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Parte I À Guisá de um Referencial Teórico

Capítulo 1 Arrendamento e Parceria: uma revisão das principais teorias

1.5 Risco e Incerteza

Embora seja intuitivamente convincente, Stiglitz (1974) colocou em dúvida o argumento de Cheung de que a parceria possui mecanismos pelos quais ambas as partes podem compartilhar o risco. O autor questionou como os mercados competitivos poderiam controlar o risco, e de que maneira o risco afetaria a alocação de recursos. Os riscos na agricultura seriam substancialmente grandes, a literatura de então evitava um tratamento explícito da divisão de riscos no meio rural. Levantava suspeitas sobre as conclusões relativas à eficiência da parceria de Cheung (1968), ou ainda, a indiferença entre o contrato de trabalho assalariado do proprietário e o contrato de trabalho em um sistema de arrendamento de terras.

O objetivo de Stiglitz (1974) era formular um modelo de equilíbrio geral simples de uma economia agrícola competitiva. O foco era a divisão de riscos e os efeitos dos incentivos em propriedades com sistemas de distribuição (alocação de recursos) alternativos. Ele dividiu sua análise em duas partes. Na primeira, considerou rígida a oferta de trabalho (esforço) para um

indivíduo, e focalizou os aspectos da divisão de riscos na parceria. Entre as principais proposições qualitativas do seu modelo27, cabe destacar as seguintes:

(a) Se os trabalhadores e os proprietários estão dispostos a estabelecer “contratos mix" (i.e., os trabalhadores podem trabalhar para vários proprietários diferentes e os proprietários podem empregar os trabalhadores em diferentes “contratos”)28, a economia é eficiente porque todos os proprietários utilizam a mesma relação terra-trabalho.

(b) Há, no modelo, uma relação linear entre o pagamento fixo que o trabalhador recebe (salário) e sua participação (share). Pode-se identificar no modelo um valor de absorção do risco. Isto é, sempre que há um contrato de parceria puro, e os trabalhadores e proprietários podem misturar contratos, o contrato de parceria puro pode ser dispensado no sentido que todas as oportunidades de divisão de risco poderiam ser obtidas combinando contratos salário puro e arrendamento puro (renda fixa).

(c) O produto marginal médio de um trabalhador é maior ou menor que seu rendimento médio quando o trabalhador paga uma renda ou recebe um salário (em adição a alguma parcela no total da produção). Assim, o rendimento do proprietário pode ser composto pelo pagamento da renda da terra mais um pagamento por absorver alguns trabalhadores proporcionais à divisão de risco. Ambos, renda e salário são pagamentos fixos. No caso de parceria pura o produto marginal médio é igual ao rendimento médio, pois não há nenhum pagamento fixo para trabalhadores.

(d) Há, no modelo, um sistema salário puro (ou renda fixa) se, e somente se, todos os trabalhadores são risco neutro, ou seja, os agentes são menos sensíveis às perdas.

(e) Se os trabalhadores não podem misturar contratos, os proprietários mais avessos ao risco (i.e., mais sensíveis às perdas) podem ter um número menor de trabalhadores por acre que os proprietários menos avessos ao risco. A economia teria uma alocação menos eficiente de trabalho e terra. Se há relações sistemáticas (ordenadas) entre o tamanho da fazenda (riqueza do proprietário) e o grau de aversão ao risco do proprietário, então haveria uma relação sistemática entre tamanho da fazenda e produção por acre. A economia poderia alcançar um maior grau de eficiência.

27

A derivação dessas propriedades qualitativas requer a suposição de um proprietário e um trabalhador denominados por Stiglitz de "representativos".

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Esse modelo de “contratos mix” diz respeito aos contratos de parceria puro, de trabalho assalariado e arrendamento renda fixa.

