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Neste trabalho, tivemos como objetivo principal analisar quais as concepções de linguagem no discurso do professor das Séries Iniciais do Ensino Fundamental, com foco no 1o, 2o e 3o anos, e de que maneira elas se refletem em sua prática. Desse ponto, surgiram 3 questões norteadoras: quais os impactos das concepções de linguagem na relação ensino- aprendizagem, no que diz respeito à alfabetização dos alunos? De que maneira o discurso do professor revela o seu foco na alfabetização e como isso se reflete em sua prática? E por último: que tipos de atividades são escolhidos e utilizados pelos professores, tendo como objetivo a alfabetização ou consolidação da leitura e da escrita dos alunos?

Sobre a primeira questão, foi possível perceber que, uma vez que a concepção de linguagem apresentada pelas professoras das três séries iniciais foi ampla, sendo definida como todas as formas de se comunicar, seja oralmente ou por meio da escrita, o impacto dessa primeira concepção reverberou em todos os outros pontos da entrevista e, consequentemente, da pesquisa. Para as professoras entrevistadas, essa definição de linguagem tendo como foco atingir o outro aproxima-se da noção de letramento, que é o cerne da segunda questão.

Pudemos verificar que o posicionamento das professoras com relação à noção de alfabetização e letramento por vezes ainda se mostra confusa, porém, elas concebem que os dois conceitos existem, compreendem que há uma diferença entre os dois e que um está atrelado ao outro. Nesse sentido, as 6 educadoras mostraram estar atualizadas no que diz respeito à BNCC em suas práticas, procurando formar alunos preparados para as mais diversas situações cotidianas.

Quanto ao terceiro ponto, pudemos vislumbrar uma gama diversa de atividades, que pode refletir desde o conceito do que é linguagem para elas, que vai além da escrita do papel, valendo-se dos mais diversos gêneros textuais, ainda que procurem equilibrar com propostas consideradas mais tradicionais, como o uso da caligrafia, dos textos rimados, da cópia, do apreço pela forma. Há momentos para as duas práticas.

Com base nas discussões realizadas, observamos que os 3 tipos de ensino propostos por Halliday, McIntosh e Strevens (1974), prescritivo, descritivo e produtivo, são intercalados, de forma a atingir os mais diferentes momentos em sala de aula. Concordamos com Travaglia (1998, p. 40) quando este afirma que “esses três tipos de abordagem do ensino da língua não são mutualmente excludentes e podemos em nosso trabalho lançar mão de todos eles de acordo com nossos objetivos”. Observamos que tanto no discurso como nas

atividades escolhidas pelas professoras para compor este trabalho, essa ideia foi de fato seguida, uma vez que cada vez mais as salas de aula estão heterogêneas.

Com relação às concepções de linguagem, os discursos das professoras sinalizavam uma composição entre o instrumento de comunicação e o processo de interação. Elas ainda demonstram um cuidado e uma atenção para a forma correta da escrita e da pronúncia, para que a comunicação ocorra, porém o aspecto maior é a interação humana. Concordamos que é importante atentar para a forma, mas a comunicação efetiva está para além do código.

Acreditamos que a criança chega à escola com uma bagagem cultural vinda de seu ambiente familiar, de seu bairro, do que vê na televisão e do que conversa com seus amigos. Nesse sentido, é essencial que, para que a escola se torne um ambiente de aprendizado significativo, isso seja levado em consideração. Constatamos nesta pesquisa a fala de Soares (2003, p. 44) quando afirma que “é possível ser letrado sem ser alfabetizado”, uma vez que as professoras dos 1o anos já utilizam atividades que remetem a situações sociais que independem do fato de a criança já saber ler, por exemplo.

Percebemos, diante da análise, que alfabetização e linguística caminham juntas. Que os currículos dos cursos de graduação, apesar de já trazerem o embasamento sobre as concepções de linguagem e de alfabetização e letramento, poderiam trazer uma maior relação entre esses dois mundos que se complementam: educação e linguística. Não necessariamente um linguista será um professor alfabetizador, mas na prática de sala de aula a criança irá receber conceitos práticos advindos das duas áreas. É preciso ressignificar a noção de que, se alfabetização é a aprendizagem da leitura e da escrita, estes são sim atos linguísticos. Com o multiletramento, essa noção está sendo cada vez mais ampliada. A própria BNCC já contempla a prática, considerando que não há como ignorar o fato de que se torna cada vez mais difícil não incorporar as mais diversas formas de se aprender para além da sala de aula. Os textos estão cada vez mais fluidos, e isso vem afetando as concepções de linguagem.

