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1) INTRODUÇÃO: compartilhando possibilidades teóricas

1.4. Um olhar Centrado na Pessoa

“A experiência mostrou-me que as pessoas têm, fundamentalmente, uma orientação positiva.[...] Acabei por me convencer de que quanto mais um indivíduo é compreendido e aceito, maior tendência tem para abandonar as falsas defesas que empregou para enfrentar a vida, e para progredir num caminho construtivo.” (Rogers, 1961/2001, p.38)

A Abordagem Centrada na Pessoa

A Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), fundada por Carl Rogers, rendeu contribuições nos campos teóricos e metodológicos da Psicologia e das ciências afins. Esta abordagem, de acordo com a evolução do pensamento rogeriano, recebeu denominações diferentes anteriormente, tais como Orientação Não-diretiva e Terapia Centrada no Cliente. Rogers (1987/2004) afirma que o termo ACP passou a designar de maneira abrangente suas diversas aplicações, e não apenas a área da psicoterapia, como acontecia no início de seus trabalhos.

O desenvolvimento da teoria proposta por Rogers teve diferentes momentos, e, em cada um deles, revia suas conceituações teóricas e propunha reformulações, sempre se apoiando em extenso material clínico e em suas pesquisas. Segundo Wood (1994), os trinta primeiros anos de seus trabalhos (1935-1965) foram dedicados ao estudo da relação terapêutica e da mudança da personalidade, o que corresponde à fase da Terapia Centrada no Cliente. A partir de 1965, Rogers passa então a não mais focar sua preocupação na efetividade das atitudes facilitadoras (aceitação positiva incondicional, compreensão empática e congruência) em gerar mudanças de personalidade, mas volta

sua atenção para o potencial do encontro terapêutico e para o desenvolvimento de uma relação construtiva para ambos. Amplia então seus trabalhos para além do contexto psicoterapêutico, expandindo-os aos relacionamentos interpessoais, buscando a promoção do crescimento psicológico. Rogers (1987/2004) afirma que:

A Abordagem Centrada na Pessoa é primordialmente uma maneira de ser que encontra sua expressão em atitudes e comportamentos que criam um clima promotor de crescimento. É uma filosofia básica, em vez de uma simples técnica ou um simples método. Quando uma filosofia é vivida, também estimula mudanças construtivas nas pessoas à sua volta. Dá poder ao indivíduo e, quando essa força pessoal é sentida, nossa experiência tem mostrado que tende a ser utilizada para transformação pessoal e social. (p.90)

A ACP traz consigo um novo olhar a respeito do ser humano, diferente de outras linhas teóricas em Psicologia da década de quarenta (séc.XX) (ROGERS, 1978), tendo como princípio norteador a crença no potencial de desenvolvimento de cada indivíduo. Segundo Rogers (1961/1981), “a natureza profunda do ser humano, quando funciona livremente, é construtiva e digna de confiança” (p.174). Esta visão se diferencia de uma noção ingênua de que o homem nasce bom, mas ressalta a idéia de que cada indivíduo possui em si um potencial para se desenvolver e evoluir no sentido do crescimento positivo, o que chamou de Tendência Atualizante.

A Tendência Atualizante é o postulado central na ACP e propõe que todos os organismos vivos são movidos por uma tendência inerente para desenvolver suas potencialidades de maneira a favorecer sua conservação e enriquecimento. Independentemente da complexidade do organismo, existe um fluxo interno que movimenta o ser em uma direção construtiva. No ser humano esta tendência não visa apenas à subsistência de necessidades básicas, como respirar e se alimentar, mas também ao aprendizado intelectual, social e ao prolongamento da vida através da reprodução. Além disto, abrange a noção de motivação, que se relaciona com a redução

de tensões, necessidades e impulsos. Seu movimento leva o organismo a se reconhecer como autônomo e único (ROGERS e KINGET, 1959/1977). Rogers (1987/2004) afirma que:

A hipótese central desta abordagem (ACP) pode ser brevemente especificada. Quer dizer que o indivíduo tem, dentro de si mesmo, vastos recursos para autocompreensão, alterar seus conceitos sobre si mesmo, suas atitudes e seus comportamentos autodirigidos – e que esses recursos poderão ser liberados somente se um clima definido de atitudes psicológicas puder ser provido.(p.85,86)

Segundo Rogers et al. (1983), esta tendência pode "ser frustrada ou desvirtuada, mas não pode ser destruída sem que se destrua também o organismo” (p.40). Ao tratar de indivíduos que se desenvolveram em condições totalmente desfavoráveis, Rogers (1978) afirma que é preciso confiar na tendência direcional de cada um. Rogers e Kinget (1959/1977) afirmam que, para compreender como a Tendência Atualizante se manifesta no outro, é necessário pôr de lado juízos e valores, é preciso olhar a partir do referencial de vida daquela pessoa.