(f) O trabalhador paga uma renda fixa ao proprietário (além de uma parte do lucro) ou recebe um salário fixo (além de uma parte do lucro) conforme sua aversão ao risco seja maior ou menor do que do proprietário. Um aumento na diferença da produção agrícola aumenta (diminui) a parte da colheita paga ao proprietário como também a parte do rendimento médio recebido pelo proprietário se o proprietário é menos (mais) avesso ao risco do que o trabalhador.

Nos sistemas de distribuição lineares de Stiglitz, Yw é a renda de trabalhador e Yr é a renda dos proprietários. A variável Q representa o fator terra e a variável L o trabalho. Os parâmetros α e β são respectivamente, a participação (share) e a taxa fixa.

β α + = L Q Yw L Q ) ( Yr = 1−

α

β

, 0 ≤ α ≤ 1 Existem três casos especiais:

β

= 0, o sistema de parceria pura;

α = 0, o sistema de salário: proprietários contratam trabalho a uma taxa fixa;

α = 1, trabalhadores arrendam terra a uma taxa fixa.

Não há nenhuma razão para esperar a priori que a economia estará em um destes casos polares. Note que se β < 0, o trabalhador paga ao proprietário uma taxa fixa pelo uso da terra, e o proprietário também recebe uma determinada parcela (share) da colheita. Se β > 0, temos o caso em que o trabalhador recebe um salário fixo, e oferece um tipo de incentivo ao proprietário por cultivar a terra.

O problema, então, é a determinação competitiva de α e β, os quais determinam a distribuição do rendimento como também a divisão de risco. O processo para a determinação do nível de equilíbrio de α e β é, de algum modo, fundamentalmente diferente dos modelos competitivos habituais. Existe um valor, o salário, que remunera o fator trabalho; e outro valor, a renda, que remunera o fator terra. Assim, existem dois valores (“uma taxa fixa" e "uma share") para remunerar terra e trabalho, e o risco; estes estão associados de maneira complexa.

Além disso, as taxas fixas e a share não determinam o valor de um contrato, desde que α > 0 o trabalhador precisa saber quanta terra lhe permitirão trabalhar, e se α < 1, o proprietário precisa saber quanto "trabalho" seus trabalhadores ofertarão. Na análise competitiva habitual, dados físicos como a quantia de terra e trabalho, não tem nenhum papel na decisão do indivíduo; só o valor do salário é relevante.

No modelo competitivo correspondente sem incerteza há, de fato, só uma condição de equilíbrio: ao salário anunciado, todas as empresas contratam os trabalhadores até o ponto onde o salário, w, é justamente igual ao valor do produto marginal. Isto gera uma curva de demanda para trabalho, Ld, e o equilíbrio requer a demanda igual à oferta.

A demanda de trabalhadores (cada especificação de α e β) é igual à oferta de trabalhadores para cada contrato. Devem ser satisfeitas três condições:

(a) Escolha de trabalhadores entre os contratos existentes. Dos contratos disponíveis na economia, não existe nenhum que o trabalhador individual prefere ao que ele tem.

(b) Escolha de proprietários entre os contratos existentes. Dos contratos disponíveis na economia, não existe nenhum subconjunto que o proprietário prefere ao subconjunto que ele emprega.

A suposição implícita destas duas condições de equilíbrio é que há uma quantia razoável de "mobilidade" de trabalhadores agrícolas. Nos antigos ambientes agrícolas, esta não é uma suposição muito aceitável. Por outro lado, em tais sociedades, mudanças, por exemplo, nas atitudes devido ao risco podem não ser importantes, de forma que existe essencialmente um contrato "uniforme" para todos os trabalhadores. Neste caso, as condições de equilíbrio (a) e (b) não interessam. Além disso, na maioria das sociedades os trabalhadores têm uma escolha entre trabalho assalariado e trabalho na sua própria fazenda, resultando em risco no fluxo de renda. Indivíduos diferentes alocam o seu tempo de modo distinto entre os contratos alternativos.

