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Algumas reflexões sobre o processo de formação universitária emergiram a partir da interlocução dos dados obtidos com os referenciais presentes na literatura e serão brevemente compartilhadas a seguir.

A diversidade de atividades desenvolvidas pelos estudantes confirma que o processo educacional, sob responsabilidade da instituição, envolve experiências que ultrapassam os limites da sala de aula e das exigências das atividades curriculares obrigatórias e que ambas, em interação, contribuem com mudanças significativas para a aprendizagem e desenvolvimento dos estudantes. Como notas e históricos escolares não traduzem toda a extensão do desenvolvimento do estudante, programas de curso não revelam a totalidade das experiências de formação universitária. Repetindo conclusões de Kuh (1995 p.145) "muitas experiências fora da sala de aula possuem potencial para contribuir na

valorização dos resultados da universidade".

O relato espontâneo dos estudantes, mencionando a importância das atividades não obrigatórias na sua formação, sinaliza o reconhecimento, por parte dos universitários, de que as diversas experiências vivenciadas durante os quatro ou cinco anos da universidade têm um impacto na sua formação.

Merece destaque, ainda, a constatação de que a presença das atividades não obrigatórias não extinguiu as experiências obrigatórias e nem teve um papel de substituí- las. O que se observa é uma interação destas experiências, contribuindo de maneira direta para a formação do estudante, reafirmando a necessidade de ambas atividades nos currículos universitários. Conhecimentos mais pontuais sobre a atuação do conjunto de atividades obrigatórias e não obrigatórias são importantes e sugerem a necessidade de novos estudos sobre esta temática.

A presença de experiências não obrigatórias, que não se organizam no enfoque disciplinar, concretiza algumas das condições que caracterizam um currículo orientado pelo princípio da flexibilização. Pereira e Cortelazzo (2002, p.122) apontam que o princípio da flexibilização se baseia, entre outros, no "entendimento de que o processo acadêmico de

formação extrapola as disciplinas centradas na área básica e específica do curso" e

aprendizagem à formação universitária e que possibilitem "não só o crescimento

profissional, mas também o desenvolvimento pessoal do estudante".

A flexibilidade do currículo ao criar condições para a vivência de atividades não obrigatórias tem como um dos seus benefícios a possibilidade do aluno compor sua formação com experiências que mais se aproximem de seus interesses pessoais. No presente estudo, a oportunidade e a liberdade de o estudante escolher em quais experiências participar, foi descrito como muito significativo e um dos elementos principais que o leva a optar pela realização das atividades não obrigatórias. O prazer em aprender, elemento indispensável para que o ensino superior seja vivido com alegria (Snyders, 1995), é resgatado com a participação nestas experiências. É provável que a disposição para aprender rememorada pelas experiências não obrigatórias, tenha um impacto positivo nas obrigatórias, reafirmando a ligação entre as mesmas. Supõe-se que sejam estes conjunto de fatores que contribuem para que as propostas de flexibilização curricular favoreçam resultados mais específicos, os quais ampliam a formação do estudante para além dos aspectos acadêmicos.

A participação e o envolvimento do estudante em atividades não obrigatórias parece ter sua importância em parte determinada pelas mudanças pessoais que propiciam e conseqüente favorecimento da adaptação e integração do estudante ao contexto universitário. Almeida e cols (2000) sustentam que as mudanças decorrentes da participação nessas atividades são acompanhadas de sentimentos de aceitação e de aprovação e se constituem em facilitadores da integração do estudante ao contexto universitário. Por conseguinte, as atividades não obrigatórias afetam a qualidade das vivências acadêmicas, e estas, a qualidade da adaptação ao campus e o rendimento acadêmico.

Este estudo também reforça a proposição de Astin (1984) sobre o envolvimento do estudante nas atividades universitárias. Ainda que não sido proposto, neste estudo, mensurar alguns aspectos apontados por este autor, observa-se que a quantidade de benefícios associados ao envolvimento nas atividades é condizente com a afirmação de que a quantidade de energia gasta nas experiências é diretamente proporcional à quantidade de desenvolvimento pessoal observado. No presente estudo, os universitários relatam

participar de diversas atividades não obrigatórias e observam alterações pessoais relacionadas ao envolvimento nestas experiências.

