direitos fundamentais nasceram muito antes da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que apregoa que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos.” (ONU, 1948).

Na concepção de Comparato (2010, pp. 23-24), entre os séculos VIII e II a.C., o eixo histórico da humanidade já estava sendo desenvolvido. A partir deste momento, pela primeira vez na História, “[...] o ser humano passa a ser considerando, em sua igualdade essencial, como ser dotado de liberdade e razão, não obstante as múltiplas diferenças de sexo, raça religião ou costume social.”

Percebe-se que foi a partir desse marco que o ser humano passa a ser considerado como um ser dotado de liberdade, razão em sua igualdade essencial e nas múltiplas diferenças de sexo, raça, religião, identidade de gênero e orientação sexual.

Em relação ao direito de personalidade dos transexuais e transgêneros, foi reconhecido, no ano de 2018, pelo Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 670.422, com Repercussão Geral do Tema 761, o direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil. O único requisito para que tal direito seja exercido é a “[...] manifestação de vontade do indivíduo, o qual poderá exercer tal faculdade tanto pela via judicial como diretamente pela via administrativa. Essa alteração deve ser averbada à margem do assento de nascimento, vedada a inclusão do termo ‘transgênero’.” (STF, 2018).

Para corroborar o exposto, colaciona-se a decisão com repercussão geral reconhecida com mérito julgado, a ementa do RE 670.422, que consta no Informativo 911 do STF, publicado em 2018. Veja-se:

O transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil, não se exigindo, para tanto, nada além da manifestação de vontade do indivíduo, o qual poderá exercer tal faculdade tanto pela via judicial como diretamente pela via administrativa. Essa alteração deve ser averbada à margem do assento de nascimento, vedada a inclusão do termo “transgênero”. Nas certidões do registro não constará nenhuma observação sobre a origem do ato, vedada a

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expedição de certidão de inteiro teor, salvo a requerimento do próprio interessado ou por determinação judicial. Efetuando-se o procedimento pela via judicial, caberá ao magistrado determinar de ofício ou a requerimento do interessado a expedição de mandados específicos para a alteração dos demais registros nos órgãos públicos ou privados pertinentes, os quais deverão preservar o sigilo sobre a origem dos atos. Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 761 da repercussão geral, deu provimento a recurso extraordinário em que se discutia a possibilidade de alteração de gênero no assento de registro civil de transexual — como masculino ou feminino — independentemente da realização de procedimento cirúrgico de redesignação de sexo. [...] Para o relator, como inarredável pressuposto para o desenvolvimento da personalidade humana, deve-se afastar qualquer óbice jurídico que represente limitação, ainda que potencial, ao exercício pleno pelo ser humano da liberdade de escolha de identidade, orientação e vida sexual. Qualquer tratamento jurídico discriminatório sem justificativa constitucional razoável e proporcional importa em limitação à liberdade do indivíduo e ao reconhecimento de seus direitos como ser humano e como cidadão. O sistema deve progredir e superar a tradicional identificação de sexos para também abarcar os casos daqueles cuja autopercepção difere do que se registrou no momento de seu nascimento e das respectivas conformações biológicas. Citou os posicionamentos doutrinários e os avanços jurisprudenciais e legislativos sobre o assunto, especialmente no âmbito da América Latina, e apontou a irrazoabilidade de condicionar a mudança de gênero no assento de registro civil à realização da cirurgia de redesignação de sexo. (RE 670.422, rel. min. Dias Toffoli, j. 15-8-2018, P, Informativo 911, RG, tema 761).

Destaca-se que o STF pôs fim ao debate sobre a alteração de gênero na certidão de nascimento, ou seja, sobre “[...] o recurso extraordinário em que se discutia a possibilidade de alteração de gênero no assento de registro civil de transexual — como masculino ou feminino — independentemente da realização de procedimento cirúrgico de redesignação de sexo” (STF, 2018).

Desse modo, percebe-se que um aspecto discriminatório teve sua discussão encerrada, mas outras formas de discriminação contra o grupo LGBT ainda persistem no meio social, político, familiar, profissional e religioso.

