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A criatividade das crianças a partir da Cultura da Mídia no contexto de uma instituição de Educação Infantil de Natal/RN

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

ESTHEPHANIA OLIVEIRA MAIA BATALHA

A CRIATIVIDADE DAS CRIANÇAS A PARTIR DA CULTURA DA MÍDIA NO CONTEXTO DE UMA INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO INFANTIL DE NATAL/RN

NATAL/RN 2019

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ESTHEPHANIA OLIVEIRA MAIA BATALHA

A CRIATIVIDADE DAS CRIANÇAS A PARTIR DA CULTURA DA MÍDIA NO CONTEXTO DE UMA INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO INFANTIL DE NATAL/RN

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGEd, do Centro de Educação, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação, na linha de pesquisa Educação, Currículo e Práticas Pedagógicas. Orientadora: Profª. Drª. Mariangela Momo.

Natal/RN

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Moacyr de Góes - CE

Batalha, Esthephania Oliveira Maia.

A criatividade das crianças a partir da Cultura da Mídia no contexto de uma instituição de Educação Infantil de Natal/RN / Esthephania Oliveira Maia Batalha. - Natal, 2019.

150 f.: il.

Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Educação, Programa de Pós Graduação em Educação.

Orientadora: Profª. Drª. Mariangela Momo.

1. Mídia - Dissertação. 2. Criança - Dissertação. 3. Criatividade - Dissertação. I. Momo, Mariangela. II. Título.

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ESTHEPHANIA OLIVEIRA MAIA BATALHA

A CRIATIVIDADE DAS CRIANÇAS A PARTIR DA CULTURA DA MÍDIA NO CONTEXTO DE UMA INSTITUIÇÃO DE EDUCAÇÃO INFANTIL DE NATAL/RN

APROVAÇÃO ____/____/_____

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________________________ Profª. Dr.ª Mariangela Momo (Orientadora)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

___________________________________________________________________ Profª. Dr.ª Cristina Massot Madeira Coelho (Examinadora Externa)

Faculdade de Educação - Universidade de Brasília - UnB

___________________________________________________________________ Profª. Dr.ª. Denise Maria de Carvalho Lopes (Examinadora Interna)

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

___________________________________________________________________ Profª. Dr.ª Michelle de Freitas Bissoli (Suplente Externa)

Universidade Federal do Amazonas - UFAM

___________________________________________________________________ Profª Dr.ª Maria Cristina Leandro de Paiva (Suplente Interna)

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Ao meu amado filho, Pedro, a quem sou grata por me ensinar tanto.

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AGRADECIMENTOS

Nos tornamos nos mesmos através dos outros

Vigotski

Agradeço a todos – os outros – que passaram por mim deixando um pouco de si. Em especial:

Às crianças da pesquisa que me possibilitaram, por dois anos intensos de convivência, fazer parte dos seus mundos;

À minha orientadora, Mariangela Momo, por ter sido essencial para a constituição deste trabalho. Pessoa que admiro e respeito pela competência teórica e como pesquisadora. Gratidão por me receber desde o início ainda como bolsista da graduação e por me incentivar a enveredar pelos caminhos da pesquisa científica. Gratidão por me potencializar a sair da minha zona de conforto e compreender possibilidades além.

Às professoras avaliadoras que se dispuseram a participar da banca e defesa desta dissertação. Em especial, à professora Denise Maria de Carvalho Lopes pelos valiosos ensinamentos no decorrer da minha trajetória acadêmica e por ser referência e inspiração para o trabalho com as crianças pequenas;

Ao Núcleo de Educação da Infância, Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela concessão do afastamento para a realização deste trabalho;

À Neidinha, Gilson e Priscila, colegas de trabalho que hoje são também amigos preciosos. Gratidão pela parceria cotidiana, pelo convívio diário e pelas trocas no trabalho e na vida;

À Luanna, amiga de longas datas. Com quem hoje tenho a alegria de partilhar o mesmo ambiente de trabalho, um sonho que sonhamos juntas. Gratidão por dividir comigo diferentes fases da vida acadêmica e pessoal;

À Maria Patrícia, pela amizade, textos compartilhados e diálogos sobre o protagonismo infantil;

Aos colegas do grupo de pesquisa, Vládia, Aline, Laide Dayana, Diorge e Polena que me ajudaram a pensar melhor;

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Em especial a Dani, pela conexão incrível. Pelas vibrações positivas. Pela leveza que emana. Pela amizade construída que levarei para a vida.