(c) Determinação dos contratos disponíveis. Os contratos apresentam uma utilidade equivalente, ou seja, o conjunto de contratos dá ao trabalhador o mesmo nível de utilidade. O contrato assinado deve ser preferido pela maioria dos proprietários.

Os tipos de contratos existentes não são determinados por tradição29, mas por forças econômicas como a disponibilidade dos fatores de produção e a competição no mercado. Estas forças determinam a distribuição do rendimento e impulsionam a divisão dos riscos inerentes da atividade produtiva entre os agentes.

Na segunda parte, o autor pressupôs que a oferta de trabalho (esforço) é variável. Se o esforço pudesse ser facilmente observável e quantificado, então seria possível especificar o nível de esforço no contrato. Para isto mostrou que, ao contrário da proposição clássica, não há uma sob-oferta de trabalho (esforço) como resultado de um sistema de parceria.

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O proprietário está interessado na quantidade de trabalho que será ofertada em qualquer área de terra; e não no número de trabalhadores na terra. Assim, os contratos entre os proprietários e seus trabalhadores especificarão a quantidade de trabalho que um trabalhador oferta. Mas isto não é suficiente para garantir que as condições de otimização serão satisfeitas.

Há duas decisões para o trabalhador tomar: o tipo de contrato e a oferta de trabalho. A especificação de um contrato é a oferta de trabalho por área de terra; a taxa fixa, β; e a parcela (share), α. Assume-se que trabalhadores podem "misturar contratos". Trabalho (não trabalhadores) por área de terra é o mesmo em todos os lugares e pode ser dado pelo trabalhador, assim pode-se considerar a taxa fixa uma função linear da parcela (share).

Se o trabalho tem oferta elástica, e contratos são executáveis sem custo, os proprietários especificarão a oferta de trabalho pelo produtor no contrato de parceria e, se proprietários e trabalhadores puderem “misturar contratos”, o equilíbrio será Ótimo de Pareto.

Por outro lado, se o esforço (oferta de trabalho) não puder ser facilmente observável, a parceria terá um efeito de incentivo positivo. Se o proprietário fosse neutro ao risco, e se não houvesse nenhum efeito de incentivo, ele absorveria todo o risco. O trabalhador receberia ainda uma parte da produção. O indivíduo mais suscetível a perdas receberia, para efeitos de incentivo, a maior parcela (share); mas absorveria, pois, o maior risco.

Um contrato adequado, não só pode especificar as horas de trabalho, mas também algo sobre o esforço do indivíduo, o grau de "controle" em cima das decisões cotidianas que são descansar e a quantia de supervisão (direção) que ele receberá de gerentes. Há, também, uma “função penalidade (recompensa)” implícita ou explícita. Um adicional ao salário e uma comissão quando as vendas ultrapassam certo nível são exemplos de recompensas; receber intimação é um exemplo de penalidade.

Os contratos variam conforme a precisão sobre a oferta do esforço do trabalhador e a extensão e maneira pelas quais essas condições são determinadas. Assume-se que o contrato não especifica nada relativo à quantia (qualidade) de trabalho a ser ofertado. A recompensa para maior esforço advém da parcela (share) da produção. Ambos os modelos são casos polares (i.e., especificação ou não das características do trabalho no contrato), mas dado a complexidade de especificar completamente a oferta do esforço do trabalho, pode dizer que especificar é uma aproximação melhor da realidade.

A despeito de não desenvolver uma estrutura normativa para avaliar o "incentivo" do sistema competitivo, o autor estabeleceu que: (i) a comparação de um sistema de assalariamento com a parceria não apresenta nenhuma suposição, em um modelo de equilíbrio geral, que a parceria reduz esforço (trabalho) vis à vis um sistema de salário com contratos executáveis; (ii) a economia não será "eficiente"; haverá diferenças na produção por acre que surge em decorrência das diferenças na eficácia de incentivos entre indivíduos distintos.