1.2 Documentos nacionais e internacionais que tratam sobre a discriminação da comunidade LGBT

Assinala-se a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, que surge posteriormente às Declarações de Direitos norte-americanas, juntamente com a Declaração francesa de 1789, que levam o homem à categoria individualizada (COMPARATO, 2010).

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Segundo a Declaração dos Direitos Humanos, arts. 1º ao 3º (ONU, 1948):

Art. 1.º Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.

Art. 2.º Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, fortuna, nascimento ou outro estatuto.

Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania.

Art. 3.º Todas as pessoas têm direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Sem dúvida, infere-se que houve o reconhecimento dos direitos humanos internacionalmente, a partir dessa Declaração, dando mais segurança às relações sociais, exercendo uma função essencialmente pedagógica entre as nações, uma vez que prevaleceram os valores éticos e estes passaram a ser vistos como fundamentais para a vida coletiva.

Foi celebrado, pelas Nações Unidas, em 1986, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, no qual manifestou sua preocupação com a existência de sérios obstáculos ao desenvolvimento e a completa realização dos seres humanos e dos povos, [...]” e, por isso, estabelecem o que segue:

Art. 16. Toda pessoa terá direito, em qualquer lugar, ao reconhecimento de sua personalidade jurídica.

Art. 17. 1. Ninguém poderá ser objetivo de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação. 2. Toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas. (ONU, 1948).

É de se ressaltar que as pessoas no plano internacional recebem a tutela de seus direitos civis e políticos e que com a Declaração dos Direitos adotada passam a proclamar e reconhecer a importância da dignidade de todos os seres humanos e seus direitos iguais e inalienáveis, tendo os Estados-partes a obrigação “de promover respeito universal e efetivo dos direitos e da liberdade do homem.” (COMPARATO, 2010, p. 297).

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Neste rumo, em 2011, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas aprovou, durante a 17ª Sessão, a resolução 17/19, intitulada "Direitos Humanos, Orientação Sexual e Identidade de Gênero". O Brasil integrou o "core group" (grupo de países que elabora e propõe a resolução) da resolução, que foi aprovada por 23 votos a favor, 19 votos contrários e 3 abstenções. O documento é a primeira referência formal de um órgão multilateral das Nações Unidas sobre o tema (ONU, 2011).

Esse documento apresenta uma série de recomendações aos Estados-membros para adotar políticas públicas contra a discriminação que tenha por base a orientação sexual e identidade de gênero e um plano de trabalho intitulado “Direitos das Pessoas LGBTI” e assim, que estes possam dar início ao desenvolvimento de programas que envolvam aspectos relacionados a orientação sexual e identidade de gênero (ONU, 2011).

Originaram-se do Conselho de Direitos Humanos, pertencente à Organização das Nações Unidas (ONU), no âmbito nacional, algumas Notas Técnicas e políticas públicas que são abordadas a seguir, a fim de combater ou minimizar a violência e a discriminação com base na orientação sexual e identidade de gênero. A primeira Nota Técnica 32/20151, traz recomendações sobre Orientação Sexual e identidade de gênero, reafirmando a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Neste sentido, a referida Norma Técnica apresenta uma série de considerações acerca do tema Gênero e orientação sexual, enfatizando que o Plano Nacional de Educação define entre suas diretrizes a “[...] superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação” e a “[...] promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental”, demostrando que não comunga com qualquer forma de discriminação, preconceito e violência nas escolas (BRASIL, 2015)2.

1 Nota Técnica 32/2015, elaborada pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e

Inclusão Diretoria de Políticas de Educação em Direitos Humanos e Cidadania Coordenação Geral de Direitos Humanos, órgãos ligados ao Ministério da Educação.

2 Esta Nota Técnica tem por objetivo trazer o escopo legal e a abordagem estabelecida pelas diretrizes

educacionais nacionais para subsidiar redes de ensino, escolas e profissionais de educação quanto à pertinência da abordagem de temas relacionados a gênero e orientação sexual na educação básica, respaldando gestores quanto a possíveis tentativas de intimidação (BRASIL, 2015).

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Na verdade, as Diretrizes Nacionais que fixam normas para o ensino infantil, básico, médio, superior, meio ambiente, ou que tratem sobre a educação, ressaltam a importância de se trabalhar o reconhecimento das diferenças e o enfrentamento às desigualdades e violência, sem, no entanto, deixar de lado a normatização sobre o assunto.