Como enfatizamos no capítulo sobre os documentos oficiais da educação, as DCN (2013) preveem que essas práticas letradas devam estar garantidas a todos os alunos, ainda que diante da diversidade dos contextos dos alunos já apresentada neste trabalho, essas práticas venham a apresentar tempo e esforço diferentes. Os PCN (1997) também propõem uma linguagem mais aproximada da interação, do uso de textos ainda que a criança ainda não saiba ler, do manuseio de livros antes mesmo de saber decodificar as palavras. Além desses, a BNCC (2017) também apresenta a importância das variações linguísticas, cada vez mais se distanciando daquela concepção de linguagem como expressão do pensamento, onde

a língua é um conjunto de regras a serem seguidas, desconsiderando a amplitude da nossa língua.

Isso nos leva a uma discussão pertinente acerca do currículo atual das graduações de Pedagogia nas universidades. Foi um longo caminho, desde o ensino de maneira informal, passando pelas Escolas Normais, até se chegar aos cursos como se tem hoje. Nossa questão era saber se, diante da distância que ainda insistem em colocar entre a Educação e a Linguística, isso havia chegado também à formação do Ensino Superior. Felizmente há sim disciplinas com foco nas concepções de linguagem, que trazem discussões pertinentes sobre os assuntos que não necessariamente dizem respeito a uma área ou a outra, mas sim um complemento, uma união de conceitos que resulta em discursos como vistos nas entrevistas das professoras desta pesquisa.

Esse processo faz com que a educação linguística seja vista como um conjunto de atividades que levam uma pessoa a conhecer o maior número de recursos de sua língua e a utilizá-los nas mais diferentes situações. “Em primeiro lugar, dominar uma língua como instrumento de comunicação não é apenas questão de poder construir e entender orações gramaticais. Trata-se também de saber como usar essas orações em determinados contextos linguísticos e não linguísticos” (ROULET, 1978, p. 81).

Vislumbramos nas análises um professor que busca estar atento às mudanças que ocorrem cada vez mais rapidamente. As formações visam preencher uma lacuna entre o conteúdo que precisa ser ensinado e a forma como isso deve ser feito. “O ensino do português tem sido fortemente dirigido para a escrita, chegando mesmo a se preocupar mais com a aparência da escrita do que com o que ela realmente faz e representa” (CAGLIARI, 1997, p. 96). Cremos que essa fala do autor está se tornando cada vez menos frequente em sala de aula, já que o uso, a importância da escrita, a motivação para a leitura, estão se ampliando e dando sentido ao aprendizado.

Acreditamos que conseguimos fazer um apanhado do perfil das professoras alfabetizadoras, apesar do pequeno universo analisado pela pesquisa, que está presente nas salas de aula atualmente, mas que tanto nos mostrou e surpreendeu. Uma das crenças no início deste processo era que talvez a escola não estivesse acompanhando as mudanças que vêm ocorrendo pelo mundo, deixando as tecnologias, a autonomia, apenas para as outras áreas, e não trazendo para a educação. Quando, na verdade, é justamente aqui o lugar onde a criança poderá também se preparar para utilizar outras formas de se comunicar, de utilizar sua linguagem. Esperamos aqui ter deixado muitas outras indagações para trabalhos futuros,

que possam unir cada vez mais essas duas áreas que se completam, que são a Educação e a Linguística.

A pesquisa em questão contribuirá para que possamos compreender como a linguagem está sendo pensada pelos profissionais da educação que estão junto com os alunos, na linha de frente de um dos maiores acontecimentos na vida de um indivíduo, que é aprender a ler e a escrever sua própria língua, numa perspectiva cada vez mais voltada para o aluno, colocando-o como o centro desse aprender. Vários conceitos orbitam esse sistema provenientes dessa primeira definição. Pensar em como a concepção de linguagem impacta o agir de um professor é pensar o tipo de indivíduo que está sendo preparado pela escola para o mundo.

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