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Parte I À Guisá de um Referencial Teórico

Capítulo 1 Arrendamento e Parceria: uma revisão das principais teorias

1.10 Considerações Finais

O arrendamento de terras e a parceria são sistemas produtivos de uso relativamente intenso no meio rural. Há séculos vem resistindo fortemente às mudanças das estruturas sócio- econômicas nos diversos países. Essa difusão e resistência dos dois sistemas ratificam a sua flexibilidade e características intrínsecas. Justificam um estudo mais apurado sobre o tema a fim de analisar o papel que o arrendamento e a parceria podem exercer dentro de contextos históricos específicos.

No bojo da Fisiocracia, coube a François Quesnay um dos registros mais concisos sobre o arrendamento de terras. As constatações feitas por Quesnay, como se analisará ao longo desta tese, de alguma forma, permanecem atuais no Brasil. A característica dualista do arrendamento de terras na França do século XVIII nota-se nitidamente nas regiões brasileiras. Os arrendatários mais capitalizados encontram-se no Sul, Sudeste e Centro-Oeste; realizam expressivos investimentos na atividade produtiva e, geralmente, cultivam produtos destinados ao mercado exterior (principalmente, soja e cana-de-açúcar). Ao passo que os arrendatários mais pobres, muitos dos quais parceiros, estão no Nordeste e Norte; adotam técnicas produtivas rústicas e o que produzem quase não é suficiente para atender a sua subsistência.

Quanto aos clássicos, o primeiro deles a considerar é Adam Smith. Este analisou o arrendamento de terras e a parceria no âmbito de sua teoria da renda fundiária. Sendo uma

relação contratual entre partes desiguais, o arrendamento e a parceria revelam-se uma prática danosa para toda a sociedade. Por um lado, os proprietários dificilmente estão dispostos a deixar nas mãos dos arrendatários uma parcela da produção superior ao suficiente para atender às exigências do processo produtivo e às necessidades de subsistência. Por outro, os arrendatários têm pouco interesse em realizar investimentos que podem valorizar a terra e aumentar a renda paga ao proprietário.

Além disso, está explícito na teoria smithiana que a elevação dos preços dos produtos agrícolas provocaria um aumento na renda fundiária. Está idéia terá continuidade em Thomas Malthus. Segundo ele, a pressão populacional sobre a terra aumentaria a renda destinada aos proprietários e o preço dos alimentos. Lamentavelmente, o autor esqueceu de considerar em sua teoria o papel do progresso tecnológico não só para controlar o crescimento demográfico como também para reduzir os custos de produção.

Por último, merece mencionar David Ricardo. Este, mais do que uma teoria da renda fundiária, analisou as leis que regem a distribuição do produto total entre proprietários de terras, capitalistas e trabalhadores. A presença do arrendamento de terras tipicamente capitalista no Rio Grande do Sul (arroz), São Paulo (cana-de-açúcar), Minas Gerais (soja e milho) e Mato Grosso do Sul (pecuária bovina), por exemplo, mostra claramente que a divisão do produto entre essas três classes ocorre de maneira conflituosa.

De Marx, vale sublinhar a relevância dada às três formas de pagamento pelo uso da terra, ou seja, renda trabalho, renda produto e renda dinheiro. É notório como o autor relaciona o processo de desenvolvimento capitalista na agricultura com essas três formas da renda fundiária. Historicamente, a renda trabalho data das relações pré-capitalistas. Neste período, os servos prestavam serviços aos seus senhores a título de pagamento pelo uso da terra, onde podiam cultivar os produtos necessários à subsistência de suas famílias.

Em um período posterior, de transição do feudalismo ao capitalismo, o sistema econômico está passando por transformações, as quais tornam as trocas mais freqüentes. Acrescenta-se à prestação de serviços a renda em produto como forma de pagamento pelo uso da terra de terceiros. O esforço do trabalho do produtor (arrendatário) agora necessita gerar um excedente, em espécie de produto, para o proprietário da terra.

Finalmente, em um estágio mais desenvolvido da indústria e do comércio, observa-se a renda em dinheiro. Neste estágio, o arrendatário precisa gerar um excedente comercializável,

mediante o qual obtém, em dinheiro, o seu lucro e a renda destinada ao proprietário. Esse processo amplia-se à medida que o arrendatário, a cada ciclo produtivo, necessita de mais recursos (produtivos e financeiros) para dar prosseguimento a seu negócio. Esses sucessivos investimentos valorizam a terra e aumentam a renda fundiária.

Alfred Marshall deu uma roupagem nova à discussão dos contratos de arrendamento de terras e parceria. O autor comparou o arrendamento renda fixa e a parceria (share). Argumentou que a parceria seria menos eficiente, pois o proprietário reembolsaria uma parcela menor da renda do que no caso da renda fixa. Além disso, Marshall parecia estar atento à importância do arrendamento como mecanismo de acesso à terra por parte dos produtores mais pobres.