A despeito deste arcabouço legal, pesquisas educacionais evidenciam ambientes escolares marcados pela desigualdade, discriminação e violência no que diz respeito a gênero e orientação sexual. Uma realidade que contradiz os princípios fundantes do ensino e que ameaça o direito à educação de grande número de pessoas. Como promover o princípio da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola previsto na Lei de Diretrizes e Bases sem enfrentar diretamente as representações e práticas que estigmatizam, excluem e discriminam mulheres, homossexuais e pessoas trans? (BRASIL, 2015).

Pode-se destacar, ainda, o Programa de Combate à violência e Discriminação contra GLTB e de Promoção da Cidadania Homossexual, denominado de “Brasil sem Homofobia”, o qual tem como um de seus objetivos a educação e a mudança de comportamento dos gestores públicos, segundo Nilmário Miranda, Secretário Especial de Direitos Humanos. Além, é claro, da incessante busca pela adoção de atitudes positivas e não violentas e a não discriminação com base na orientação sexual (BRASIL, 2004).

Ressalta o referido Programa de Combate à violência e Discriminação contra GLTB e de Promoção da Cidadania Homossexual – Brasil sem Homofobia – que é uma das bases fundamentais para ampliação e fortalecimento do exercício da cidadania no Brasil. Um verdadeiro marco histórico na luta pelo direito à dignidade e pelo respeito à diferença. É o reflexo da consolidação de avanços políticos, sociais e legais tão duramente conquistados (BRASIL, 2004).

Como se vê, a proteção à comunidade trans é um tema complexo e recentemente chegou ao centro dos debates mundial e nacional sobre Direitos Humanos e mudança social. De certo modo, foi a partir da década de 1990 que o grupo LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros) (ou, às vezes, LGBTQI, acrescentando o termo queer e intersexo) – ganha visibilidade e passa a ser visto como qualquer outro cidadão sujeito de direitos.

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As medidas implantadas no Brasil, como as destacadas acima, são muito recentes para apresentarem resultados positivos acerca de um tema que ainda é tabu entre as famílias, professores, alunos e sociedade em geral, pois identidade de gênero ou orientação sexual ainda não são encaradas como algo normal e comum.

A força do ativismo e o fortalecimento da luta pelo reconhecimento de direitos da comunidade trans tem possibilitado que a sociedade perceba a força e coragem desses grupos e aos poucos passem a considerá-los como parte integrante da comunidade.

Corinne Lennox e Matthew Waites (2016, p. 33) assim se referem sobre a sigla LGBT:

[...] o grupo LGBT tornou-se o enquadramento que prevaleceu com maior força em muitas organizações não-governamentais nacionais e internacionais (ONGs) e em diversas iniciativas. No entanto, a partir do início dos anos 1990, a palavra estigmatizante “Queer” passou a ser usada por alguns ativistas no termo “política queer” e em associação à Teoria Queer para desafiar entendimentos de associações fixas entre sentimentos, identidade e comportamento que as identidades heterossexuais, gays e lésbicas algumas vezes tendiam a assumir (Warner, 1993), influenciando o que desde então tem sido descrito como uma emergente ‘política global queer’.

Este enquadramento possibilita que as pessoas inseridas em alguma das categorias acima mencionadas sejam vistas pela sociedade não como uma aberração social ou uma pessoa com uma doença, mas como iguais e dotados de personalidade.

1.3 Direitos humanos, orientação sexual e identidade de gênero

Outro ponto que assume importância vital para entendimento do grupo LGBT é o conceito de orientação sexual e identidade de gênero. Para sustentação teórica e consistente das definições, a fim de compreender os conceitos, utiliza-se a Cartilha “O Ministério Público e a Igualdade de Direitos para LGBTI: conceitos e legislação”, que define:

A orientação sexual refere-se à capacidade de cada pessoa ter uma profunda atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero, assim como ter relações íntimas e sexuais com essas pessoas. As orientações sexuais mais comuns são: homossexualidade; heterossexualidade; bissexualidade e assexualidade. Identidade de gênero: [...] a palavra gênero é usada para se referir à “experiência interna e individual, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento”, e que inclui o senso pessoal do corpo e outras expressões de gênero, tais como vestimentas, modo de falar e maneirismos.

