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4 ANÁLISE DA AUTORREFERÊNCIA E DA HETERORREFERÊNCIA

4.5 A autorreferência em O Tibagi

4.5.4 Realidade da construção

A autorreferência em relação à produção de notícias, à confeição do jornal em edições semanais e de aniversário, às primeiras colunas e como eram feitas, aos trabalhadores do jornal e suas funções, enquanto estratégia de imagem, contribui no firmamento do um contrato de fidelização entre o público e o jornal. Por meio desta estratégia de imagem, os mecanismos internos de funcionamento da imprensa são expostos com o intuito de dar visibilidade ao próprio fazer jornalístico, ao mesmo tempo em que busca a manutenção de seu lugar de produtor de sentido.

Foram identificadas, ao todo, 25 passagens que tratam deste tema, publicadas nos anos de 1950, 1954, 1958, 1959, 1962, 1963 e 1964. Como exemplo é interessante citar um trecho da Crônica da Cidade publicada em 1950:

A confeição de um jornal não é igual a história do pudim feito por mais de mil homens. Dá, entretanto, muito trabalho. Êle principia na redação. E varia muito: às vezes é difícil esse trabalho, e, às vezes, fácil. Depende das “inspirações”, pois nem sempre a gente está com vontade escrever, de criticar, e de “descer a lenha”. Que o digam os que escrevem.

Da redação, a matéria vai às oficinas, onde os tipógrafos entram em ação. Explicar o que é o serviço do tipógrafo é bem difícil. Basta dizer que os artigos, as notícias, etc. são compostas tipo por tipo.

Depois de composta a matéria, tira-se uma prova, a qual é enviada à redação, a fim de ser feita a primeira revisão. (...)

Feita a revisão, as provas voltam às oficinas para que se proceda a corrigenda necessária.

A paginação, que vem logo em seguida, requer esfôrço mental e bom gôsto artístico, pois o verdadeiro paginador faz da profissão uma arte. Concluída a paginação, o jornal está quase pronto, faltando sómente alguns acabamentos e a impressão. As páginas vão para o preto, e tira-se nova prova. Corrige-se. Calçam-se os “clichés”, quando os há. Verifica-se mais uma vez, se tudo está em ordem, e imprime-se (Parece até receita de bolo.) Vêm ainda a intercalação e a expedição. O jornal toma destino, e está finda a tarefa.

Nessa notícia o processo de produção acaba virando notícia e, com esta discursividade, é trazido para o familiar o não-familiar. Para Barbosa (2007), o texto permite ao seu leitor a “construir não só uma leitura, como o transporta para outro lugar” e acrescenta ainda que “os ambientes descritos são como que recriados, se inserindo ele mesmo naquela

176 Nesta categoria foram classificados os trechos das notícias de autorreferencialidade que fazem menção à realidade da construção. Como já visto, Luhamann chama de realidade da construção (ou autorreferência) o ato das mídias falarem de si mesmas. Neste trabalho todas as categorias de análise foram organizadas a partir dessa autoimagem. Esta categoria, que parece redundante, irá tratar especificamente da construção discursiva do “como somos feito”, na apropriação exata do termo.

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descrição, transformando-se, dessa forma, o texto, aprisionado pela sua leitura, numa vivência particular” (BARBOSA, 2007, p.126).

A tentativa de criar familiaridade na produção do jornal traz ao leitor a ilusão de conhecimento sobre a realidade de produção da própria notícia, como se ele tivesse experienciado por ele mesmo o processo de feitura do semanário. Tal sensação também é produtora da credibilidade depositada no trabalho do jornal e na construção das notícias, que não são entendidas como representações e sim como o que de fato aconteceu.

Outra notícia que corrobora para esta produção de sentido foi escrita por Hellê Vellozo Fernandes para o aniversário de O Tibagi, em 1958:

A hora de comemorar nosso 10º aniversário é irresistível voltar para trás, para os primeiros números de “O Tibagi”, naquele ano de 1948, que já vai tão longe. Abrimos o I volume da coleção, sentindo ao volver de cada folha o cheiro de papel guardado – atestando que vários anos se passaram. Lá está nosso primeiro número, com a Crônica Internacional, as notícias de Última Hora, a crônica dos médicos, os Esportes e nós, nas “Sociais”. Nem imaginavamos que nossa ação se estendesse por tantos anos...

O dr. Lauro Nery do Canto, colega desde a primeira edição, deixou-nos para sempre. Outros redatores foram embora. Novos chegaram. João Marenda, que logo surgiu com a sua seção de “Gramática e Literatura” foi o único da velha turma que permaneceu conosco.

Fizemos de tudo um pouco nestes dez anos; das Sociais a Culinária, de Modas a Conselho de Beleza, de Charadística a Novela Policial; de histórico de plantações a recensão de livros. Fomos repórteres e cronistas, críticos e comentaristas de variados assuntos.

