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3 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO 3.1 Os modelos de alfabetização

3.3 Multiletramento pela BNCC

A globalização em muito contribuiu para um novo pensar sobre como a educação estava sendo conduzida nas escolas. Observamos neste presente trabalho que a visão que os professores levam para suas salas é o resultado de suas próprias experiências enquanto alunos e de suas formações continuadas. Entretanto, faz-se necessário estar em constante observância para as possíveis mudanças que podem ocorrer no âmbito da educação.

Foi justamente nesse olhar que um grupo de pesquisadores nos Estados Unidos, denominado New London Group, lançou um manifesto acerca dessas inquietações. Quando se encontraram em 1994, seu objetivo foi consolidar e ampliar os objetivos da educação e das questões do letramento. Eram 10 pesquisadores de países de língua inglesa, e cada um trouxe consigo suas próprias experiências e questões a serem discutidas com o restante do grupo. A discussão se tornou um rico texto publicado em 1996 e que hoje é a base da Pedagogia de Multiletramentos. Eles compreenderam que, em cada um de seus países, o que as crianças precisavam aprender estava mudando e que o principal elemento dessa mudança

estava justamente no fato de que não havia mais uma única forma de aprender e nem de ensinar. Com essa diversidade de aprendizado, surgiu o termo Multiletramento. Essa palavra resumia dois argumentos que emergiram com essa nova configuração: a multiplicidade de canais de comunicação e o aumento da diversidade linguística e cultural. Dessa maneira, as discussões provenientes do GNL destacavam a atenção que se deve ter para que a educação atual contemple a multiculturalidade cada vez mais presente na vida das crianças, advindas também das novas tecnologias. Uma vez isso estando claro e colocado em prática, o desenvolvimento amplo e a preparação para a participação social desse indivíduo estarão mais próximos de ser uma realidade.

Ao participar de uma entrevista ao Grupo de Pesquisa da Relação Infância, Adolescência e Mídia, da UFC, sobre o assunto, Roxane Rojo levanta a importância dessas discussões e a atenção para as mudanças que estão acontecendo, agora não mais observadas apenas por um seleto grupo de pesquisadores, mas visível para todos, acerca da educação:

Essas mídias, portanto, têm que ser incorporadas efetivamente, todas elas, tvs, rádios, essas mídias de massas, mas sobretudo as digitais incorporadas na prática escolar diária. Então, eles vão propor uma pedagogia para a formação, isso lá em 1996, portanto, já há muitos anos atrás. A ideia é que a sociedade hoje funciona a partir de uma diversidade de linguagens e de mídias e de uma diversidade de culturas e que essas coisas têm que ser tematizadas na escola, daí multiletramentos, multilinguagens, multiculturas (ROJO, 2013).

Novos meios de comunicação estão mudando a forma como usamos a linguagem. Dessa maneira, educadores e alunos devem se ver como participantes ativos dessa construção. Diante dessa nova realidade, escolas e professores devem estar preparados para receber essa demanda de alunos que vão chegar com informações trazidas das mais diversas fontes e trabalhá-las em sala de aula, utilizando-se das mais diversas maneiras de ensinar.

Atento a essas mudanças, o componente Língua Portuguesa da BNCC está ancorado em conceitos e perspectivas já conhecidas ao mesmo tempo que se volta para a contemporaneidade das práticas de linguagem. Logo, visa a um ambiente em que as mais diversas formas de letramento sejam alcançadas pelos alunos. A Base está ciente de que não apenas as informações podem ser acessadas mais facilmente, mas podem também ser produzidas e espalhadas de forma mais simples e rápida, pelas mais diversas mídias. Em contrapartida, o documento também traz uma reflexão para a abertura de debates, discussões, sempre mais atento para os fatos e menos para as opiniões.

Da mesma maneira, imbricada à questão dos multiletramentos, essa proposta considera, como uma de suas premissas, a diversidade cultural. Sem aderir a um raciocínio classificatório reducionista, que desconsidera as hibridizações, apropriações e mesclas, é importante contemplar o cânone, o marginal, o culto, o popular, a cultura de massa, a cultura das mídias, a cultura digital, as culturas

infantis e juvenis, de forma a garantir uma ampliação de repertório e uma interação e trato com o diferente (BRASIL, 2017, p. 70).

Dessa maneira, a base contempla a ideia de que temos uma variedade de linguagens, que a escola deve acompanhar esse processo natural e explorá-lo o máximo possível. “Assim, é relevante no espaço escolar conhecer e valorizar as realidades nacionais e internacionais da diversidade linguística e analisar diferentes situações e atitudes humanas implicadas nos usos linguísticos, como o preconceito linguístico” (BRASIL, 2017, p. 70). A escola tem uma tendência, que não é de hoje, como já exposto nesta pesquisa, de valorizar o canônico, a norma culta da língua e, mais recentemente, o ensino de textos como notícias e trechos de livros. Entretanto, os multiletramentos mostram que há outras formas de se aprender, situações que serão vivenciadas no cotidiano, como a leitura de um caixa eletrônico ou da rota de um ônibus.

Leitura no contexto da BNCC é tomada em um sentido mais amplo, dizendo respeito não somente ao texto escrito, mas também a imagens estáticas (foto, pintura, desenho, esquema, gráfico, diagrama) ou em movimento (filmes, vídeos etc.) e ao som (música), que acompanha e cossignifica em muitos gêneros digitais (BRASIL, 2017, p. 72).