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É conhecida a frase de Simone de Beauvoir, segundo a qual “ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. Com isso, quer a filósofa francesa dizer que “nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade [...] Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um Outro. (BRASIL, 2017).

Em geral, pode-se adotar a seguinte regra de tratamento: cada pessoa tem o direito de ser tratada segundo sua identidade de gênero. Assim, mulheres transgêneras que adotam nome, aparência e comportamentos femininos devem ser tratadas como quaisquer outras mulheres. Homens transgêneros que adotam nome, aparência e comportamentos masculinos devem ser tratados como quaisquer outros homens.

1.3.1 Princípios constitucionais e a garantia da não discriminação por identidade de gênero (art. 5° CF/88)

Dada a complexidade que envolve o entendimento em torno dos princípios constitucionais, há que se frisar alguns conceitos para este estudo: o que são princípios e para que servem.

Ao pretender explicar o significado de princípio para o direito, José Afonso da Silva (1994, p. 18) assevera que:

Quer-se aqui apenas caracterizar os princípios que se traduzem em normas da Constituição ou que delas diretamente se inferem. Não precisamos entrar neste momento, nas graves discussões sobre a tipologia desses princípios. A doutrina reconhece que não são homogêneos e revestem natureza ou configuração diferente.

Na verdade, deixa subtendido que há diferenças entre princípios e normas, mas que para o nosso estudo não se faz indispensável. Apenas precisa-se saber que os princípios possuem maior abertura e abstração, pois “estes possuem uma dimensão de peso ou importância (valores), de modo que em caso de conflito de princípios levar-se-á em conta o peso entre eles.” (SILVA, 1994, p. 17).

Como bem observa Ronald Dworkin (apud MENDES; GONET, 2014, p. 87):

[...] os princípios, de seu lado, não desencadeiam automaticamente as consequências jurídicas previstas no texto normativo pela só ocorrência da situação de fato que o texto descreve. Os princípios têm uma dimensão que as regras não possuem: a dimensão do peso. Os princípios podem interferir uns nos outros e, nesse caso, “deve-se resolver o conflito levando-se em consideração o peso de cada um”. Isso, admitidamente, não se faz por meio

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de critérios de mensuração exatos, mas segundo a indagação sobre quão importante é um princípio – ou qual o seu peso – numa dada situação.

Neste contexto, portanto, assume importância a compreensão dos princípios constitucionais para evitar equívocos quanto a sua utilização para nortear a defesa dos direitos e garantias fundamentais, no caso em questão, da comunidade trans.

Os princípios constitucionais são as decisões tomadas pelo Poder político com o objetivo de traçar diretrizes para uma determinada sociedade, conformando não apenas a sua estrutura, mas regulando as relações específicas da vida social. No entanto, para José Joaquim Gomes Canotilho (2003, p. 231, sic) se “constituem por assim dizer a síntese ou matriz de todas as restantes normas constitucionais, que àquelas podem ser directa ou indirectamente reconduzidas.”

Outra maneira de explicar os princípios é fazer uma reflexão sobre os denominados fundamentais e entender a sua função no ordenamento jurídico, tendo em vista que amparam a Dignidade da Pessoa Humana, a que se constitui como um princípio basilar no Brasil, bem como repudiam a discriminação atentatória e o preconceito sobre a orientação sexual e a identidade de gênero: o princípio da igualdade e o da não discriminação.

O princípio da igualdade ou da isonomia está positivado na Constituição Federal em seu artigo 5º, caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]” Essa é a igualdade formal, porém não garante que todos tenham as mesmas oportunidades ou até mesmo uma participação social.

O princípio da igualdade formal, ou seja, a igualdade perante a lei, segundo as palavras de Roger Raupp Rios (2002, pp. 129-135):

[...] exige que se reconheça em todos, independentemente da orientação homo ou heterossexual – a qualidade de sujeito de direito: isto significa, na prática, não identificá-lo com a pessoa heterossexual.

[...] o princípio da igualdade material visa a tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade. “Consequência disto, no domínio específico da orientação sexual, é a imposição de tratamento igual sempre que não se apresentarem razões suficientes para justificar a desigualdade de tratamento.

