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CONSIDERAÇÕES FINAIS: apontando possibilidades

Me sinto só Mas sei que não estou Pois levo você no pensamento Meu medo se vai Recupero a fé Você me faz querer viver E o que é nosso Está guardado em mim e em você E apenas isso basta

(Música composta pelo guitarrista Gee, da banda NXZero, para seu pai, que morreu assassinado quando ele era criança)

O objetivo desta pesquisa foi estudar vivências de luto em adultos pela perda de suas mães na infância e como podem ser ressignificadas em outros momentos da vida. Para isso entrevistei seis adultos que perderam a mãe na infância, transcrevi as narrativas e as analisei individualmente e em conjunto e, pouco a pouco, algumas categorias temáticas foram se delineando e, dentro destas categorias, o tema da ressignificação. Acredito que este estudo alcançou os objetivos propostos.

Observando este pequeno parágrafo em que relato como cheguei ao objetivo proposto, parece que o caminho trilhado foi plano e sem obstáculos. Porém, o caminho que percorri foi cheio de percalços e entraves, alguns internos, outros externos, e que em certos momentos me surpreenderam. Um destes entraves foram meus preconceitos.

Quando iniciei esta pesquisa minha idéia era estudar os impactos gerados na vida de adultos que perderam pais na infância, esperando encontrar principalmente conseqüências negativas nas vidas destas pessoas. No entanto, com a realização das entrevistas comecei a perceber que minhas idéias estavam impregnadas de preconceitos. Após as análises individuais e o entrelaçamento das narrativas, percebi que realmente

estava equivocada, pois cheguei a um aspecto que hoje considero importante, o não- determinismo.

Assim, a primeira consideração que trago é sobre este aspecto. Não foi possível estabelecer se as vivências passadas desencadearam mais características pessoais positivas ou negativas na vida dos adultos entrevistados, pois há uma mescla bastante diferenciada delas no relato de cada um. E, mesmo entre os que demonstram ter maior dificuldade de lidar com a dor da perda, foi possível observar diferentes formas de conviver com sua dor escondida de maneira que puderam continuar a se desenvolver, sem apresentar distúrbios psiquiátricos ou desajustamentos sociais. Não é possível determinar como uma criança que perdeu a mãe na infância vai ser quando adulta, já que há inúmeras variáveis presentes em cada história individual, não sendo possível fazer previsões. É preciso cuidado para não rotular ou estigmatizar estas crianças e adultos. Um exemplo de estigma social que pode existir em mulheres que cresceram sem mães é acreditar que terão dificuldades de exercerem a maternidade, este é um preconceito, que muitas vezes estas próprias mães absorvem, passando a se preocupar de maneira excessiva se estão sendo ou não boas mães.

Um segundo aspecto que pude perceber é que os entrevistados que haviam passado por caminhos de ressignificação e haviam enfrentado sua dor pela perda da mãe e pelas situações decorrentes dela – haviam refletido, verbalizado, expressado, participado de rituais de enlutamento significativos, entre outros –, estes se mostraram com menor medo de falar da dor, ou de revivê-la se esta viesse à tona. Aqueles que apresentaram um comportamento de fuga em relação à reflexão e ressignificação de eventos de suas vidas, demonstraram ter medo de sentimentos negativos do passado retornarem. O primeiro grupo de entrevistados demonstrou ainda ter maior integração, considerando tanto os aspectos positivos quanto negativos de suas vivências; enquanto o

segundo grupo pareceu focar a atenção principalmente nos aspectos negativos, ou principalmente nos positivos.

Diante disso, compreendo ser importante lidar com experiência de perda e sua dor, para poder ressignificá-las, enxergando-as de maneiras diferentes, e assim integrá- las à vida, podendo assim fazer as pazes com o passado, não precisando fugir e viver com medo. Assim, a partir da ressignificação da perda e da dor, tem-se crescimento e fortalecimento.

E a terceira consideração a se destacar é a permanência do vínculo com a mãe falecida. Todos os participantes que procuraram meios de ressignificar a vivência de perda foram em busca de mais lembranças relacionadas à mãe e maneiras de continuar vinculado a ela. Foi possível perceber que este comportamento não era sinal de patologias psíquicas, mas sim algo que os ajudou a lidar com a ausência da mãe e a redefinir o relacionamento com ela, integrando-o em suas vidas, não da mesma forma como era quando estava viva, mas ainda como figura importante e significativa em suas histórias.

Baseando-me nestes três aspectos observados, apresento então algumas orientações aos familiares e pessoas próximas a crianças e adultos que perderam prematuramente suas mães e, ainda, aos profissionais de saúde, principalmente aos da área da saúde mental, que trabalham junto a estas pessoas.

A primeira diz respeito à importância de não estabelecer pré-julgamentos diante dos fatos ocorridos nas vidas destas crianças e adultos, pois a perda marca a vida destas pessoas, porém nada pode ser visto como fato determinante da maneira como irão se desenvolver.

A segunda é proporcionar escuta atenta e acolhedora que incentive, sem forçar, estas pessoas a falarem e expressarem seus sentimentos relacionados à perda, dando

liberdade para o fluxo de sentimentos como raiva, culpa, alívio, entre outros que podem não ser esperados. Com essa ajuda, poderão então ressignificar suas vivências, podendo vê-las não somente como perda e dor, integrando-as às suas vidas.

E a terceira seria respeitar e aceitar a nova forma de relacionamento que os filhos têm com as mães perdidas, visto que neste e em outros trabalhos a continuidade do vínculo tem sido observada como aspecto importante para o enfrentamento da perda. E, quanto à possibilidade de estudos futuros, encontrei poucas pesquisas qualitativas a respeito desta temática, assim, acredito ser importante o aprofundamento de estudos qualitativos no tema das vivências prematuras de perda de mães, para que se observe com mais clareza as variáveis envolvidas nesta situação. E ainda, os efeitos de intervenções junto aos enlutados, crianças ou adultos, que perderam os genitores em idade precoce se constitui também em uma questão importante para pesquisas futuras, a partir das quais será possível desenvolver outras maneiras de ajudar estas pessoas. Outro tema ainda que considero significativo e que necessita de maiores investigações é a diferença entre se perder pai ou mãe, e se a mudança nos papéis da mulher e do homem na sociedade contemporânea tem repercutido sobre o exercício da paternidade e maternidade.

E, por fim, gostaria de assinalar que o processo que vivi na construção deste trabalho foi intenso e me levou a inúmeras ressignificações de aspectos da minha história, trazendo-me aprendizado e crescimento bastante significativos. Espero que este estudo possa também contribuir para reflexões entre os profissionais de saúde e na sociedade no sentido de minimizar o estigma social em relação a crianças e adultos que perderam suas mães de maneira prematura. E, que possa ainda, incentivar esforços para auxiliar pessoas enlutadas em direção a maior comunicação e expressão de sentimentos

relacionados à perda por morte, acreditando que um acolhimento adequado pode ajudar a lidar com essa dor e crescer por meio dela.

"De tudo ficaram três coisas: a certeza de que estamos sempre recomeçando, a certeza de que precisamos continuar, a certeza de que seremos interrompidos antes de terminar. Portanto, devemos fazer da interrupção um caminho novo, da queda, um passo de dança, do medo, uma escada, do sonho, uma ponte, da procura, um encontro.”

Fernando Pessoa