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Mazarém, cirurgião erudito, chefe da enfermaria de partos do Hospital São José e professor da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, aliou uma ex- tensa prática às teorias médico-científicas vigentes em fins do século XVIII

e primeira metade do século XIX. Suas publicações revelam um cirurgião

que não permaneceu restrito a reproduzir os tratados de obstetrícia, mas alguém que no cotidiano do hospital fez das enfermarias o seu laboratório, testou a validade dos tratamentos, realizou autópsias em mulheres que morreram das doenças intercorrentes do parto e pôde conjugar os sinais externos das doenças com o exame no interior dos órgãos e tecidos. Suas experiências clínicas e suas publicações constituem uma síntese da nas- cente obstetrícia portuguesa nas primeiras décadas do século XIX.

Por sua trajetória profissional pode-se concluir que Mazarém foi um mediador entre o saber científico da arte obstetrícia e o saber empírico das tradicionais parteiras. No manual Recopilação da Arte dos Partos... o ci- rugião defendeu a instrução das parteiras mas não a destituição do seu lugar na arte de partejar, o que nos leva a relativizar a afirmação do acir- rado conflito entre parteira e cirurgiões em Portugal.

Outras vozes antecederam a de Mazarém em defesa de posição seme- lhante, como a da parteira Sarah Stone que em 1737, no livro A Complete

Practice of Midwifery, percebeu a importância da instrução das parteiras

para enfrentarem as mudanças que começavam a se desenhar no pano- rama das artes sanitárias. Stone chamou atenção para a necessidade das suas congêneres se dedicarem mais «ao estudo da arte» e aprenderem a «parte difícil do seu negócio», pois a modéstia do sexo feminino estava ameaçada por aqueles «jovens cavalheiros (...) com a pretensão de que seus conhecimentos excedem o de qualquer mulher, porque eles viram ou foram a um curso de anatomia» (Stone 1737, XI).

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