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Sabe-se que uma forma de efetivação da igualdade ocorre por meio das chamadas ações afirmativas, ou seja, políticas públicas as quais objetivam combater discriminações de todo tipo, aumentando a participação das minorias no processo político, com acesso à educação e emprego, corrigindo, assim, toda forma de desigualdade (SIQUEIRA; MACHADO, 2018).

O princípio da não discriminação está correlacionado com o princípio da igualdade e, indubitavelmente, faz parte do processo evolutivo dos direitos humanos e do próprio princípio, uma vez que a mera igualdade perante a lei não tem conseguido dar contar da proteção dos direitos individuais (SIQUEIRA; MACHADO, 2018).

De acordo com a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, todos incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, o conceito jurídico de discriminação é qualquer distinção, exclusão ou preferência que tenha o propósito ou o feito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos econômico, social, cultural ou qualquer campo da vida pública. A esse conceito acrescenta-se a lista de critérios proibidos de discriminação, o que atenta para manifestações específicas de discriminação, como gênero, raça e etnia, religião, orientação sexual, deficiência e idade. (RIOS, 2002, p. 139).

No Brasil denota-se a trágica invisibilidade da comunidade LGBT à espera de legislações efetivadas, que garantam uma igualdade material e que combatam à discriminação homofóbica e transfóbica, conforme as resoluções da ONU e da Organização dos Estados Americanos (OEA), que reconhecem os direitos LGBT como Direitos Humanos.

É fundamental registar que a Declaração Universal dos Direitos do Homem dispõe que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos (art. 1°);

Art. I. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Art. II. 1 - Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

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Art. VI. Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.

Art. VII. Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. (ONU, 1948).

Os princípios de Yogyakarta3 sobre a aplicação da legislação internacional de Direitos Humanos em relação à Orientação Sexual e Identidade de Gênero serão explicitados para respaldar o reconhecimento da Dignidade Humana quanto aos indivíduos que constituem as comunidades LGBT, independente de sua orientação sexual e identidade de gênero.

A fim de sustentar estes conceitos, colacionam-se alguns dos Princípios de Yogyakarta, subdividindo-os em dois grandes grupos, a saber:

Princípio 1. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Os seres humanos de todas as orientações sexuais e identidades de gênero têm o direito de desfrutar plenamente de todos os direitos humanos.

Princípio 2. Todas as pessoas têm o direito de desfrutar de todos os direitos humanos livres de discriminação por sua orientação sexual ou identidade de gênero. Todos e todas têm direito à igualdade perante à lei e à proteção da lei sem qualquer discriminação, seja ou não também afetado o gozo de outro direito humano. A lei deve proibir qualquer dessas discriminações e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer uma dessas discriminações. A discriminação com base na orientação sexual ou identidade gênero inclui qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada na orientação sexual ou identidade de gênero que tenha o objetivos ou efeito de anular ou prejudicar a igualdade perante à lei ou proteção igual da lei, ou o reconhecimento, gozo ou exercício, em base igualitária, de todos os direitos humanos e das liberdades fundamentais. A discriminação baseada na orientação sexual ou identidade de gênero pode ser, e comumente é, agravada por discriminação decorrente de outras circunstâncias, inclusive aquelas relacionadas ao gênero, raça, idade, religião, necessidades especiais, situação de saúde e status econômico. Princípio 3. Toda pessoa tem o direito de ser reconhecida, em qualquer lugar, como pessoa perante a lei. As pessoas de orientações sexuais e identidades de gênero diversas devem gozar de capacidade jurídica em todos os aspectos da vida. A orientação sexual e identidade de gênero autodefinidas por cada pessoa constituem parte essencial de sua personalidade e um dos aspectos mais básicos de sua autodeterminação, dignidade e liberdade. Nenhuma pessoa deverá ser forçada a se submeter a procedimentos médicos, inclusive cirurgia de mudança de sexo,

3 Documento redigido por um grupo de especialistas (29 eminentes especialistas de 25 países), reunidos em

novembro de 2006, na cidade de Yogyakarta (Indonésia), por iniciativa da Comissão Internacional de Juristas e o Serviço Internacional de Direitos Humanos e refletem a aplicação da legislação de direitos humanos internacionais à vida e à experiência das pessoas de orientações sexuais e identidades de gênero diversas e nenhum deles deve ser interpretado como restringindo, ou de qualquer forma limitando, os direitos e liberdades dessas pessoas, conforme reconhecidos em leis e padrões internacionais, regionais e nacionais. (PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA, 2006).