O que se verifica no Brasil ultimamente parece ser um caso “às avessas” da análise marshaliana. O arrendamento de terras vem se desenvolvendo nas áreas mais promissoras do agronegócio (i.e., Sul, Sudeste, Centro-Oeste). Os contratos de arrendamento não se adaptam às condições sócio-econômicas dos pequenos arrendatários. Na verdade, esses contratos têm sido desfavoráveis a tais produtores.

O empenho analítico de muitos economistas demonstrou que longe de ser ineficiente – conforme apregoavam os clássicos – a parceria, em especial, poderia ser uma resposta institucional para superar várias ineficiências econômicas. Pode permitir às partes contratantes transcender temporariamente as restrições de acesso a determinados recursos, se dispõem individualmente os recursos próprios sob um único empreendimento produtivo.

O primeiro passo, a fim de amenizar o desajuste entre a demanda e a oferta de terras, seria a realização de mudanças nos direitos de propriedade. De acordo com Cheung (1968), a questão seria: diante dos recursos disponíveis, como se poderia utilizá-los para maximizar a receita e minimizar os custos, de modo a aumentar a eficiência econômica? Este é um ponto de bastante divergência porque baseia-se na premissa de maximização de riqueza sob a restrição de direitos de propriedade privada em mercados perfeitos e um custo de contrato zero. Assim, todas as formas contratuais (cultivo próprio, renda fixa, parceria, trabalho assalariado, etc.) poderiam levar ao mesmo resultado de eficiência econômica.

As imperfeições dos mercados (fundiário, trabalho, crédito rural, por exemplo) podem conduzir os agentes a relações contratuais alternativas para melhorar a alocação dos recursos. Dado que as economias sofrem de desemprego e o trabalho familiar de muitos produtores não é

comerciável, alguns destes produtores poderão aderir aos contratos de arrendamento como mecanismo de alocação mais eficiente dos recursos.

As experiências de vários países (México, Índia, Ghana, Tunísia, Itália, por exemplo) de promoção do arrendamento, além de viabilizar o acesso à terra de produtores sem ou com pouca terra para produzir, aumentou a eficiência e a eqüidade na agricultura. No Brasil, conforme se verá nos capítulos seguintes, a despeito da coexistência de terras ociosas e de produtores que não a têm em quantidade suficiente para produzir, o arrendamento e a parceria ainda não se disseminaram nem se consolidaram como alternativa de acesso à terra.

Sabe-se que a produção depende, dentre outros fatores, do esforço do trabalho, do uso de insumos, máquinas, equipamentos e implementos agrícolas cada vez mais modernos. O monitoramento (supervisão) é caro e exige bastante habilidade administrativa, atenção e tempo por parte do proprietário. Adicionalmente, existem os riscos e incerteza exógenos (por exemplo, intempéries climáticas, dificuldades de comercialização e de acesso ao crédito rural) que podem afetar negativamente os resultados da atividade produtiva.

Quando a produção depende do trabalho e riscos exógenos, o monitoramento é caro, o arrendamento e a parceria oferecem um método satisfatório de reduzir esses custos e aumentar a recompensa esperada para ambas as partes. A idéia de que o arrendamento e a parceria são uma resposta organizacional às ineficiências tem ganho cada vez mais defensores.

Rao (1971) associou a incerteza exógena e a capacidade de tomada de decisões empresariais dos agentes aos tipos de relações contratuais na Índia. Podemos traçar um paralelo para o caso brasileiro e fazer algumas comparações. Se as colheitas mais arriscadas na Índia estavam sob contratos de renda fixa e as colheitas menos arriscadas sob contratos de parceria, no Brasil os contratos de arrendamento de terras predominam na pecuária bovina (Rio Grande do Sul), cana-de-açúcar (São Paulo), produção de soja e milho (Minas Gerais). Enquanto que a parceria localiza-se, sobremaneira, na produção de cacau (Bahia), café em grão (Rondônia) e na exploração florestal (Pará), como se verá no capítulo 3.

Na Índia, a perspectiva mais favorável à tomada de uma decisão empresarial torna mais interessante o contrato renda fixa. No Brasil, por exemplo, o preço de mercado da carne, da cana- de-açúcar, da soja e milho, proporciona um incentivo maior à decisão empresarial do arrendatário face à incerteza exógena. O proprietário possui mais estímulo em ofertar um contrato de arrendamento de terras porque vislumbra um cenário mais promissor para usufruir dos resultados

das decisões empresariais e está menos inseguro dos riscos dessas decisões. Ao passo que as colheitas menos arriscadas como o cacau, café em grão e exploração florestal estão sujeitas, preferencialmente, a contratos de parceria, pois oferecem poucas perspectivas para a tomada de decisões.