Assim, na ACP, levando-se em consideração a relação de ajuda, não é o profissional cuidador ou facilitador que sabe o que é melhor para a pessoa que está sendo ajudada, mas esta é capaz de encontrar e escolher seu próprio caminho. Aquele que ajuda pode sim criar condições facilitadoras de acolhimento para que o outro chegue ao crescimento e à autonomia, nomeadas por Rogers (1983) como atitudes facilitadoras, que estão descritas a seguir.

As atitudes facilitadoras possibilitando o crescimento na vivência de luto

Observando a Tendência Atualizante como tendência à maturidade psicológica, é possível relacioná-la aos processos de enlutamento, pois estes também impulsionam o

indivíduo a crescer e se desenvolver. Neste sentido, esta tendência à atualização presente nos organismos vivos, quando não é impedida, pode facilitar a expressão do pesar e a vivência do luto, auxiliando na significação da perda e na ressignificação da relação com a pessoa perdida para que se possa continuar a viver e a se desenvolver. Por esta razão e por partilhar de pensamentos da Abordagem Centrada na Pessoa é que esta servirá como inspiração teórica neste trabalho.

Segundo Rogers (1983), para que a capacidade de crescimento inerente ao ser humano não seja frustrada ou desvirtuada, é necessário que haja um ambiente ou uma relação que contenha condições favoráveis à evolução no sentido positivo. Mas, que tipo de relação seria essa? Na busca de uma compreensão das leis gerais que regem as relações interpessoais, Rogers (1961/1981) também se fará essa pergunta: “mas quais são as características destas relações que as transformam em relações que favorecem o crescimento?” (p. 44).

Tomando como base o estudo do processo de mudança na psicoterapia, Rogers (1961/1981) verifica que a relação que facilita o desenvolvimento e o crescimento é significativa, com elementos específicos, que a diferencia de uma relação qualquer. Aponta a necessidade de haver nestas relações pelo menos três elementos que considera importantes, e que denomina de atitudes facilitadoras. São elas:

1) A aceitação (ou consideração) positiva incondicional, para Rogers e Kinget (1959/1977), é a atitude principal que rege todas as outras. Traduz-se pela aceitação incondicional da pessoa como ela é, sem juízos de valor ou críticas. Desta forma, a pessoa pode sentir-se livre para reconhecer e elaborar suas experiências da forma como entender e não como julga ser conveniente para o outro. Poderá então sentir que não é necessário abdicar de suas convicções ou necessidades emocionais para que seja aceita. Rogers e Stevens (1967/1977) fazem uma diferenciação entre aprovação e aceitação

incondicional, considerando a primeira como uma forma de avaliação ou julgamento que não condiz com a ACP, pois expressa condições seletivas para a aceitação do outro; e a segunda trata de considerar o outro como ser humano de forma positiva, como sistema dinâmico de atitudes e necessidades, independente de suas ações e sem tentar moldar seu comportamento. Rogers (1961/1981) ressalta que a consideração positiva incondicional total não existiria, exceto em teoria, mas se a pessoa que ajuda puder experimentar esta consideração pelo ajudado na maioria dos momentos de seu contato com ele, isso o (ajudado) auxiliará a aceitar diversos aspectos de si mesmo.

2) A compreensão empática (ou empatia) é o processo no qual o indivíduo não se sente apenas aceito, mas compreendido enquanto pessoa na sua totalidade (Rogers, 1961/1981). Segundo Rogers, é a capacidade de compreender o mundo subjetivo do outro e de participar da sua experiência, colocando-se como se estivesse no lugar do outro e vendo o mundo como se fosse o outro. É um processo dinâmico no qual há a máxima aproximação possível da vivência do outro, percebendo e experimentando seus significados, retornando o sentido do que está sendo experimentado. Rogers ressalta a importância de não se perder a noção do “como se”, caso contrário, não se trata mais de relação empática e sim de identificação. A interação ou relação empática é o que permite ao receptor se perceber como membro da raça humana, propiciando o sentimento de que, se o que está experienciando é reconhecido por outro ser humano, então é algo que constitui o humano. Se o sentimento de hostilidade, o impulso para destruir o outro, ou a sensação de morte do eu podem ser compreendidos, através da empatia, por outro ser humano, há a sensação de que essas vivências fazem parte da raça humana.

3) A congruência (autenticidade) expressa um estado de coerência ou acordo interno entre a experiência, a consciência e sua comunicação. Rogers (1983) define o termo da seguinte forma:

Com isto (congruência) quero dizer que quando o que estou vivenciando num determinado momento está presente em minha consciência e quando o que está presente em minha consciência está presente em minha comunicação, então cada um desses três níveis está emparelhado ou é congruente. Nesses momentos, estou integrado ou inteiro, estou inteiramente íntegro. (p.09)

A congruência foi também chamada por Rogers como autenticidade, o que gerou uma compreensão equivocada desse conceito, vista como franqueza. Wood (1994) ressalta que a congruência não precisa necessariamente ser explicitada, não é preciso que se manifestem todos os sentimentos, mas é preciso estar atento a eles, reconhecendo seus próprios limites, sentimentos e valores, que estão envolvidos na relação com o outro. É difícil atingir totalmente esta condição, porém quanto mais a pessoa for capaz de ouvir e aceitar o que se passa com ela, e quanto mais for capaz de, sem medo, vivenciar a complexidade de seus sentimentos, mais alto será o grau de sua congruência. Segundo Wood (1994), a congruência também não deve ser confundida com impulsividade, agindo ou expondo sem pensar tudo que passe pela mente. Não requer somente honestidade e aceitação de si mesmo, mas também autoconhecimento dos sentimentos presentes. Também é necessária habilidade para se comunicar, sendo capaz de transmitir aos outros quaisquer sentimentos experienciados. Assim, uma pessoa suficientemente congruente pode gerar em outra pessoa uma busca de sua própria congruência.