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esterilização ou terapia hormonal, como requisito para o reconhecimento legal de sua identidade de gênero. Nenhum status, como casamento ou status parental, pode ser invocado para evitar o reconhecimento legal da identidade de gênero de uma pessoa. Nenhuma pessoa deve ser submetida a pressões para esconder, reprimir ou negar sua orientação sexual ou identidade de gênero. (PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA, 2006).

No universo desses princípios estão enunciados alguns valores inestimáveis para qualquer pessoa: a liberdade, a autodeterminação e a dignidade. Verifica-se que todos estão inter-relacionados e não podem ser tratados isoladamente, pois fazem parte da personalidade do sujeito, o qual, enquanto pessoa, merece ser tratado com respeito e igualdade, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero.

Em continuidade, os Princípios de Yogyakarta (2006) informam que:

Princípio 5. Toda pessoa, independente de sua orientação sexual ou identidade de gênero, tem o direito à segurança pessoal e proteção do Estado contra a violência ou dano corporal, infligido por funcionários governamentais ou qualquer indivíduo ou grupo.

Princípio 7. Ninguém deve ser sujeito à prisão ou detenção arbitrárias. Qualquer prisão ou detenção baseada na orientação sexual ou identidade de gênero é arbitrária, sejam elas ou não derivadas de uma ordem judicial. Todas as pessoas presas, independente de sua orientação sexual ou identidade de gênero, têm direito, com base no princípio de igualdade, de serem informadas das razões da prisão e da natureza de qualquer acusação contra elas, de serem levadas à presença de uma autoridade judicial e de iniciarem procedimentos judiciais para determinar a legalidade da prisão, tendo ou não sido formalmente acusadas de alguma violação da lei.

Princípio 9. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com humanidade e com respeito pela dignidade inerente à pessoa humana. A orientação sexual e identidade de gênero são partes essenciais da dignidade de cada pessoa.

Essas definições deixam claro que o mais importante é a inclusão das pessoas com orientação sexual ou identidade de gênero diferenciada dos demais. Orientação sexual tem o significado importante na medida em que se tornaram conhecidos internacionalmente: “Orientação sexual é entendida como a capacidade de toda a pessoa ter atração sexual, emocional e afetiva, incluindo relações sexuais e de intimidade por outras pessoas do mesmo gênero, de outro gênero ou mais de um gênero.” (LENNOX; WAITES, 2016, p. 33).

Da mesma forma, o debate em torno da identidade de gênero é essencial para identificar aqueles discriminados pela sua sexualidade. Identidade de Gênero é entendida

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como a capacidade que cada pessoa tem de sentir interna e individualmente sua experiência de gênero, a qual pode ou não corresponder com o sexo atribuído no nascimento, incluindo também a percepção pessoal do próprio corpo (que pode envolver, se livremente escolhido, a modificação da aparência corporal ou funcional por meios médicos, cirúrgicos ou quaisquer outros meios) e outras expressões de gênero, incluindo o modo de vestir-se, de falar e outros trejeitos (LENNOX; WAITES, 2016, p. 33).

1.3.2 Discriminação por gênero e a dignidade humana

A dignidade da pessoa humana em relação à comunidade LGBT foi, de forma lenta e gradual, ganhando mais visibilidade com o desenrolar da história da humanidade, tendo em vista a intensa luta na defesa de novas liberdades e reconhecimento das demais identidades de gêneros e orientações sexuais. “Diante das atrocidades cometidas aos seres humanos durante o Regime do Terceiro Reich, na Alemanha, especialmente para com os judeus, comunistas, homossexuais, ciganos, pessoas com deficiência e demais minorias, os Estados criaram a ONU como uma verdadeira liga para a paz mundial.” (GORISCH, 2014).

