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Ao longo de todo o nosso trabalho pudemos observar e analisar diferentes desdobramentos da escolha do antropomorfismo como forma de representação dentro do meio das histórias em quadrinhos. Completando, assim, o objetivo geral proposto pela pesquisa de explorar o antropomorfismo nas histórias em quadrinhos adultas. Como também os objetivos secundários de realizar um panorama histórico e artístico dessa forma de representação e de abordar duas obras, representativas do objeto, como estudos de casos. Recapitularemos a seguir alguns pontos importantes que caracterizam o antropomorfismo nos quadrinhos adultos.

Como vimos, de maneira geral, o antropomorfismo tem um papel Indicial nos quadrinhos. Os diferentes animais escolhidos pelos autores e artistas para compor seus respectivos personagens e universos, transmite e trabalha sobre uma variedade de informações simbólicas e biológicas de cada animal, já presentes dentro do imaginário do leitor. A partir dessas preconcepções, o artista tem toda a liberdade para distorcê-las, a sua vontade, criando assim o efeito desejado em seu leitor. A maneira como esses universos e personagens são trabalhados, e por consequência como o imaginário do leitor os recebe, talvez seja um dos elementos mais marcantes do quadrinho antropomórfico adulto. Enquanto as obras pensadas para um público mais jovem e infantil tendem a apresentar formas de representação mais universalistas, em que os traços animais dos personagens são amenizados para facilitar o processo de identificação, nas obras adultas há maior diversificação de graus de antropomorfismo que levam a resultados muito distintos. Por exemplo, nas obras que estudamos, Blacksad – Arctic Nation e Zé Gatão – Memento Mori, a composição mista dos personagens que trabalha tanto aspectos humanos como animais, associada ao traço gráfico detalhista e realista das duas obras não permite uma identificação entre personagem e leitor tão acentuada, dando assim mais singularidade e individualidade às criações desses artistas. No entanto, devemos ressaltar que essas não são as únicas possibilidades e que existem muitos quadrinhos adultos que utilizam os parâmetros universalistas estabelecidos pelos quadrinhos antropomórficos infantis. Podemos citar

obras como Fritz the cat que tem em seu protagonista um gato com poucos atributos visíveis do animal, além de sua aparência. No entanto, Robert Crumb habilmente compõe a individualidade de seu personagem por seu comportamento extravagante e imoral. Maus de Spiegelman também se baseia, a princípio, em personagens antropomórficos pouco animalizados oferecendo ao leitor a possibilidade de se identificar com a obra. Porém, ao colocar a relação presa e predador e por trabalhar diferentes campos simbólicos, assim como por se tratar de uma obra autobiográfica, o seu trabalho alcança uma complexidade e profundidade ímpar.

Ainda seguindo as classificações de elementos narrativos de Roland Barthes, que vimos ao longo do trabalho, o papel Funcional que pode, ou não, assumir o antropomorfismo é geralmente menor do que o Indicial que está sempre presente. Alguns quadrinhos e animações clássicas como Tom & Jerry e o Papa-Léguas são alguns exemplos de obras que baseiam toda a sua trama narrativa na relação da presa e do predador. Essa relação é um bom exemplo do papel funcional que pode assumir o antropomorfismo. Curiosamente em quadrinhos infantis, mais universalistas, como Mickey Mouse ou Pato Donald essa relação é inexistente, porém em outras obras juvenis em que o personagem é mais animalizado essa rivalidade é muitas vezes exacerbada, como é o caso no já mencionado Tom & Jerry. No caso dos quadrinhos antropomórficos adultos essa relação se faz mais rara ou ela é fonte de humor como no caso de Krazy Kat em que ela é invertida. O principal motivo, pelo qual ela não é tão explorada por autores que se dedicam ao quadrinho adulto, pelo menos em sua forma linear, pode ser a sua falta de complexidade e seu distanciamento com a realidade do leitor. Afinal, não temos predadores naturais e somos assim mais propensos a nos espelhar em tramas movidas por sentimentos e ambições mais humanas. Assim o antropomorfismo nos quadrinhos adultos pode, por um lado, se basear em personagens de composição mais mista que possuem tanto atributos animais realçados como humanos, porém, por outro lado a grande maioria aborda tramas, questionamentos e preocupações essencialmente humanas oferecendo ao leitor pontos de convergência com sua realidade, apesar de seus personagens fantasiosos.

Essa característica remete diretamente às fábulas e suas morais e ensinamentos. Como vimos no panorama histórico, ao longo dos séculos as fábulas foram continuamente associadas à didática e por consequência com o universo infantil, enfatizando os seus animais falantes através de muitas ilustrações. No

entanto, o seu conteúdo e ensinamentos baseavam-se em preocupações e interpretações mais adultas sobre o mundo e a sociedade. Portanto, pode-se afirmar que o antropomorfismo nos quadrinhos adultos tem esse elo profundo com as fábulas. Oferecendo como elas preocupações e ambições humanas a partir de um prisma mais distante e natural. Apoiando-se tanto no texto quanto na imagem para transmitir as suas narrativas.

Nesse sentido, entender o antropomorfismo nos quadrinhos adultos é compreender a necessidade constante do homem de observar e assimilar o mundo ao seu redor sob os seus parâmetros. Assim, o antropomorfismo não encarna apenas nossos aspectos físicos e comportamentais em animais, plantas ou objetos, mas também nossas virtudes e vícios que nos caracterizam como humanos. Tomamos a simbologia e alguns atributos biológicos desses animais para expormos de maneira mais direta e universalista a nossa visão de mundo. E ao animal não transpomos unicamente nossa humanidade, mas também os nossos valores sociais e toda a nossa complexidade.