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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No documento AS PESSOAS DE CLARICE: VIDAS QUE SE ENCENAM (páginas 92-109)

Debruçar-se sobre a obra de Clarice Lispector é explorar um universo onde tudo sugere ser. A escritora, largamente conhecida pela produção narrativa ficcional, aventura-se na dramaturgia, escrevendo o texto teatral A pecadora queimada e os anjos harmoniosos. No entanto, conceber a escritora enquanto dramaturga não se revela tão inusitado, vez que as personagens claricianas têm a marca indelével da dramaticidade.

A pecadora queimada e os anjos harmoniosos possibilita aos estudiosos da autora trilhar os caminhos multifacetados do ser humano, distanciando-se de alguns estigmas que se perpetuaram na fortuna crítica sobre ela. São inúmeros os trabalhos cuja temática gira em torno da questão de gênero, da psicanálise e da obra como testemunho biográfico. A pesquisa em tela – As pessoas de Clarice: vidas que se encenam – tem como elemento fundador o humano, independente de gênero, que vive as angústias e inquietações sobre a origem da própria existência. “Antes de nascer a pessoa é o que? Uma idéia?, A pessoa está morta?” (LISPECTOR,1998, p.59). Clarice caracteriza-se pela procura incansável de si mesma. “O que eu sou?/ Quem é esta estrangeira?” (2005, p.62). Este é o mote da obra clariciana e, para tal pergunta, nunca haverá resposta.

Propor-se à investigação da peça A pecadora queimada e os anjos harmoniosos, única produção dramatúrgica da escritora Clarice Lispector, é tomar conhecimento da dramaticidade da vida cotidiana, fomentada pela busca da existência essencial e verdadeira que acaba se diluindo no jogo de máscaras sociais. Deste modo, ao mesmo tempo que se escolhe a forma como se quer ser visto(a) no mundo, há sempre o risco de acostumar-se com a imagem projetada socialmente.

É na assunção da personagem, abarcando-lhe a persona propriamente dita, que o desprendimento do eu sugere ocorrer; revelando o desdobramento da existência humana. As máscaras, enquanto instrumento teatral, favorecem a construção da subjetividade. Não teriam, portanto, sentido pejorativo de falseamento, mas a possibilidade do sujeito reinventar-se, na vivência das personagens; encontrando-as em si mesmo.

Clarice Lispector institui, com A pecadora queimada e os anjos harmoniosos, o embate entre máscara social e máscara teatral; entre o mundo das aparências e o

mundo das essências; entre harmonizar-se com o ethos social e a necessidade de buscar o sentido das coisas, de adentrar as zonas mais recônditas, o lugar primeiro onde se encontraria a inicial autêntica identidade. A máscara social esconde, protege de uma possível rejeição; a máscara teatral expõe, revela.

O diálogo que se estabelece com Konstantin Stanislavski consiste, no âmbito desta pesquisa, adotar o conceito de “máscara teatral”, defendido pelo dramaturgista e a relação persona-personagem-pessoa. A máscara teatral, enquanto signo de transmutação, discutida no sistema stanislavskiano, é uma das questões mais significativas da arte dramática, vez que a personagem é concebida como extensão da própria natureza humana. Assim, o ator livra-se da interpretação caricata ao mesmo tempo em que aproxima vida e arte.

Se para Clarice Lispector viver é escrever e escrever é procurar; para Stanislavski viver é encenar e encenar é transformar a vida em obra prima de arte; a verdade da arte é sempre maior que a verdade da vida. Assim, ao que sugerem, tanto a escritora como o dramaturgista estão em busca da verdade: Clarice quer descobrir o que está por trás das máscaras, investigação interminável; Stanislavski busca a verdade cênica a qual consegue representar no palco.

Nesse sentido, encontram-se em percursos que, por se afastarem, tanto mais se encontram, vez que se constituem enquanto equações destinadas ao caminho da verdade e da essência da condição humana. Se, por um lado, no princípio de Stanislavski situa-se a busca pela revelação na vivência plena da cena do palco; no discurso clariciano, efeito similar se constitui na razão da própria busca, ou seja, pelo fracasso da linguagem, fracassa a expectativa e, assim, abre-se espaço abismal para o estado-profundo suscitado pelo processo revelador da vivência epifânica.

No caso da obra aqui divisada, há a recorrência contínua de a personagem a ser emulado permanecer passivelmente quieta. Nada lhe escapa do silêncio que vivencia e pratica. Para além de fuga ou desencanto, consagra e corporifica nele, silêncio, a própria materialização do sucesso epifânico, ao permitir que os fatos transcorram isentos de julgamentos pessoais; simplesmente autocorroendo-se pelas próprias falácias humanas. Deste observar quieto, ao tempo que interinamente dentro – perscruta o tolo humano e, daí experiencia de fora a vida que abruptamente se lhe abre e convida ao máximo encontro com a verdade em si

mesma. O silêncio a nutre de si e a (nos) sustenta perenemente, apesar das chamas que lhe (nos) consomem as carnes: não há respostas, apenas plena quietude.

A ausência de respostas confere ao texto clariciano uma aura instigante que provoca no leitor o desejo de continuar investigando. O espectador, ao perscrutar os rumores do silêncio da protagonista, dinamiza a trama do pulsar da própria vida; observação que, em duplo, se abre como possibilidade de enfrentamento em novas investidas de pesquisa e de questionamentos vivenciais.