Ratificando esse entendimento, Flávia Piovesan (2008, p. 4) explica que:

É nesse cenário que se desenha o esforço de reconstrução dos direitos humanos, como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional contemporânea. Ao cristalizar a lógica da barbárie, da destruição e da descartabilidade da pessoa humana, a Segunda Guerra Mundial simbolizou a ruptura com relação aos direitos humanos, significando o pós-Guerra a esperança de reconstrução desses mesmos direitos.

Assim, percebe-se que os eventos catastróficos que marcaram a história da humanidade foram os estopins para a busca pela proteção da dignidade humana.

A dignidade da pessoa humana consiste na proteção dos indivíduos contra ações que possam interferir em suas liberdades pessoais ou que violem sua dignidade simplesmente por ser uma pessoa de raça, cor, religião, orientação sexual ou identidade de gênero divergente daquela imposta pela sociedade patriarcal.

A primeira Resolução de defesa dos direitos das pessoas LGBTs foi aprovada pela ONU apenas em 14 de junho de 2011, tendo sido editada uma Resolução no Conselho de

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Direitos Humanos, apresentada pelo Brasil e África do Sul, denominada “Direitos Humanos, orientação sexual e identidade de gênero”.

Nessa Resolução, entre as importantes ações, está a solicitação de um estudo sobre leis discriminatórias e atos praticados com motivação homofóbica, posto que esse levantamento permitirá vislumbrar como a lei internacional de direitos humanos será útil para o fim desta violência.

Destaca-se que uma Resolução internacional somente se torna obrigatória após a aceitação expressa ou tácita do Estado-membro. Na Resolução em comento, sobre os Direitos Humanos, a orientação sexual e a identidade de gênero, como visto alhures, o Brasil foi um dos apresentantes originais. Dessa forma, como a Resolução partiu do próprio Brasil, tem aceitação tácita do Estado brasileiro, nos termos da prevalência dos Direitos Humanos, no artigo 4º, inciso II, da Constituição Federal. Assim, compete ao Brasil reconhecer a Resolução e instituí-la por meio de mecanismos protetivos, como políticas públicas de proteção às pessoas LGBTs. (SIQUEIRA; MACHADO, 2018).

Todos os indivíduos da comunidade LGBT, em especial os transexuais e transgêneros, sofrem preconceito e discriminação frequentemente em seu cotidiano, seja pelos seus corpos, ou jeito de vestir, de falar e de agir.

No Brasil, ainda há invisibilidade dos indivíduos da comunidade trans, os quais são, constantemente, alvo de insultos nas ruas e nas redes sociais, onde os discriminadores podem propagar ofensas utilizando-se de um perfil anônimo.

Ademais, as palavras de Lourdes Bandeira e Anália Soria Batista (2002):

É comum as pessoas terem algum tipo de preconceito não declarado, porque têm vergonha ou porque têm medo de serem criticadas ou até mesmo excluídas de certos grupos. Isso as leva a disfarçarem o preconceito, justificando racionalmente certos comportamentos que poderiam ser qualificados de discriminatórios. É nesse contexto sombrio que o preconceito discrimina e dá margem a práticas de violência, pois, seja pela sua onipotência ideológica, seja pela sua insolência mediática, acaba fomentando relações sociais hostis e violentas. O risco é que o preconceito pode ser suscetível e acabar se voltando contra seu portador, vítima ele/ela próprio/a do que nele não é digno de humanidade.

Percebe-se que “a sociedade é composta de pessoas ligadas por características físicas, culturais, sociais, econômicas e religiosas que, em virtude de sua vulnerabilidade social, não

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têm voz e necessitam de tutela especial dos direitos humanos.” (SIQUEIRA; MACHADO, 2018, p. 188).

São necessárias reflexões acerca da situação desumana e degradante à qual estão submetidos os indivíduos trans, principalmente no que tange aos encarcerados, uma vez que o Estado não tem criado normas efetivas para o combate da discriminação e do preconceito sofridos por aqueles que não se enquadram no padrão da sociedade.

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2 AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS DA COMUNIDADE TRANS NO BRASIL

Quando se aborda a afirmação dos direitos e garantias fundamentais da comunidade trans no Brasil, é imprescindível relembrar que os direitos fundamentais consistem em faculdades atribuídas aos cidadãos pelo ordenamento jurídico, no caso a Constituição Federal de 1988 e, nesse contexto, a pretensão desse capitulo é tratar sobre a transformação cultural-social como coibição a violência contra a comunidade trans.

