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Relata-se, a seguir, denúncias de violação dos direitos fundamentais da comunidade LGBT constante no documentário “Passagens: ser LGBT na prisão”, produzido pela ONG Somos – Comunicação, Saúde e Sexualidade durante a realização do projeto ‘Passagens – Rede de Apoio a LGBTs nas Prisões’, de julho a dezembro de 2018, financiado pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos, percorreu os estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Mato Grosso, São Paulo e Ceará.

A experiência das lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, que cumprem pena no sistema penitenciário nacional mostra uma realidade altamente desumana e violadora dos direitos mais básicos do ser humano, decorrente da atuação não apenas dos agentes penitenciários e diretores do presidio, mas, principalmente, pela falta de condições estruturais dos presídios e das celas nas quais são segregados.

Nesse sentido, comentários tecidos pela Agência de Notícias da AIDS (2019), em reportagem datada de 21 de julho de 2019, sobre o documentário supramencionado são deveras estarrecedores:

As violências vivenciadas por lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais que estão cumprindo pena no sistema carcerário no Brasil são múltiplas e desencadeadas por diversos fatores, que vão desde a ausência de uma ala específica para essa comunidade ao modo como são tratados pelos agentes públicos que atuam nos presídios e violentados por outros presos. Ter o cabelo raspado, não poder realizar tratamento com hormônios, não ter acesso a exames médicos, sofrer assédio em troca de comida e ter o corpo violado por meio de agressões ou estupros são algumas das violências enfrentadas pelos LGBTs presos no Brasil.

Do exposto, percebe-se que muitas das situações vivenciadas pela comunidade trans evidenciam que as casas prisionais brasileiras não são adaptadas para recebê-los e, desse modo, há uma constante violação dos direitos fundamentais assegurados pelo texto constitucional.

O documentário que ora se analisa percorreu os estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Mato Grosso, São Paulo e Ceará, nos quais “realizou entrevistas com presos LGBTs, trabalhadores penitenciários, diretores de presídios, ativistas e pesquisadores de cada uma das casas prisionais”, ressaltando-se que apenas as entrevistas dos presos LGBTs.

Segundo a maioria dos entrevistados, a violência sofrida pela população LGBT não é diferente em nenhuma das penitenciarias visitadas nos cinco estados visitados. A primeira dificuldade ressaltada diz respeito às mazelas de ser uma pessoa diferenciada das demais pela sua orientação sexual e identidade de gênero. Inclusive, Caio Klein, advogado da ONG SOMOS, informa que:

Em alguns lugares as dificuldades das pessoas LGBTs eram as mesmas da massa carcerária, como a alimentação ser pouca ou de péssima qualidade, não ter acesso a remédios, viver em condições insalubres. É a falta de acesso às políticas básicas nos campos da saúde, da educação e trabalho. (AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA AIDS, 2019).

Denota-se, portanto, que os problemas referentes a comunidade trans não muda de um estado para o outro e ficou muito claro que as situações narradas no documentário apontam o quanto é difícil para uma pessoa nessas condições acessar as políticas básicas na área da educação, saúde e trabalho.

Um ponto que chama muita atenção nesse documentário é que, no Brasil, as mulheres transexuais e travestis ainda são encaminhadas para presídios masculinos, enquanto homens transexuais são levados para presídios femininos, o que gera ainda mais violência, pois, segundo Klein (AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA AIDS, 2019), “[...] é comum que as pessoas sejam impedidas de terem acesso a roupas de acordo com o gênero com o qual se identificam e que mulheres trans e travestis tenham o cabelo cortado”, corroborando com a violação da dignidade da pessoa humana.

Nesse contexto, é fundamental referir que a comunidade trans fica à mercê dos homens que cometem contra ela violência sexual. Ademais, é importante referir que as denúncias efetuadas pelas pessoas LGBT são subnotificadas e não constam nos relatórios oficiais do Departamento Penitenciário Nacional.

Para corroborar o exposto, Klein afirma que:

[...] além das denúncias feitas pela população carcerária LGBT, o projeto, que também entrevistou os agentes públicos, percebeu que alguns servidores achavam que não era obrigação deles pensar sobre esses assuntos, mas que outros queriam atender com dignidade as pessoas LGBTs e afirmavam não terem sido ensinados a respeito. “Acreditamos que pensar a educação para os direitos humanos e para diversidade sexual e de gênero deve passar pela formação do servidor público. Tem que ser uma formação que é

emancipatória para questão de gênero, de sexualidade, para tratar de todas essas questões, tanto de gênero quanto de etnia, já que a maioria da população presa é negra.” (AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA AIDS, 2019).

No documentário até aqui comentado, a entrevistada Bianca Sabrina da Luz, que se encontra no Centro de Ressocialização de Cuiabá/MT, afirma que a sua passagem por essa penitenciaria está sendo diferente, porque, nos demais presídios pelos quais passou, não havia ala especifica para pessoa com identidade de gênero diverso do masculino e feminino. (Registro do doc). Da mesma forma, Gabrielly França, da Penitenciaria Major Eldo de Sá de Rondópolis/MT, faz o seu relato enfatizando que, nos lugares onde cumpriu pena, não haviam alas “arco íris”, como na atual penitenciária, informando que, nas demais, sofria diversas violações, como agressão física, sexual e psicológica.

Da mesma forma, Brenda Pires, homem trans cumprindo pena na penitenciaria feminina Madre Pelletier de Porto Alegre/RS, relatou que, desde muito cedo, já sentiu preconceito, tanto na família quanto no trabalho, pois vestia-se como menino, muito embora tenha nascido como sexo feminino. Hoje, nesse complexo penitenciário feminino, sofre preconceito por parte das agentes penitenciarias e das mulheres que trabalham na cozinha, por não aceitarem a sua identidade de gênero, sendo que ofendem sua dignidade chamando-o de nomes pejorativos, como “machorra”.

Constata-se que os relatos não divergem quanto à discriminação sofrida nas casas prisionais, sejam elas masculinas ou femininas, verificando-se, assim, que há falta de políticas sociais voltadas à inclusão social da comunidade trans, bem como espaços destinados a ela para que possam cumprir sua pena com dignidade.

Identifica-se na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 527 –, que a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) protocolou no STF, em 2018, a decisão do Ministro Luiz Roberto Barroso, que determinou, à época, que duas pessoas identificadas como travestis fossem colocadas em estabelecimentos prisionais compatíveis com sua identidade de gênero. Ambas estavam presas desde dezembro de 2016 na Penitenciaria de Presidente Prudente de SP (STF, 2019).

Em sua decisão, o Ministro Barroso citou a Resolução Conjunta nº 1, de 15/2014, do Conselho Nacional de Combate à Discriminação, que trata do acolhimento de pessoas LGBT em privação de liberdade no Brasil, que será posteriormente abordado.

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