À minha irmã, Erika, pelo apoio, risadas e torcida incondicional;

À minha cunhada, Amanda, pela troca de experiências nessa trajetória que percorremos juntas;

Ao meu pai, Elder, e a sua companheira, Marcela, pelo apoio, palavras de motivação e encontros alegres;

À minha avó, Maria Cícera, mulher de garra. Tenho em mim seu exemplo de determinação e coragem;

Aos meus avós paternos, Erôncio Batalha, in memorian, e Niton, exemplos de carinho e bondade;

À minha mãe, Zita, mulher forte e batalhadora, principal responsável por todas as minhas conquistas. Gratidão pelos cuidados amorosos e dedicação incondicional ao nosso Pedrinho;

Ao meu companheiro e grande amigo, Rafael, que me traz sempre palavras de carinho e compreensão. Obrigada por compartilhar comigo os cuidados com o nosso maior tesouro, Pedro, e por assumi-los quase que integralmente nos momentos finais da realização deste trabalho;

À Pedro, meu filho amado, que apesar de tão pequeno nos ensina, a cada dia, uma forma de amor puro e desinteressado que não teríamos conhecido se não fosse por ele. Gratidão por me ensinar tanto!

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A criação, na verdade, não existe apenas quando se criam grandes obras históricas, mas por toda parte em que o homem imagina, combina, modifica e cria algo novo, mesmo que esse novo se pareça a um grãozinho comparado às criações dos gênios. (VIGOTSKI).

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RESUMO

O ponto de partida desta dissertação é o pressuposto de que novos entendimentos sobre a infância estão se configurando, considerando-se que as experiências das crianças têm sido fortemente marcadas pela presença das mídias em suas vidas, conforme nos apontam Buckingham (2007; 2010), Steinberg e Kincheloe (2001), Linn (2006), Giroux (1995); Fantin (2006; 2008), Fischer (2002), e Momo (2007; 2010). Considerando que a mídia tem ofertado, por meio, principalmente, dos seus produtos culturais, elementos materiais e simbólicos para elaboração de vivências, expressão de sentimentos, produção de subjetividades e dos processos criativos das crianças, esta pesquisa teve como objetivo evidenciar a criatividade das crianças a partir da cultura da mídia no contexto de uma instituição de Educação Infantil de Natal/RN. A investigação ocorreu durante os anos de 2017 e 2018 em uma turma composta por vinte e duas crianças na faixa-etária entre 4 e 5 anos de idade do Núcleo de Educação da Infância, Colégio de Aplicação vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte – NEI-CAp/UFRN. Como estratégias metodológicas, me inspirei em elementos da pesquisa etnográfica (VELHO e KUSCHNIR, 2003; VELHO 2014), que envolveu o desafio de estranhar o familiar e perceber as sutilezas que marcaram as relações no contexto escolar, já que eu era, ao mesmo tempo, professora e pesquisadora desse grupo de crianças. Por meio de registros imagéticos e escritos em diário de campo, captei e registrei momentos do cotidiano escolar que tinham relação com a mídia e os processos criativos das crianças. Considerei também, para o suporte teórico-metodológico, estudos mais recentes do aporte teórico dos Estudos Culturais em Educação, tais como Hall (1997; 2006), Kellner (2011), Buckingham (2010; 2012), buscando entender as correções entre as crianças e as mídias, e da Sociologia da Infância como os de Sarmento (2003, 2004, 2005) e Corsaro (2009; 2011), de modo a compreender as crianças como protagonistas ativas no processo de apropriação e ressignificação da cultura midiática. Já visando entender os processos criativos das crianças a partir da perspectiva histórico-cultural, considerei os estudos de Martinéz (1997), (2001), (2004), (2009a), (2010) e Vigotski (1998), (2003), (2004). A análise incidiu sobre as imagens, discursos e ações das crianças que tinham relação com elementos da cultura midiática, como artefatos e determinados significados a eles vinculados, e a utilização dessa cultura para a elaboração de processos criativos. A partir das análises foi possível elencar situações criativas envolvendo as crianças e organizá-las em dois eixos. No primeiro deles, intitulado Entre super-heróis e princesas: criando a partir dos elementos fornecidos pela cultura midiática, evidenciei momentos criativos em que as crianças combinaram e reconstruíram elementos da cultura da mídia para criar novas palavras, jogos e brincadeiras a partir de significados vinculados ao universo dos super-heróis e das princesas. No segundo deles, intitulado Criatividade para si: criando para satisfazer necessidades, trago situações que - em conexão com o individualismo do mundo líquido-moderno - evidenciam que as crianças buscaram, por meio de estratégias criativas, a satisfação de necessidades individuais. Desse modo, foi possível perceber que a criatividade das crianças se expressou em pequenas ações e estratégias a partir dos recursos materiais, emocionais e simbólicos que lhes eram disponíveis naquele momento. Pode-se, ainda, dizer que, embora as crianças tenham utilizado estratégias criativas para atuar, constituir relações, expressar sentimentos e partilhar significados nos espaços e tempos da escola, tais elaborações criativas, em muitos momentos, mantêm determinados estereótipos, identidades e valores disseminados pela cultura midiática. Por fim, mesmo entendendo que as crianças são atores

