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Chegou o momento de finalizar esta dissertação. Assim, reflito brevemente sobre o percurso vivido, conexões e escolhas realizadas. E nesse movimento, sempre pairam dúvidas, incertezas e a suspeita de que ficou algo por ser dito, por ser problematizado, por ser evidenciado. E mesmo após a vivência de todo o processo de construção desta dissertação, por vezes, penso se não havia algo a ser feito para que a pesquisa ficasse mais completa e acabada. E se eu tivesse tido mais tempo? E se eu tivesse usado determinados autores? E se eu tivesse usado aquele trecho do diário de campo e não outro? E se eu tivesse aprofundado mais determinado conceito? E se... E, ao me deparar com essas incertezas lembro que a minha pesquisa não pretendia trazer uma verdade absoluta. A totalidade é algo que não se pode atingir.

E tomando como base o entendimento de que não há uma verdade única a ser contada e que as descobertas de uma pesquisa são sempre temporárias e inacabadas, fui fazendo escolhas. E, a partir dessas escolhas – entendimentos, conceitos, procedimentos metodológicos, sujeitos da pesquisa - busquei atingir o meu objetivo inicial: evidenciar os processos criativos das crianças a partir da cultura midiática. E, com isso, procurei me aproximar ao máximo das elaborações criativas das crianças a partir da instância cultural da mídia na contemporaneidade no contexto investigado.

O ponto de partida para esta reflexão foi o pressuposto de que um novo entendimento de infância está se configurando e que as experiências das crianças têm sido fortemente marcadas pelas presenças das mídias em sua vida (BUCKINGHAM, 2000; FISCHER, 2002; FANTIN, 2006). Neste cenário de mudanças indaguei sobre como as mídias tem fornecido elementos culturais para as crianças e como esses elementos participam de seus processos criativos. Considerando que a mídia tem ofertado por meio, principalmente dos seus produtos culturais, elementos materiais e simbólicos para elaboração de vivências, expressão de sentimentos, produção de subjetividades e dos processos criativos das crianças.

No contexto desta pesquisa considerei a importância dos estudos mais recentes do aporte teórico da Sociologia da Infância como os de Sarmento (2003; 2004; 2005) e Corsaro (2009; 2011), buscando compreender as crianças como protagonistas ativas nesse processo de apropriação e ressignificação da cultura midiática. E, visando compreender os processos criativos das crianças a partir da

perspectiva histórico-cultural, cheguei aos estudos de Martinéz (1997; 2001; 2004; 2009; 2010).

Em relação aos caminhos teórico-metodológicos trilhados reitero o movimento de ser professora e, ao mesmo tempo, pesquisadora do mesmo grupo de crianças. E o desafio que esteve em estranhar o olhar, desnaturalizar entendimentos e perceber as sutilezas que envolviam as crianças e suas relações no contexto da escola. Estabelecer conexões e experimentar, em alguns momentos, me desprender da figura de professora e me colocar na postura de observadora e, em outros, viver esses papéis de um modo entrelaçado. Assumir que vivenciar esses papéis ao mesmo tempo poderia me trazer facilidades e dificuldades e, ainda assim, apostar nas vantagens de ser familiar ao grupo. Assim, muitas elaborações criativas só foram possíveis de serem percebidas porque eu conhecia certas particularidades das crianças como, por exemplo, o interesse de J. (menino) por dinossauros, o de I (menina) pelas músicas pop, o de M (menina) por carrinhos, dentre outros.

Desde as etapas iniciais, houve a preocupação em evidenciar o protagonismo do grupo investigado e agora, ao final, consigo refletir que elas são, em grande medida, protagonistas e atuantes ativas, mas, agem dentro de certo limite, a partir dos elementos que lhes são colocados à disposição, incluindo aqueles referentes às esferas midiáticas. Dito de outra maneira, ainda que as crianças utilizem estratégias criativas para atuar, constituir relações, expressar sentimentos e partilhar significados nos espaços e tempos da escola, como penso que foi possível perceber por meio das análises realizadas, é necessário observar que tais elaborações criativas, em muitos momentos, mantêm determinados estereótipos, identidades e valores disseminados pela cultura midiática.

Dessa maneira, é visível o papel que a cultura midiática tem na produção de significados sobre nós mesmos e sobre as nossas vivências no mundo. E as crianças, assim como nós adultos e talvez até mais que nós, estão imersas nesse processo. Logo, nas múltiplas e diversas situações envolvendo a criatividade no âmbito do contexto pesquisado foi possível ver as marcas do mundo líquido- moderno nas relações estabelecidas entre as crianças que se caracterizaram pelo individualismo, pela busca constante da satisfação pessoal, pela competitividade, pela necessidade de visibilidade, pelo movimento e transitoriedade dos diferentes papéis assumidos pelas crianças, dentre outras.

Também foi possível observar a elaboração da criatividade na expressão de sentimentos e entendimentos sobre o mundo, na reinvenção de personagens e brincadeiras, nas estratégias para brincar com algo que era do interesse e relacionado à esfera de motivação, na busca por grupos ou colegas de preferências. O que me fez perceber que a criatividade a partir da cultura midiática se expressou de variados jeitos e com os mais distintos objetivos no cotidiano da escola. Assim, pode-se dizer que as atividades criadoras foram constituídas e expressaram diferentes demandas das crianças. E que, não necessariamente, teve um produto final, mas esteve presente em todo o processo de produção da novidade.

Portanto, considero o potencial ativo e a capacidade criativa das crianças de não somente imitar personagens ou reproduzir suas músicas preferidas, por exemplo, mas de reinventar ações, relações, movimentos, sentimentos, palavras e significados a partir daquilo que observam. Potencial que pode/deve ser percebido e trabalhado no contexto escolar.

Nesse sentido, mesmo entendendo que as crianças são atores sociais e protagonistas dos seus processos de socialização, é importante pensar na infinidade de produtos culturais e materiais simbólicos que a mídia coloca à disposição na atualidade e que se constituem como elementos que inspiram e mediam as suas relações.

Por fim, ao dizer que as crianças criam a partir das suas condições concretas de existência – nas interações com os diferentes tempos e espaços e objetos da cultura – penso, inevitavelmente, sobre o imperativo de se refletir sobre as condições que tem sido oferecidas pela escola para que as crianças elaborem seus processos criativos na atualidade. Reflito, ao final deste trabalho, sobre a necessidade de que as crianças sejam instrumentalizadas para questionar valores, estereótipos, padrões de beleza, modos de agir e de se comportar que tem sido fortemente difundidos pelas instâncias midiáticas. Destaco, ainda, a importância da mediação da família e da escola fornecendo outros referenciais simbólicos, emocionais e materiais para as crianças elaborarem seus processos criativos talvez com outras finalidades mais afinadas a uma sociedade solidária e menos individualista.