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Capítulo VI. Análise de Variáveis Não Diretamente Observáveis: Influência na Tomada

6.4 Considerações Finais

As considerações finais que iremos apresentar reportam a importância a dar às variáveis e sua medida e à dimensão da amostra quando trabalhamos com variáveis que não são observáveis diretamente. Procuraremos também deixar algumas recomendações teóricas para serem usadas por jovens investigadores na área das ciências da saúde, especificamente na enfermagem, e nas ciências sociais. A análise dos aspetos teóricos e da investigação com variáveis não diretamente observáveis permite-nos dizer que as tomadas de decisão devem ser ponderadas no sentido de diminuir a margem de erro, seja ele de medida ou de análise de dados, pois a construção e aplicação de instrumentos compostos por estas variáveis é complexa e nem sempre compreendida.

Os estudos que seguem a teoria de Likert utilizam instrumentos cujas variáveis (itens) apresentam um número ímpar de classes de medida (cinco pontos) e a medida dos itens não é feita individualmente obtida pela soma das valorações dos mesmos (score), justificando a denominação de “escalas adicionadas” (summated scales). Esses

scores podem ser tratados estatisticamente como variáveis de tipo intervalar e, na sua

análise, pode ser equacionada a utilização de testes paramétricos ou não paramétricos. A discussão sobre o número de classes da variável (item) ser par (e.g., 4, 6) ou ímpar (e.g., 5, 7, 9) é considerada irrelevante. O mesmo não pode ser dito quanto se refere a sua classificação. Para que o formato de medida seja chamado de escala ou item de Likert, o seu número deve ser ímpar e o ponto central é um ponto neutro cujos extremos são opostos e simétricos (e.g., Discordo Completamente-1, Discordo-2, Nem discordo nem concordo-3, Concordo-4, Concordo completamente-5). O formato de medida que não cumprir este aspeto é chamado de tipo Likert, o que pode ser importante, sob o ponto de vista do rigor, quando se descreve a metodologia de um

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trabalho de investigação. Relativamente às dimensões que compõem a escala, a sua heterogeneidade pode originar problemas de fiabilidade e de validade, pelo que as recomendações apontam para um mínimo de três itens por dimensão, sendo o ideal entre cinco e vinte itens. Quanto ao número de classes por item, seja ele, par ou ímpar, alguns autores valorizam os instrumentos cujas variáveis apresentam um maior número de classes (cinco ou mais) em detrimento dos que apresentam três ou quatro classes, pois consideram que, quanto maior for o número de classes, maiores as possibilidades de resposta dos participantes e melhor a qualidade da soma dos itens, o que vai refletir-se na sua sensibilidade e fiabilidade. Mas na área da saúde, possivelmente devido a questões de aplicação prática destes instrumentos, o formato com três e quatro classes é utilizado com frequência.

Relativamente ao tipo de testes estatísticos, verificámos que a frequente utilização de testes paramétricos, mesmo quando não se cumprem as condições de aplicação, deve-se ao facto de alguns investigadores considerarem que ambos os testes são sensíveis à violação dos pressupostos com este tipo de variáveis, mas os paramétricos são mais potentes do que os não paramétricos. Se a análise passa por técnicas usuais de análise estatística como a análise da regressão ou a análise fatorial exploratória devem manter-se no mínimo, cinco observações por variável (item) no modelo. Mas, se optarmos por uma análise de equações estruturais, em que os dados são as correlações (ou as variâncias-covariâncias) entre as variáveis manifestas, teremos que manter um número mínimo de dez a quinze observações por variável no modelo.

A evidência científica mostra que a dimensão da amostra influencia de forma determinante a análise de dados. Assim, ao reportar os resultados de uma investigação, em que foram usados testes de hipóteses, o investigador deve incluir, além do nível de significância, uma medida de dimensão de efeito, a potência do teste e, dependendo da análise efetuada, intervalos de confiança para as estimativas dos parâmetros. Como as amostras de pequena dimensão podem originar resultados estatisticamente não significativos em situações em que têm significância prática e as de grande dimensão podem, ao contrário, originar resultados estatisticamente significativos, mesmo que sem significância prática, importa por isso que estejam expressos os resultados referentes quer à significância estatística quer à significância prática. A presença de resultados opostos nestes dois tipos de significância pode dever-se à dimensão da amostra, ao erro de tipo I e à potência de teste. Assim, na fase de planeamento da investigação, os investigadores menos experientes devem ter em atenção, por um lado, a escolha e a

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construção do instrumento (único ou com subescalas), o número de itens (variáveis) que o compõem e o formato de medida que lhe está associado. Por outro lado, devem estar atentos à dimensão da amostra (e.g., ter em atenção o número de observações por item) e decidir as técnicas estatísticas a utilizar com base nestes dois fatores. Importa realçar que na área das ciências da saúde e especificamente na disciplina de enfermagem deve haver uma atenção redobrada no que respeita à dimensão da amostra, sobretudo quando estamos perante amostras de pequena dimensão (doenças raras, etc.).

Algumas das dúvidas iniciais vão continuar por esclarecer, pois trabalhar com variáveis não diretamente observáveis é um problema real e ainda há muito trabalho a desenvolver para que mais recomendações possam emergir da pesquisa. Fica por isso a sugestão para que os profissionais de saúde e outros profissionais que usam este tipo de variáveis em investigação e na prática de cuidados se envolvam em projetos de investigação conjuntos. Isto possibilita, por um lado, que equipas multiprofissionais investiguem e discutam estas problemáticas sob diferentes pontos de vista e contribuam para o esclarecimento das dúvidas que ainda persistem e, por outro lado, que cada vez mais, os instrumentos usados nas práticas de cuidados sejam fundamentados na melhor evidência científica, pois só através do conhecimento que emerge da investigação e da sua apropriação pelos profissionais, se faz a otimização dos resultados em saúde e se favorecem as “boas práticas”.

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