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sociais e protagonistas dos seus processos de socialização, é importante problematizar acerca da infinidade de produtos culturais e materiais simbólicos que a mídia coloca à disposição na atualidade e que se constituem como elementos que inspiram e mediam relações. Desse modo, ressalto a necessidade da mediação da família e da escola, fornecendo outros referenciais simbólicos, emocionais e materiais para as crianças elaborarem seus processos criativos, talvez com outras finalidades mais afinadas a uma sociedade solidária e menos individualista.

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ABSTRACT

The starting point of this dissertation is the premise that new understandings about childhood are setting up, considering that experiences of children have been strongly marked by the presence of the media in their lives, as Buckingham (2007; 2010), Steinberg and Kincheloe (2001), Linn (2006), Giroux (1995); Fantin (2006; 2008), Fischer (2002), and Momo (2007; 2010) point out. Considering that media has mainly offered through its cultural products material and symbolic elements to the experiences elaboration, expression of feelings, subjectivities production and the creative processes of children, this research aimed to evince the creativity of children as from the media culture in the context of an Early Childhood Education institution in Natal / RN. The investigation was conducted during the years 2017 and 2018 in a class composed by twenty-two children in a age range between 4 and 5 years old in the Childhood Education Center, School of Application attached to the Federal University of Rio Grande do Norte - NEI-CAp/UFRN. In terms of methodological strategies, I was inspired by elements of the ethnographic research (VELHO; KUSCHNIR, 2003; VELHO, 2014), which involved the challenge of causing strangeness on the familiar and perceiving the subtlenesses that marked relationships in the school context, since I was, at the same time, teacher and researcher of this group of children. By means of imagery records and writings in field diaries, I captured and recorded moments in the school routine that related to the media and the children creative processes. I also considered, as theoretical and methodological support, more recent studies from the theoretical contribution of Cultural Studies in Education, such as Hall (1997; 2006), Kellner (2011), Buckingham (2010; 2012), aiming to understand the corrections between children and the media, and the Sociology of Childhood, such as those of Sarmento (2003, 2004, 2005) and Corsaro (2009; 2011), in order to perceive children as active protagonists in the process of appropriation and resignification of the media culture. With the purpose of understanding the creative processes of children, from a historical-cultural perspective, I considered the studies of Martinéz (1997), (2001), (2004), (2009a), (2010). The analisys regarded the images, discourses, and actions of children who had relation to elements of the media culture, such as artifacts and certain meanings linked to them, besides the using of this culture to the elaboration of creative processes. These analysis made it possible to list creative situations envolving the children and organize them in two axis. In the first one, titled Between superheroes and princesses: creating from elements provided by the media culture, creative moments were evinced in which children combined and reconstrued elements of media culture to create new words, child plays, and games based on the meanings related to the universe of superheroes and princesses. In the second one, titled Creativity for oneself: creating to satisfy needs, I bring situations that – in connection with the modern-liquid world individualism – showed that children seeked, through creative strategies, the satisfaction of individual needs. Therefore, it was possible to perceive that the criativity of children was expressed in small actions and strategies from the material, emotional and symbolic resources that were available to them at that moment. Also, it may be said that, although children have used creative strategies to act, compose relationships, express feelings and share meanings in the school time and space, such creative elaborations often maintain certain stereotypes, identities, and values disseminated by the media culture. Finally, even understanding that children are social actors and protagonists of their socialization processes, it is important to problematize the infinity of cultural products and symbolic materials that media offers today which constitute themselves as elements that inspire and mediate

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relationships. Thus, I hightlight the necessity of school and family mediation, providing another symbolic, emotional and material references for children to elaborate their creative processes, perhaps with other purposes suitable to a solidary and less individualistic society.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Imagem 1: P (menino) exibindo um sensor de iluminação do Flash...40