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ANEXO I

Transcrição da peça “A Pecadora Queimada e os Anjos Harmoniosos” de Clarice Lispector

ANJOS INVISÍVEIS: Eis-nos quase aqui, vindos pelo longo caminho que existe antes de vós. Mas não estamos cansados, tal estrada não exige força e, se vigor reclamasse, nem o de vossa prece nos ergueria. Só uma vertigem é o que faz rodopiar aos gritos com as folhas até a abertura de um nascimento. Basta uma vertigem, que sabemos? Se homens hesitam sobre homens, anjos ignoram sobre anjos, o mundo é grande e abençoado, seja o que é. Não estamos cansados, nossos pés jamais foram lavados. Grasnando a esta próxima diversão, viemos sofrer o que tem que ser sofrido, nós que ainda não fomos tocados, nós que ainda não somos menino ou menina. Ei-nos nas malhas da tragédia verdadeira, da qual extrairemos a nossa forma primeira. Quando abrirmos os olhos para sermos os nascidos, de nada nos lembraremos: crianças balbuciantes seremos e vossas mesmas armas empunharemos. Cegos no caminho que antecede os passos, cegos prosseguiremos quando de olhos já vendo nascermos. Também ignoramos a que viemos. Basta-nos a convicção de que aquilo a ser feito será feito: queda de anjo é direção. Nosso verdadeiro começo, e nosso verdadeiro fim será posterior ao fim visível. A harmonia, a terrível harmonia, é o nosso único destino prévio.

SACERDOTE: No amor pelo Senhor não me perdi, sempre seguro no Teu dia como na Tua noite. E esta simples mulher por tão pouco se perdeu, e perdeu sua natureza, e ei-la a nada mais possuir e, agora pura, o que lhe resta ainda queimarão. Os estranhos caminhos. Ela consumiu sua fatalidade num só pecado em que se deu toda, e ei-la no limiar de ser salva. Cada humilde via é via: o pecado grosseiro é via, a ignorância dos mandamentos é via, a concupiscência é via. Só não era via a minha prematura alegria de percorrer com guia e tão facilmente a sacra via. Só não era via a minha presunção de ser salvo a meio do caminho. Senhor, dai-me a graça de pecar. É pesada a falta de tentação em que me deixaste. Onde estão a água e o fogo pelos quais nunca passei? Senhor, dai-me a graça de pecar. Esta vela que fui, acesa em Teu nome, esteve sempre acesa na luz e nada vi. Mas, ah esperança que me abrirá as portas de Teu violento céu: agora percebo que, se de mim não fizeste o facho que arderá, pelo menos fizeste aquele que ateia fogo. Ah esperança, na qual ainda vejo meu orgulho de ser eleito: em culpa bato no peito, e

com alegria que eu desejaria mortificada digo: o Senhor apontou-me para pecar mais que aquela que pecou, e afinal consumirei minha tragédia. Pois foi de minha palavra irada que Te serviste para que eu cumprisse, mais do que o pecado, o pecado de castigar o pecado. Para que tão baixo eu desça de minha perigosa paz que a escuridão total – onde não existem candelabros nem púrpura papal e nem mesmo o símbolo da Cruz – a escuridão total sejas Tu. “As trevas não te cegarão”, foi dito nos Salmos.

POVO: Há dois dias temos fome e aqui estamos a buscar alimento. Entram a pecadora e dois guardas.

SACERDOTE: “Ela fez suas delícias da escravidão dos sentidos”, pelo sinal da santa cruz.

POVO: Ei-la, Ei-la, Ei-la. CRIANÇA COM SONO: Ei-la.

MULHER DO POVO: Ei-la, a que errou, a que para pecar de dois homens e de um sacerdote e de um povo precisou.

PRIMEIRO GUARDA: Somos os guardas de nossa pátria. Sufocamos em abafada paz, e da última guerra já esquecemos até os clarins. Nosso amado rei nos espalha em postos de extrema confiança, mas na vigília inútil nossa virilidade quase adormecemos. Feitos para gloriosamente morrer, eis que envergonhadamente vivemos.

SEGUNDO GUARDA: Somos um guarda de um Senhor, cujo domínio nos parece bem confuso: ora se estende até onde vão as fronteiras marcadas pelo costume e uso, e nossas lanças então se erguem ao grito da fanfarra. Ora tal domínio penetra em terras onde existe lei bem anterior. Pois eis-nos desta vez a guardar o que por si mesmo será sempre guardado, pelo povo e pelo fado. Sob este céu de asfixiada tranqüilidade, pode faltar o pão, mas nunca faltará o mistério da realização. Pois que estamos nós fantasticamente a velar? Senão o destino de um coração.

PRIMEIRO GUARDA: Como vossas últimas palavras lembram o saudoso reboar de um canhão. Que desejo enfim vigiar um mundo menor, onde seja nossa lança a ferir de morte o que vai morrer. Mas, cá estamos a guardar uma mulher que a bem dizer por si mesma já foi incendiada.

ANJOS INVISÍVEIS: Incendiada pela harmonia, a sangrenta suave harmonia, que é nosso destino prévio.

POVO: Eis o marido, aquele que foi traído.

ESPOSO: Ei-la, a que será queimada pela minha cólera. Quem falou através de mim que me deu tal fatal poder? Fui eu aquele que incitou a palavra do sacerdote e juntou a tropa deste povo e despertou a lança dos guardas, e deu a este pátio tal ar de glória que abate estes muros. Ah, esposa ainda amada, desta invasão eu queria estar livre. Sonhava estar só contigo e recordar-te nossa alegria passada. Deixai-a só comigo. Diante de vós – estrangeiros à minha felicidade anterior e a minha

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