Por outro lado, também se aponta na literatura a presença de influências negativas decorrentes da participação nas atividades não obrigatórias. Ainda que no presente estudo tenha havido uma baixa presença de impactos negativos, estes dados não são conclusivos. As propostas educacionais devem prever tanto as conseqüências positivas como as negativas já descritas na literatura e, principalmente, tentar amenizar os impactos negativos, face às considerações de Terenzini, Pascarella e Blimling (1996). Tais autores sugerem a necessidade de intervenções logo no início do curso para se evitar que desvantagens de aprendizagem associadas a essas experiências ocorram, principalmente tendo-se em conta que os efeitos negativos dessas atividades já são observáveis ao final do primeiro ano de curso, podendo se constituir nas primeiras de um processo cumulativo de desvantagens.

Com relação às ações específicas das atividades não obrigatórias, sobre uma ou outra área do desenvolvimento pessoal, um aspecto a se considerar é o efeito cumulativo que essas atividades têm sobre o estudante. Uma das principais conclusões da revisão da literatura realizada por Terenzini, Pascarella e Blimling (1996), foi a de que o elevado grau de impacto que as atividades externas à aula exercem sobre o estudante depende do somatório de efeitos de um conjunto de atividades pois, isoladamente, produzem efeitos pequenos. Algumas das implicações apontadas pelos autores merecem ser destacadas: uma delas é a necessidade de se promover o ambiente cultural do campus, uma vez que, influências fortes sobre as mudanças do estudante serão mais prováveis como decorrência de experiências múltiplas, em múltiplas áreas educacionalmente relevantes.

A este respeito, considerando que as atividades não obrigatórias são essenciais para a formação do estudante, as mesmas não devem ser entendidas como de ocorrência esporádica. A responsabilidade da instituição pressupõe um planejamento e programação das ocorrências destas experiências durante a vida acadêmica do estudante. Além disto o seu caráter não obrigatório não elimina a necessidade de acompanhamento ou supervisão que muitas vezes deve ser realizado por um membro da instituição, em particular o corpo docente, um colega ou o pessoal dos serviços prestados pela universidade. Ao analisar as diversas condições propiciadoras para a realização destas atividades apontadas pelos estudantes, foi muito presente o papel da universidade na viabilização destas experiências.

O envolvimento em atividades não obrigatórias em sua grande maioria parece não ser diretamente ou especificamente relacionado a um ou outro curso, mas comuns a todos os alunos de graduação. Isto sugere que as propostas dessas atividades devam compor as agendas de discussões sobre os objetivos de formação do universitário realizadas no âmbito das comissões da universidade, em especial, nas comissões centrais de graduação. A universidade deve prevê-las e garantir que sua ocorrência seja intencionalmente estabelecida.

Neste sentido, ao olhar todo o percurso de construções realizadas, ainda que alcançadas a partir do estudo em uma instituição específica e com um número limitado de alunos, considerando sua preocupação com aspectos qualitativos, tornaram-se mais contundentes os resultados sobre a importância das atividades não obrigatórias na formação do estudante. Distante, porém, da crença de que todas as questões foram contempladas, as considerações do presente trabalho sinalizam a necessidade de outras investigações relacionadas ao ensino superior. Tornam-se pertinentes propostas que compreendam o papel que os relacionamentos interpessoais, ocorridos durante o período de graduação, exercem sobre o processo de integração e adaptação do estudante a este nível educacional, como também analisar as contribuições mais específicas destes relacionamentos para a formação integral do estudante.

Observa-se, portanto, que novos estudos devem ser desenvolvidos para que a compreensão do ensino superior, mais especificamente sobre o estudante universitário, possa ser ampliada. O corpo de conhecimentos relacionado à psicologia, ainda que distante de um enfoque reducionista sobre o entendimento de um determinado fenômeno, pode ter um papel fundamental na construção de novos conhecimentos sobre a formação universitária, em especial considerando as colocações de Clarice Lispector apresentadas no início destes trabalho, constatando que muitas buscas antecedem a edificação de novos conhecimentos.