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A compreensão da noção de região empregada neste trabalho permite extrapolar os limites e fronteiras de um município, pensando sua história local a partir de todos os sujeitos que por ali já passaram. Dessa forma, a história da cidade de Telêmaco Borba, em relação ao histórico publicado no site da Prefeitura Municipal, não teria início somente em 1941, com a compra das terras correspondentes à Fazenda Monte Alegre pela família Klabin, mas é anterior, pois por ali passaram indígenas, bandeirantes, tropeiros, sesmeiros, trabalhadores... Entretanto, como visto na primeira parte do trabalho, as relações políticas e de poder estabelecidas pelo grupo Klabin contribuíram à “inauguração” do local com a chegada do empreendimento.

Para manter-se enquanto detentor do poder, o grupo Klabin precisava afirmar sua posição de construtor da “realidade”. Assim, o jornal de propriedade de Horácio Klabin desempenhou papel fundamental nesta manutenção. Em igual medida, para o jornal O Tibagi também era necessário garantir seu lugar de enunciador, firmando um contrato de leitura com o público, para, então, produzir efeitos de sentido. Assim, as estratégias utilizadas na construção de sua imagem para a população montealegrense foram a autorreferência e a heterorreferência.

Os discursos de autorreferência e heterorreferência aqui analisados tratavam de temas locais e regionais, permitindo inferir a respeito da visão do grupo e as estratégias argumentativas por ele utilizadas. Esses discursos visavam preencher a população de sentidos, buscando formar uma visão homogênea sobre a história local. Assim, as narrativas disseminadas tratavam: de enaltecer o lugar e a empresa; do desenvolvimento de Cidade Nova, conotando seu surgimento à Horácio Klabin, que por este e outros motivos seria digno da gratidão da população; da contribuição da Klabin no incremento do estado e da nação; do desenvolvimento industrial local, visando atrair trabalhadores e investidores; da benevolência da Klabin com seus feitos assistencialistas em relação aos seus empregados; da constante presença de personalidades ilustres no local, conotando prestígio à Monte Alegre; da modulação de comportamentos, bem como do relacionamento entre patrões e empregados. Tais discursos preenchiam os leitores de O Tibagi, contribuindo à formação de sentidos sobre o local e o regional, e, sobretudo, sobre sua própria identidade, pois filiavam-se a esta narrativa, que por ter sido publicada no jornal – que já tinha estabelecido seu lugar de

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enunciador por meio de estratégias discursivas/ estratégias de imagem – ganha conotação de verdadeira, oficial.

Para que tais estratégias argumentativas produzissem sentidos, a história anterior à indústria foi “esquecida”430 para dar lugar a uma outra, construída, sistematizada discursivamente conforme interesses particulares. Há aí, no lugar do resgate passado, a instauração de uma história, inaugurada com a chegada da indústria, do novo, do moderno ao lugar – em conformidade com os ideais da época. O que faz o discurso disseminado pela Klabin por meio do jornal O Tibagi é a criação de uma nova tradição, “ele re-significa o que veio antes e instituiu aí uma memória outra” (ORLANDI, 2003, p.13), desautorizando o sentido anterior. Nesta prática, “instala-se uma outra ‘tradição’ de sentidos que produz outros sentidos neste lugar” (ORLANDI, 2003, p.13), que ao tornar-se familiar, a história passa a ser percebida enquanto evidente, que foi assim e que só poderia ser daquele jeito431.

Se, por ventura, as menções feitas à cidade de Tibagi e ao passado anterior à chegada dos industriais tivessem um sentido de filiação432, e não fossem considerados principalmente acontecimentos curiosos dignos de nota pela peculiaridade que tem433, certamente a identidade do cidadão telemacoborbense seria outra.

Acredita-se, dessa maneira, que a influência do jornal O Tibagi à construção do discurso fundador de Telêmaco Borba não está no fato deste publicado uma história sistemática sobre o local, porque não o fez. Antes trata-se do não contar, do não-dizer, que também é necessário para que o sentido que se pretendia dar fizesse sentido. É justamente esta ausência de filiação ao passado que contribui à familiarização com outros discursos. A disseminação de narrativas sobre a chegada do progresso àqueles “sertões”, entre outras estratégias argumentativas já exploradas, emprestou sentido à criação de uma nova história

430Orlandi (2012), pautada nos escritos de M. Pêcheux (1975), apresenta dois tipos de esquecimento: o ideológico e o enunciativo. O primeiro trata de uma forma de esquecimento, muitas vezes inconsciente, e passa a compor o sentido a partir do modo pelo qual o sujeito é afetado pela ideologia. O segundo tipo de esquecimento, o enunciativo, faz com que os sujeitos, ao falarem, o façam de determinada maneira e não de outra, ou seja, esta forma de esquecimento está significando no dizer, mesmo que o enunciador não tenha percepção disso.

431 A esse respeito é possível dizer que “a história está ligada a práticas e não ao tempo em si. Ela organiza tendo como parâmetro as relações de poder e de sentidos, e não a cronologia: não é o tempo cronológico que organiza a história, mas a relação com o poder” (ORLANDI, 2008, p.42). Se a cronologia fosse o parâmetro determinante da organização da história de um determinado lugar, talvez a história oficial de Telêmaco Borba começasse muito antes e não em 1941, como oficializou a PMTB quando a publicação de seu histórico no site do município. 432Quando da organização da história “inaugural” da localidade, não houve filiação a acontecimento anteriores à chegada da Klabin ao lugar, mas que esta filiação foi feita e reforçada em relação às ações da própria indústria, pela indústria.

433 Para Orlandi (2008), existem momentos em que um discurso se faz passar por outro, ou seja, “apaga-se o discurso histórico e produz-se um discurso sobre a cultura. Com efeito deste apagamento, a cultura resulta num ‘exotismo” (ORLANDI, 2008, p.21).

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para o lugar, com data de inauguração: 1941, com a aquisição das terras correspondentes à Fazenda Monte Alegre pelas Indústrias Klabin. A partir de tais discursos, a identidade dos trabalhadores da indústria, oriundo de diversas partes do país e do exterior, já foi formada tributando a existência do lugar a partir da indústria. E, assim, vem passando de geração em geração esta “herança” histórica e identitária.

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