Newbery (1977) apontou duas explicações sobre as vantagens da parceria: (i) os produtores poderiam dividir os riscos da produção agrícola com o proprietário; (ii) o enfoque dos desincentivos dos contratos de parceria, em comparação ao contrato renda fixa, é incabível, pois os primeiros são usualmente considerados como um contrato de trabalho que provém incentivos para elevar o esforço.

O autor apresentou dois novos resultados necessários para a parceria ser uma instituição economicamente viável, e apontou as limitações das teorias anteriores. O primeiro resultado refere-se à insuficiência da incerteza da produção de responder pela existência desses contratos. Deveria considerar que, se a oferta de trabalho é relativamente abundante, por que a economia atingiria uma alocação Pareto eficiente com contratos de trabalho assalariado e renda fixa apenas? O segundo resultado mostrou que se os mercados de trabalho apresentam altos riscos, a parceria ofereceria vantagem adicional de divisão de riscos. Realmente, se multiplicasse o risco da produção, contratos de trabalho assalariado e renda fixa apenas seriam ineficientes, mas, se acrescentasse contratos de parceria, o sistema econômico alcançaria uma produção mais eficiente, assumindo que todo emprego é possível. A preocupação central do autor parece ser enquadrar a parceria dentro de uma perspectiva para suavizar o problema da alocação ineficiente de recursos, particularmente, reduzir as imperfeições do mercado de trabalho.

Conforme a tese de Cheung (1969a), os custos de transação na parceria são maiores do que dos outros dois tipos de contratos (trabalho assalariado e renda fixa), se isto fosse válido, não deveria existir nenhum contrato de parceria. O que é notável sobre este argumento é que não depende do tipo de risco de produção ou atitudes sujeitas a risco, nem requer competição pela terra e mercados de trabalho. Porém, o resultado depende crucialmente de lucros constantes. Se houver economias de escala significantes, os contratos de parceria podem se tornar mais atraentes. Em vez de dividir a terra entre renda fixa e trabalho assalariado, ambas as partes contratantes podem aumentar a sua parcela (share) cultivando toda a terra sob parceria.

Como só o risco de produção não explicava a existência dos contratos de parceria, Newbery e Stiglitz (1979) buscaram a resposta em fontes múltiplas de risco. Em condições competitivas, esses contratos provêem os meios para comparar os produtos marginais de todas as terras. Longe de ser uma fonte de ineficiência alocativa, os contratos de parceria podem, quando o mercado de trabalho apresenta riscos, de fato eliminar a ineficiência, pois criam outras alternativas de utilização dos recursos e obtenção de ganho. Embora esses contratos não tenham uma vantagem absoluta de divisão de risco quando se limita à produção, permitem à economia aumentar a eficiência quando o mercado de trabalho também é arriscado.

Rao (1971) caracterizou a incerteza de um modo diferente. Ele notou que na Índia as colheitas mais arriscadas, como tabaco, estavam sujeitas a contratos de renda fixa e as colheitas menos arriscadas, como arroz e trigo, normalmente eram compartilhadas30. O autor discutiu que a existência de incerteza tão somente não justifica os contratos de parceria. Era a incapacidade dos agentes de tomar decisões empresariais do tipo uso dos fatores, custos de produção, formação dos preços de mercado, frente a incerteza, que daria origem a essa relação contratual. As decisões empresariais introduzem incerteza (no rendimento de algumas colheitas mais que de outras) totalmente aparte da incerteza exógena que aflige toda a produção agrícola.

Quando há uma perspectiva mais favorável para a tomada de decisão, o arrendamento renda fixa é mais interessante ao arrendatário, porque o proprietário permite colher os benefícios da sua decisão e, ao mesmo tempo, o assegura dos riscos dessas decisões. Assim, o cultivo de tabaco que oferece um maior incentivo à decisão empresarial, frente a incerteza exógena, normalmente é empreendido sob contratos renda fixa, enquanto colheitas, como de arroz e trigo, que são menos arriscadas, mas não oferecem perspectivas para a tomada de decisão, é mais freqüente sob parceria.