Imagem 2: Álbuns e figurinhas da Lol...41

Imagem 3: P (menino) com tatuagem do Dragão na perna...41

Imagem 4: Bolo de aniversário da Frozen...42

Imagem 5: L (menino) com fantasia do Homem Aranha e relógio do Ben 10...42

Imagem 6: ME (menina) mostrando a foto que tirou com seu smartphone...42

Imagem 7: R (menina) exibindo as unhas pintadas e pulseira...43

Imagem 8: C (menina) exibindo sua sandália de salto das princesas...43

Imagem 9: P (menina) mostrando o livro Segredos da Bel de sua amiga A (menina)...66

Imagem 10: I (menina) realizando o sonho de conhecer o cantor de forró Wesley Safadão...69

Imagem 11: I. (menina) fazendo pose para foto ao chegar na sala...69

Imagem 12: Mulher socorre motorista de caminhão que se envolve em acidente...70

Imagens 13: É hora da maquiagem!...71

Imagens 14: É hora da self...72

Imagem 15: J (menino) fantasiado de Batsauro...109

Imagem 16: L (menino) fantasiado de Super-Aranha...110

Imagem 17: O Homem-Aranha da selva...111

Imagem 18: As Ladybug do bem e do mal...114

Imagem 19: A (menina) segurando o jogo das princesas...116

Imagem 20: AC (menina) digitando no notebook de brinquedo da sala...120

Imagem 21: A (menina) com a boca pintada com coleção...127

Imagem 22: Pulseira feita com coleção hidrocor...127

Imagem 23: Imitando a tatuagem de G (professor) com desenho feito com coleção hidrocor...127

Imagem 24: P (menino) brincando de ser o cachorro das meninas...130

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LISTA DE SIGLAS

ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisas em Educação BDTD - Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações

CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

NEI-CAP/UFRN – Núcleo de Educação da Infância – Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

RN – Rio Grande do Norte

SCIELO – Scientific Electronic Library Online

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SUMÁRIO

1. DE PROFESSORA À PESQUISADORA: A CONSTITUIÇÃO DO OBJETO DE

ESTUDO ... 16

2. DE QUE INFÂNCIA ESTAMOS FALANDO? ... 30

2.2. A infância sob a ótica dos Estudos Culturais: crianças produzidas pela cultura? ... 34

2.3. A infância sob a ótica da Sociologia da Infância: crianças produtoras de cultura? ... 45

3. MÍDIAS FORNECENDO ELEMENTOS CULTURAIS PARA AS CRIANÇAS NA CONTEMPORANEIDADE ... 54

4. OS PROCESSOS CRIATIVOS DAS CRIANÇAS: O OLHAR A PARTIR DA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL ... 73

5. COMO VOCÊ VAI SER PROFESSORA E PESQUISADORA AO MESMO TEMPO? O DESAFIO DA FAMILIARIARIDADE ... 85

5.1. Quem são as crianças protagonistas da pesquisa? ... 96

6. OS PROCESSOS CRIATIVOS DAS CRIANÇAS A PARTIR DA CULTURA DA MÍDIA ... 105

6.1. Entre super-heróis e princesas: criando a partir dos elementos fornecidos pela cultura midiática ... 106

6.2. Criatividade para si: criando para satisfazer necessidades ... 117

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 133

8. REFERÊNCIAS: ... 136

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1. DE PROFESSORA À PESQUISADORA: A CONSTITUIÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO

Uma das motivações desta pesquisa de mestrado surgiu a partir das minhas percepções como estudante, professora e mãe e a partir do estudo de autores como Fischer (2002), Fantin (2006; 2008); Momo (2007; 2010), Belloni (2009), sobre a centralidade das mídias e das tecnologias no cotidiano das crianças pequenas na contemporaneidade, especialmente daquelas que fazem parte dos grandes centros urbanos. Nessa perspectiva, entende-se que tais aspectos necessitam ser pensados e problematizados também no âmbito da educação escolar. Assim, parto da compreensão de que as crianças são sujeitos competentes e que, portanto, não apenas recebem os elementos da cultura midiática e das tecnologias passivamente, mas são capazes de atuar ativa e criativamente sobre e com eles.

Pesquisar sobre/com as crianças e suas infâncias é algo que me move, desde a graduação, ainda como bolsista, nos momentos de iniciação científica, a partir da compreensão de que as ações e os saberes sobre/com as crianças pequenas carregam certas singularidades que necessitam ser pensados e problematizados, também, no âmbito da pesquisa científica.