Um jornal do Interior não pode se dar ao luxo de redatores especializados. A gente tem de se virar em dez, de ajudar um pouco ali, outro pouco acolá... Abandonamos seções que se tornaram desinteressantes; criamos outras, de existência efêmera, de acôrdo com os assuntos do momento. Pensamos sempre em sermos romancista. “O Tibagi” fez-nos cronista mesmo, por força das circunstâncias, do hábito, do que for...

Não podemos dizer, em sã consciência, que “fizemos jornalismo”. Mas realmente podemos afirmar que fizemos o que pudemos, não só dado nossa colaboração irrestrita como publicando nas páginas de “O Tibagi” trabalhos dos maiores prosadores e poetas do Paraná e do Brasil.

Um dos nossos fins foi sempre divulgar nossa literatura, a par do trabalho de noticiário social local. Este era indispensável; aquele, o mais importante.

Não nos limitamos a resenhas do movimento literário brasileiro, desde os tempos do Brasil Colônia mas procuramos os trabalhos dos contemporâneos, afim de oferecer aos leitores algo da literatura atual. Na a ano, procuramos melhor matéria, maior contribuição, melhor aperfeiçoamento. Com êsse espírito, nessa diretriz, apresentamos a edição especial do 10º aniversário177.

Importante levar em consideração quando da leitura do texto de Hellê Vellozo Fernandes que a autora estava ambientada ao mundo das letras e chegou a receber prêmios por seus romances históricos. Essa capacidade que a escritora e jornalista tem de descrever os acontecimentos primeiros acaba por seduzir o leitor, promovendo certa intimidade, que

177 FERNANDES, Hellê Vellozo. Apresentação. O Tibagi. Monte Alegre – Tibagi – Paraná, p.01 – segundo caderno, 30 de novembro de 1958.

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contribui ao processo de leitura, proporcionando a visualização do narrado e a sensação de veracidade.

Para o público-leitor, saber desse processo de seleção de temas pode contribuir em uma falsa ideia de realidade no discurso organizado pelo jornal. Sabe-se, através desta notícia, como foram organizadas as primeiras edições do jornal. Entretanto, se essa informação adquire um grau de abstração maior, pode se ter a errônea impressão de que se sabe a respeito de todo o funcionamento do jornal e de como tais “realidades” são construídas.

Às vésperas do processo de emancipação da localidade da Comarca de Tibagi – que em breve se tornaria o município de Telêmaco Borba –, a edição de 1963, Hellê Vellozo Fernandes, em sua Crônica de Aniversário, acusa o jornal de uma falha cometida: “este ano, preparando as notas e compilando trabalhos para a Edição Especial, reconhecemos uma falha: a falta de notícias de nossas escolhinhas do mato”178. Em seguida, faz a retratação, falando a respeito das referidas escolas e deixando uma mensagem às professoras: “continuem em seus postos, ensinando à nossa gente humilde. Mesmo que o trabalho de vocês signifique pouco no computo geral, há de ter alto valor na vida de cada brasileiro alfabetizado”179.

Observar as estratégias utilizadas nesta notícia é algo bastante interessante, visto que na tentativa de organizar sua imagem, o discurso aponta a si próprio um erro, o admite e o “reverte”. Tais colocações contribuem no extermínio de possíveis críticas180 que estavam sendo tecidas ao hebdomadário. Esta notícia permite inferir que o periódico, além de produzir efeitos de sentido em relação à realidade da construção, se coloca como incentivador do progresso nacional, através do estímulo à educação.

Ainda sobre a realidade da construção, é interessante observar as estratégias discursivas de Hellê Vellozo Fernandes:

Fim de ano é esta correria: filhos em exame lá em Curitiba e a gente sofrendo por êles aqui; provas nas escolas de mato, com os aluninhos de olho comprido tremendo de mêdo, diante das professoras de Lagoa; uma lista de coisas para comprar, apesar dos preços altos, que vão engolir todinho o décimo-terceiro salário. E a nossa Edição Especial – devoção sagrada, feita com amor, mesmo quando estamos aqui a cair de sono, em véspera de viagem, pensando que devemos sair lá pelas 5 da manhã, para chegar a tempo de assistir à cerimônia de entrega do certificado da conclusão do curso ginasial da Tuli...181

178 FERNANDES, H.V. Crônica de Aniversário. O Tibagi, Monte Alegre – Paraná, p. 02 – segundo caderno, 23 de novembro de 1963.

179 FERNANDES, H.V. Crônica de Aniversário. O Tibagi, Monte Alegre – Paraná, p. 02 – segundo caderno, 23 de novembro de 1963.

180 As referências às críticas tecidas ao jornal são feitas nas edições especiais de aniversário dos anos de 1951 (duas vezes), 1961 (três vezes) e 1962 (uma vez).

181 FERNANDES, Hellê Vellozo. Mensagem de Aniversário. O Tibagi – Monte Alegre – Tibagi – Paraná, p.02 – primeiro caderno, 15 de dezembro de 1962.

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O que se observa nesta passagem é o recurso à da exposição de fatos, de certa maneira, comuns ao público, enquanto tentativa de aproximação entre o jornalista – e, por extensão, o periódico – e seus leitores, (re)firmando o contrato entre estes.