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Parte II – Da Teoria às Evidências Empíricas no Brasil

Capítulo 2 Arrendamento e Parceria: principais condicionantes

2.1 Introdução

A revisão teórica mostrou que o arrendamento e a parceria são mecanismos de ajuste a ineficiências decorrentes da rigidez da propriedade privada. As experiências dos diversos países (Índia, por exemplo) mostram que o desajuste entre a demanda e a oferta de terras ociosas pode ser parcialmente resolvido por meio de diferentes formas de cessão do uso da terra (capítulo 1). No Brasil, contudo, a despeito da coexistência de produtores sem ou com terra insuficiente para produzir e da grande disponibilidade de terras ociosas, a prática do arrendamento e da parceria permanece aquém do seu verdadeiro potencial.

Admite-se que os proprietários não teriam interesse em estabelecer relações com produtores pobres e sem garantias consistentes. Acrescente-se a isto, o risco de inadimplência, visto que os produtores teriam acesso restrito aos mercados de insumos e equipamentos agrícolas, assistência técnica, comercialização e, sobretudo, financeiro. Também existiria o perigo eminente de desapropriação de terras improdutivas. Este seria um desincentivo aos proprietários, já que os arrendatários e os parceiros constituem o público alvo dos Programas de Reforma Agrária.

O objetivo deste capítulo é fazer uma análise dos principais condicionantes do arrendamento e parceria no Brasil. Pretende-se fazer um estudo desses condicionantes a fim de entender a racionalidade e o desempenho dos contratos a partir dos inúmeros incentivos existentes.

Considera-se que o ambiente institucional, expresso nos direitos de propriedade e contratos, coloca entraves ao funcionamento mais eficiente do mercado de terras. De um lado, os produtores estão sujeitos a eventos ou condições extra-mercado de arrendamento e parceria que influenciam a conduta dos contratantes. Neste aspecto, cabe sublinhar a legislação, a conjuntura política e econômica, a forma de acesso aos demais mercados (insumos, máquinas e equipamentos agrícolas; serviços de assistência técnica, crédito rural, comercialização), as organizações sociais. De outro, existe um conjunto de condicionantes que, ou são objeto e cláusula do próprio contrato agrário, ou são atributos dos participantes. Dentre eles, pode-se destacar o prazo e a forma de pagamento do contrato, o nível de riqueza e qualificação do produtor, a disponibilidade de informações, a incerteza e a seleção dos produtores.

Especificamente, neste capítulo, procura-se compreender os reflexos da legislação pátria sobre os contratos de arrendamento e parceria. Admite-se que a legislação agrária, tal qual está instituída, desfavorece os produtores sem ou com pouca terra para produzir. Estes, dificilmente terão condições sustentáveis de utilizar os contratos agrários como mecanismo de acesso à terra. Ao mesmo tempo, embora a propriedade privada da terra esteja bem protegida no texto constitucional, a própria desigualdade social e concentração da propriedade da terra introduziram elementos de instabilidade que restringiu a prática de relações contratuais entre proprietários e pequenos produtores. Ou seja, a própria legislação parece “moldar-se” ao perfil de um produtor mais capitalizado.

Face à pressão dos movimentos populares que lutam pela reforma agrária e aos resultados insatisfatórios dos programas de redistribuição da propriedade da terra, coloca-se que o arrendamento e a parceria podem funcionar como um instrumento de alocação mais eficiente dos recursos (terra, trabalho e capital), redução dos conflitos agrários e desigualdades sociais. O uso mais intenso do arrendamento e da parceria poderia amenizar o desajuste entre a oferta e a demanda de terras. Por um lado, os ofertantes (proprietários) não precisariam obrigatoriamente vender suas terras e poderiam conservá-las produtivas. Por outro, os demandantes poderiam produzir sem a necessidade de imobilização de capital para adquirir terras.

Além disso, a análise da literatura com robusta sustentação empírica revela que a divisão de riscos e os incentivos intrínsecos à prática do arrendamento e da parceria podem aumentar a eficiência econômica e o bem-estar dos indivíduos. No curto prazo, é possível usar ativos que só podem ser valorizados por meio do acesso à terra (por exemplo, trabalho familiar, crédito rural, habilidades administrativas e de supervisão) e que do contrário seriam “desperdiçados”. Os contratos de arrendamento e parceria também podem ser vistos como substitutos ou correlatos para os mercados de trabalho imperfeitos. O proprietário vislumbra a opção de entregar uma fração de sua terra em arrendamento ou parceria e cultivar o restante com trabalho assalariado. O arrendatário ou parceiro, por sua parte, pode alocar uma fração de seu esforço para o contrato de arrendamento e a outra para o contrato de trabalho assalariado.

Diversos autores argumentam que, no longo prazo, a combinação de três alternativas (parceria, renda fixa e trabalho assalariado) pode ser uma via de ascensão social na agricultura na medida em que o arrendatário consegue se capitalizar, acumular riqueza e deixar a condição de trabalhador assalariado para se tornar um parceiro e, posteriormente, passar do arrendamento

renda fixa a proprietário de terras (Cheung, 1969; Stiglitz, 1974; Bardhan e Udry, 1999, Sadoulet et al., 2001).

Vale ressaltar, contudo, que o uso mais intenso do arrendamento e da parceria não representa uma solução definitiva para os graves problemas que ocorrem, ainda hoje, na estrutura agrária dos países latino-americanos. Foge do escopo desta tese o debate a respeito do tratamento desta questão no Brasil; por ora, o foco da análise será o arrendamento e a parceria enquanto mecanismo de acesso à terra.

A seção seguinte visa identificar e analisar os principais condicionantes do arrendamento e da parceria no Brasil. Dada a relevância, trata de maneira mais detalhada dos contratos de arrendamento e parceria, desde sua origem até a elaboração do Estatuto da Terra. Aborda a respeito da estrutura jurídica desses contratos. As considerações finais relatam a prática dos contratos agrários no Mato Grosso do Sul.