Rojo e Moura (2012) apontam algumas características dos multiletramentos, com foco na interação em vários níveis dos indivíduos:

Eles são interativos, mais que isso, colaborativos; (b) eles fraturam e transgridem as relações de poder estabelecidas, em especial as relações de propriedade (das máquinas, das ferramentas, das ideias, dos textos) […]; (c) eles são híbridos, fronteiriços, mestiços (de linguagens, modos, mídias e culturas) (ROJO; MOURA, 2012, p. 23).

Assim, podemos pensar que a BNCC traz consigo as premissas para uma educação cada vez mais interligada, construindo e transmitindo conteúdo das mais diversas formas, nas mais diversas mídias, nas mais diferentes linguagens, propondo cada vez mais um protagonismo por parte dos alunos e um novo pensar sobre o papel do professor nesse novo contexto. Em face do exposto, torna-se importante um estudo sobre multiletramentos, mas, antes disso, sobre o que é letramento e como isso pode afetar a formação dos alunos prevista pela BNCC. Afinal, os modos de representar e de atingir os alunos estão cada vez mais distantes das práticas tradicionais.

Dessa maneira, o que interessa para a Pedagogia dos Multiletramentos são as transformações, e não as reproduções. Ou seja, esse protagonismo por parte dos alunos é cada vez mais exigido, buscando sempre um diálogo com seus pares e posteriormente com a sociedade como um todo. É claro que a escola traz a parte pedagógica no sentido de promover

reflexões aprofundadas que podem contribuir para o desenvolvendo dos alunos, visando cada vez mais à democratização e à participação responsável na cultura digital.

Tratando especificamente do Documento Curricular Referencial do Ceará (DCRC), este vem com a proposta de fazer com que o aprendizado seja prazeroso, sempre reafirmando esse protagonismo por parte de todos que participam do processo educacional. No Componente Curricular Língua Portuguesa, está prevista cada vez mais a valorização da cultura local, da arte, da literatura, da música, da gastronomia, para atender essa demanda de uma educação cada vez mais integrada e significativa. O uso de textos se torna cada vez mais amplo, um mediador ou um objeto de ensino.

Pretendemos, com isso, mostrar que há textos multissemióticos e multimidiáticos e que todas as informações possuem seu papel no momento da compreensão e da produção. Essa compreensão também permite pensar que há outras linguagens em jogo nas interações humanas (ver habilidade CEEF1LP01, por nós proposta) e elas são complementares no processo de comunicação (CEARÁ, 2019, p. 177).

Interessante observar que o documento traz ainda a importância de se conhecer certos conceitos ao se ensinar uma língua. Destacaremos dois conceitos importantes para a presente pesquisa, que são o conceito de linguagem:

A Linguagem é organizada semioticamente e renovada coletiva e/ou individualmente. Ela não é apenas mais uma das capacidades humanas, é também uma megacapacidade constituidora do humano, regulando nosso agir e por ela nos tornando consciente desse agir. Na perspectiva enunciativodiscursiva, ela é ‘uma forma de ação interindividual orientada para uma finalidade específica: um processo de interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes em uma sociedade, nos distintos momentos de sua história.’ (BRASIL; 1998, p. 20) (CEARÁ, 2019, p. 181).

E o próprio conceito de multiletramento: “Multiletramentos dizem respeito à diversidade de culturas e de linguagens em jogo no cotidiano e decorre dos avanços da tecnologia” (CEARÁ, 2019 p. 181).

Com isso, podemos compreender que os documentos amparados à Base contribuem para que a escola tenha um embasamento teórico e legal para promover cada vez mais práticas letradas e multiletradas. Não se trata apenas de levar as crianças para uma sala de tecnologia ou fornecer um tablet para a realização de uma atividade, mas sim da maneira como as mais diversas ferramentas serão utilizadas e, além disso, como isso irá contribuir de forma efetiva na vida dos alunos nas mais diferentes demandas. Voltando para a BNCC:

As práticas de linguagem contemporâneas não só envolvem novos gêneros e textos cada vez mais multissemióticos e multimidiáticos, como também novas formas de produzir, de configurar, de disponibilizar, de replicar e de interagir. As novas ferramentas de edição de textos, áudios, fotos, vídeos tornam acessíveis a qualquer um a produção e disponibilização de textos multissemióticos nas redes sociais e

outros ambientes da Web. Não só é possível acessar conteúdos variados em diferentes mídias, como também produzir e publicar fotos, vídeos diversos, podcasts, infográficos, enciclopédias colaborativas, revistas e livros digitais etc. (BRASIL, 2017, p. 65).

O próprio documento traz como relacionar as práticas de letramento já existentes na escola com esse multiletrar. Ao fazer um estudo de campo, por exemplo, pode-se ter um relato multimidiático, com fotos, vídeos, depoimentos. A leitura de um livro pode se transformar também em uma resenha em forma de vídeo, uma charge ou até mesmo um meme. As possibilidades são diversas e cada vez mais a escola precisa estar preparada para receber esses alunos que já trazem esse tipo de letramento para as escolas, e usá-las em conjunto com os demais aprendizados a serem adquiridos em contribuição com professores e colegas.