Em um ambiente social como o que se vive hoje, cada vez mais complexo e caracterizado pela pulverização de diferentes gêneros, o debate que ora se trava é com relação a abrangência dos direitos e garantias constitucionais fundamentais, e, principalmente, do direito fundamental à identidade de gênero e diferentes aspectos em relação a orientação sexual, para demonstrar que a normatização constitucional na perspectiva dos direitos fundamentais não discrimina nenhuma pessoa que convive ou vive no território nacional.

Por último, desenvolve-se sobre os direitos fundamentais da comunidade trans com a finalidade de demonstrar que estes, enquanto instrumentos positivos, possibilitam e promovem a liberdade, igualdade e o respeito para com todos os cidadãos, independente de classe, raça, cor e gênero.

2.1 Transformação cultural-social como coibição à violência contra a comunidade trans

Violências físicas, psicológicas e simbólicas são constantes. De acordo com a organização Internacional Transgender Europe, no período de três anos, entre 2008 e 2011, trezentas e vinte e cinco pessoas trans foram assassinadas no Brasil. A maioria das vítimas são as mulheres transexuais e as travestis. Até meados de 2012, segundo levantamento do Grupo Gay da Bahia, noventa e três travestis e transexuais foram assassinadas. Essas violações repetem o padrão dos crimes de ódio, motivados por preconceito contra alguma característica da pessoa agredida que a identifique como parte de um grupo discriminado, socialmente desprotegido, e caracterizados pela forma hedionda como são executados, com várias facadas, alvejamento sem aviso, apedrejamento. O termo “transfobia” tem sido utilizado para se referir a preconceitos e discriminações sofridos pelas pessoas transgênero, de forma geral.

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Um ponto basilar para preservar o respeito e a aceitação das diferenças identitárias e sexuais entre os indivíduos é entender as terminologias que abrangem o universo LGBT. Muito se fala em “opção sexual” quando se refere à orientação sexual, dando a entender que a pessoa escolhe sua sexualidade de forma não natural.

2.1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana e a correlação com o direito fundamental à identidade de gênero

A dignidade da pessoa humana deve ser resguardada a cada ser humano, a fim de tutelar pela sua integridade física, psíquica e ético-espiritual. Como logo será abordado, diferente da orientação sexual – que se dá na forma biológica – a identidade de gênero é social; trata-se da maneira como a pessoa se percebe e se expressa diante da sociedade.

Dessa forma, assim como a dignidade humana, o direito à identidade de gênero deve ser resguardado, em âmbito de tolerância, para que a pessoa possa usufruir de uma vida digna e sem discriminação, podendo ser e se expressar da forma que a faz se sentir livre e bem consigo mesma.

Nesse ponto, Carolina Souza Dias Gerassi e Patrícia Cristina Brasil (2019, p. 22) pontuam que:

[...] A construção desta gama de direitos - direito a uma vida digna, que se desdobra em um leque de outros direitos mais específicos, dentre os quais os direitos de personalidade, que desembocam no direito à autodeterminação da identidade de gênero – é produto de uma análise sistemática das garantias individuais constitucionais, mas por si só não padroniza o tratamento das questões jurídicas oriundas da viabilidade da mudança de sexo física (cirurgias e tratamentos hormonais de adequação sexual) e jurídica (registro de nascimento). No mais, a verdade é que há sim uma parcela no ‘universo

trans’ (que inclusive é universo, por sua diversidade intrínseca) que entende

que a correção da discrepância entre o sexo biológico e sexo psíquico, é o

greencard para a "normalidade". Essas pessoas vivem o dualismo

"homem-mulher" como única realidade e isso contraria o que a comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) defende, que é a liberdade para viver a diversidade sexual sem discriminação.

Nessa perspectiva, para atingir a eficácia do princípio absoluto da dignidade da pessoa humana, necessário que o indivíduo disponha da liberdade de autodeterminação e que sejam garantidos seus direitos de personalidade, de forma que seja incluído na sociedade como sujeito de direitos e não como um ser anormal.

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