Estas atitudes facilitadoras talvez sejam menos independentes do que pareçam quando didaticamente dispostas sob forma de tópicos, ou seja, caminham juntas e estão intimamente ligadas no momento em que se está na relação com o outro (Rogers e Kinget, 1959/1977).

Rogers (1961/1981) refere que quando uma pessoa se encontra em um ambiente acolhedor em que estas atitudes eficientes na promoção de crescimento estejam presentes, pode desenvolver maior autocompreensão, autoconfiança e capacidade de escolher os comportamentos que seguirá. Aprende de modo significativo e está mais livre para ser e transformar-se.

No caso da vivência de luto, quando não há um ambiente acolhedor, a tendência à atualização pode ser bloqueada ou distorcida, e é bastante provável que a pessoa encontre dificuldades em expressar e vivenciar seu enlutamento da maneira como seu organismo necessita. Rogers (1969/1973) afirma que o indivíduo é psicologicamente livre, isto é, tem ativados os recursos atualizantes, quando não é obrigado a negar ou deformar aquilo que experimenta, a fim de conservar o afeto ou a estima daqueles que representam papel importante na sua vida, desde que não haja impeditivos para que a tendência atualizante se manifeste. Assim, quando há impedimentos, ou seja, não há um ambiente favorável à evolução no sentido positivo, parte da experiência do luto pode ser distorcida ou bloqueada, e a pessoa pode se comportar como a sociedade espera, o que pode diferir de suas necessidades emocionais.

Porém, mesmo que estas condições não tenham sido oferecidas nos momentos de maior necessidade da vida, como por exemplo o evento de morte dos pais na vida de uma criança pequena, a tendência à atualização ainda está presente e não pode ser destruída a menos que se destrua o organismo (Rogers, 1983). Assim, estas condições facilitadoras podem ser estabelecidas em qualquer etapa da vida, instaurando-se um processo de ressignificações e mudanças, seja na infância, no momento em que se perdeu os pais, seja na fase adulta, 20, 30, 40 anos após a perda.

Neste sentido a ACP não se fundamenta no determinismo de situações vividas no passado. Mesmo que a pessoa tenha experienciado situações dolorosas em condições

totalmente desfavoráveis anteriormente, pode no futuro encontrar alguém ou um ambiente compreensivo e acolhedor e assim ressignificar sua história, podendo modificar sua maneira de ser e de estar diante do mundo e diante da dor da perda por morte (Rogers, 1961/1981).

E, mesmo que se tenha significado a perda e a relação com a pessoa perdida de uma certa maneira no momento da morte, podem ocorrer ressignificações dos acontecimentos passados. Quanto mais a pessoa estiver aberta a estas ressignificações, menos estática e estagnada está sua personalidade. Rogers (1961/1981) afirma que quanto maior a rigidez de idéias, pensamentos, concepções, formas de levar a vida, mais a pessoa se distanciará de uma ‘personalidade de funcionamento integral’, pois esta aparece como fluxo e como processo. O autor coloca que a ‘pessoa de funcionamento integral’ tem como característica uma abertura à experiência, está continuamente se afastando de suas defesas na direção da experiência direta. Rogers (1961/1981) afirma que à medida que a pessoa se aproxima deste tipo de funcionamento:

[...] torna-se mais capaz de viver completamente a experiência do seu organismo, em vez de impedir de atingir a consciência. [...] está mais aberta a seus sentimentos de receio, de desânimo e de desgosto. Fica igualmente mais aberta aos seus sentimentos de coragem, de ternura e de fervor. (pp.168)

À medida que a vivência das experiências permite ou sugere novas possibilidades, a pessoa é capaz assim de reestruturar suas respostas, caminhando em direção a um contínuo processo de atualização. O que é a essência do que Rogers chama de viver uma ‘vida plena’.

Rogers (1961/1981) assinala que a ‘vida plena’ não pode ser comparada a um estado de felicidade, satisfação, adaptação ou realização, pois há nela uma vivência mais intensa tanto dos sentimentos de felicidade, quanto dos sentimentos dolorosos; o

amor é mais claramente sentido, mas a raiva também o é; assim como a coragem e o medo. Refere que os adjetivos mais apropriados à vida plena são: enriquecedor, apaixonante, valioso, estimulante, significativo. Segundo Rogers (1961/1981), “a vida, no que tem de melhor, é um processo que flui, que se altera e onde nada está fixado” (p.38).