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A experiência GAM na Atenção Básica em uma região interiorana do nordeste brasileiro, nos chamou a atenção, tanto pela possibilidade de compreender os efeitos das drogas psiquiátricas na vida de pessoas em sofrimento psíquico, - principalmente, ao nos apontar que esses podem serem diferentes em corpos de mulheres -, como também pela sua potência de agir aumentada pelos fluxos coletivos da grupalidade em detrimento das capturas biopolíticas, regidas pelo poder médico psiquiátrico. Uma vez que em razão das pessoas se reconhecerem como indivíduos de poder e com capacidade de autogovernar, enfraquecem os poderes regidos pelas normas medicalizantes. De tal modo a nos mostrar, que onde há poder também há resistência, como nos diria Foucault (2017).

Além disso, os 6 meses de grupalidade reafirmam que uma das maiores dificuldades em dá consistência a consolidação dos pressupostos tanto da Reforma

Psiquiátrica como da Reforma Sanitária no contexto nordestino e brasileiro se diz pela ausência de informações dos direitos das pessoas enquanto usuários do SUS e da RAPS, impossibilitando a gerencia de sua autonomia e do seu protagonismo nos serviços e na comunidade. Dado que além do cuidado em saúde mental está restringido ao uso de psicotrópicos, os profissionais de saúde, em princípio, os médicos gerais e psiquiatras, não parecem considerar os processos de subjetividade presentes na produção do sofrimento psíquico. Isso é visto, pela medicalização tanto de problemas sociais como do corpo de mulheres, em razão dos determinantes sociais da pobreza e das assimetrias de gênero, parecem não serem vistas como condicionantes do adoecimento. Assim, as mulheres e os seus corpos aparentam restringidas as suas funções biológicas em detrimento das determinações sociais no processo saúde-doença e dos processos de subjetivação em jogo.

Outra circunstância que nos chama atenção, diz respeito a gerencia organizacional e macropolítica para tratar de problemas referentes a saúde mental, visto que os participantes apontam ausência de clínicos gerais e de especialidades psiquiátricas no município, para negociar o uso de psicofármacos, nos parecendo que existem apenas repasses de receitas (quando possível) e não necessariamente um acompanhamento clinico e psicossocial efetivo, certamente pela ausência de projetos singulares terapêuticos, não vistas em nossas discussões e por problemas de trabalhos direcionados aos processos organizativos da rede. Assim, os usuários aparecem como pessoas assistidas apenas por via de medicalização. Nos mostrando que existe muito mais um controle desses corpos, do que um cuidado verdadeiramente humanizado.

Para finalizar e apontar sugestões, percebemos a GAM com algumas limitações para o público da Atenção Básica, na medida que a cartilha estimula a discussão da participação política mais, profundamente, no campo da RAPS. No entanto, deixando a desejar reflexões, também, sobre a história do movimento sanitário e dos direitos enquanto usuários do SUS, de modo a especificar, igualmente o campo da saúde coletiva. Isso veio à tona na experiência, porque, os participantes da GAM se mostraram curiosos em conhecer os seus direitos enquanto usuários do SUS, de um modo geral, uma vez que colocaram várias questões referentes aos direitos em saúde mental no campo da Atenção Primária.

Com isso, pensamos a GAM como um instrumento a ser adaptado não só para as pessoas que frequentam a RAPS, mas também para os que acessam a Atenção Básica, ao

considerarmos que nesse contexto existe uma forte prescrição de psicotrópicos pelos clínicos gerais e um alto índice de mulheres medicalizadas (FREITAS; AMARANTE, 2015). Assim, pensamos ser possível, ampliar a GAM inserindo na cartilha questões que pudessem serem trabalhadas não focando apenas os direitos conquistados pela Reforma Psiquiátrica, como, igualmente, trazendo algumas questões mais especificas da importância do que é SUS e quais os direitos e deveres que nós temos com nossas políticas públicas de saúde, de forma mais abrangente.

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