A proliferação dos modelos screening, de agência e dos custos de transação são uma clara indicação que esse assunto vem gerando substancial interesse entre os economistas. Os modelos

screening (“sondagem”) quase sempre ajudam a analisar os problemas de incentivo e informação

incompleta, que podem surgir quando algumas características dos agentes não são facilmente observáveis. A escolha de contratos agrícolas (i.e., renda fixa, parceria, assalariado) pode servir como um mecanismo barato para o proprietário de terras obter informações da habilidade empresarial de um trabalhador. Explica-se os resultados por diferenças nas habilidades empresariais iniciais, ou seja, os arrendatários têm rendimento mais alto do que os parceiros; e, estes, por sua vez, mais altos do que os trabalhadores assalariados.

No Brasil, a maioria dos contratos de arrendamento de terras tipicamente capitalista está presente nas regiões mais desenvolvidas do país (Sul, Sudeste, Centro-Oeste), onde o próprio perfil dos produtores é um diferencial no mercado. São produtores mais capitalizados, qualificados e competitivos. Totalmente diferentes dos produtores pobres e menos qualificados que se localizam no pequeno arrendamento no Maranhão e na parceria em Rondônia e Bahia.

Cabe colocar em relevo que no caso brasileiro, os proprietários, de um lado, preferem muitas vezes os contratos de parceria aos contratos de assalariamento, porque podem compartilhar a habilidade empresarial e os riscos. De outro, os proprietários preferem os contratos de parceria ao contrato de arrendamento de terras, porque podem cobrar uma taxa menor pela cessão da terra. Além disso, os contratos de arrendamento e parceria normalmente se estabelecem entre indivíduos já conhecidos na região e ou que fazem parte do ciclo de parentesco e amizade dos proprietários de terras.

Os problemas oriundos das imperfeições dos diversos mercados, dos riscos exógenos e informação incompleta que se acham nos contratos de arrendamento e parceria podem ser resolvidos via modelos de agência. No Brasil, em específico no Mato Grosso, os proprietários, com o intuito de evitar o problema de sub-utilização dos recursos (sementes, fertilizantes, máquinas e equipamentos, etc.) e ações oportunistas dos arrendatários, estipulam um prazo de carência no ato da assinatura do contrato. Esta medida elimina o compromisso da divisão de

custos por parte do proprietário; e, ao mesmo tempo, é um incentivo para o arrendatário realizar os investimentos iniciais necessários à atividade produtiva.

A escolha contratual, também, pode ajudar a diminuir os custos de transação. Os modelos de custos de transação assumem, implicitamente, os riscos exógenos relativos à produção, ou seja, atividades mais arriscadas e custosas estão sujeitas a contratos de arrendamento. No caso brasileiro, a pecuária bovina de corte, a cana-de-açúcar, a soja e o milho, muitas vezes, ocorrem sob contratos de arrendamento. Alternativamente, o cultivo do cacau, café em grão e exploração florestal ocorre sob contratos de parceria.

Ademais, os resultados de alguns tipos de cultivos têm uma relação direta com o tamanho da área. Desta maneira, o produtor necessita estar disposto a pagar um montante líquido por hectare de terra maior e o proprietário ser averso ao risco para disponibilizar suas terras. O produtor assume sozinho todos os riscos da atividade produtiva, obtém toda a colheita e paga em dinheiro a renda fundiária ao proprietário.

Em essência, as teorias mais recentes sobre o arrendamento de terras e a parceria presente, sobretudo, na literatura internacional, defendem, ferrenhamente, a importância desses contratos como mecanismo eficiente de alocação de recursos na agricultura. As evidências apontam, como se pretende mostrar nos capítulos seguintes, que o funcionamento do arrendamento e da parceria no Brasil parece padecer de um anacronismo.

O objetivo do capítulo 2 é discutir, a partir da revisão teórica, os principais condicionantes do arrendamento e da parceria no Brasil. Trata de uma maneira particular dos contratos de arrendamento de terras e parceria com base na legislação agrária brasileira. Admite-se que existe um forte viés ao grande produtor. A debilidade do (mercado) arrendamento de terras e parceria no Brasil decorreria da nossa própria estrutura institucional, expressa nas leis, contexto macro- econômico, desenho contratual; da desigualdade da distribuição da propriedade da terra e da renda.

O capítulo 3 apresenta um panorama do arrendamento e da parceria no país a partir dos dados do Censo Agropecuário de 1995-96. Ver-se-á a baixa participação percentual dos estabelecimentos arrendatários e parceiros no total de estabelecimentos agropecuários.

Por fim, o capítulo 4 visa complementar a parte empírica da tese com dados mais atuais da PNAD sobre as características sócio-econômicas (escolaridade, nível de renda, tamanho da área, participação em sindicatos, entre outras) dos arrendatários e parceiros no Brasil.