Desse modo, o meu desejo em aprender mais sobre crianças pequenas me motivou a participar, enquanto aluna do curso de graduação em Pedagogia da UFRN, como bolsista de iniciação científica do Grupo de Estudos Processos de Aprender e Ensinar na Educação Infantil, durante os anos de 2008 e 2009, coordenado pela professora Dra. Denise Maria de Carvalho Lopes. Nesse contexto, pude me envolver em estudos e diálogos que abrangeram a história da Educação Infantil, o ordenamento legal, as práticas pedagógicas, a cultura, aspectos do desenvolvimento infantil, concepções de infância e de criança. Foram momentos muitos significativos de aprendizagens e trocas de conhecimentos sobre as concepções e práticas com as crianças pequenas.

Nesse percurso, ressalto, ainda, a realização do trabalho de conclusão de curso, no ano de 2009, intitulado Mídia e consumo configurando modos de ser bebê em uma instituição de Educação Infantil de Natal/RN, no qual um dos objetivos era investigar se o que determinados autores diziam sobre a centralidade da mídia e do consumo na vida das crianças contemporâneas também estava presente na vida dos bebês da escola investigada. Naquele contexto específico, procurei compreender como as configurações culturais contemporâneas – caracterizadas

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pela mídia e pelo consumo – produziam determinados significados e práticas em relação aos bebês que frequentavam um berçário de uma Instituição de Educação Infantil na cidade de Natal/RN no ano de 2009. Com a realização daquele trabalho, pude refletir/problematizar sobre algumas infâncias e modos de ser bebê/criança da atualidade, marcados pelas instâncias contemporâneas da mídia e do consumo. A partir da realização da pesquisa foi percebido que o bebê é um sujeito-consumidor já que, antes mesmo de nascer, há uma infinidade de artefatos destinados a essa faixa etária. Objetos coloridos, brilhantes, com gostos e cheiros que agradam aos bebês e propagandas de produtos que prometem estimular as suas capacidades intelectuais e simbólicas estão em circulação cotidianamente, produzindo determinados significados e práticas em relação aos bebês.

Nos anos seguintes, após a conclusão do curso de pedagogia em 2009 e já como professora de escola pública da rede municipal de Parnamirim/RN, pude materializar alguns dos saberes aprendidos durante o período da graduação nos fazeres diários com as crianças da Educação Infantil. Embora, em alguns momentos, eu percebesse que muitos daqueles conceitos, ideias e saberes aprendidos sobre as crianças pequenas, por vezes, não davam conta de explicar aquela criança real que estava no meu contexto escolar. Porém, o que eu, ainda, não sabia era que o entendimento que eu trazia, em certo modo, refletia uma perspectiva tradicional de infância que se propõe a falar e compreender as crianças a partir de uma visão adultocentrica, ou seja, de um lugar de poder e de discurso adulto. Discursos que foram se constituindo a partir dos saberes que concebem a criança como mero objeto de conhecimento e alvo dos padrões de normalidade. (SARMENTO, 2007). Desse modo, por vezes, eu tentava enquadrar as crianças que estavam em meu contexto de trabalho em etapas estanques do desenvolvimento sem considerar que elas tinham especificidades e possibilidades próprias e estavam imersas em uma determinada cultura. Crianças que em distintos espaços e tempos vivem esse momento narrado como infância de modo heterogêneo (BARBOSA, 2007) e que, na atualidade, tem sido fortemente marcada pelas mídias, tecnologias e pelo consumo.

Nesse sentido, na busca por conhecimentos que possibilitassem pensar/problematizar as crianças que vivem a sua infância em situações concretas de vida fiz algumas tentativas de voltar para a universidade. Entretanto, ser trabalhadora e estudante/pesquisadora não é tarefa fácil em nosso país e, após

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alguns ensaios, deixei guardado o desejo de retornar à universidade como pesquisadora.

Por algum tempo, pude experienciar – apenas - ser professora e estar com as crianças. No meu cotidiano de trabalho na educação das crianças no qual cada dia é único e pleno de possibilidades, fui/vou me inventando e me reinventando professora de crianças. Nesse contexto, gradativamente, fui experimentando e vivenciando as dificuldades que os/as professores/as enfrentam, marcadas pela precariedade das escolas, pela falta de cursos de formação continuada, falta de respeito, de valorização, de reconhecimento profissional e de prestígio social.

Mas penso que carrego comigo certa inquietude que marcou a minha infância e o meu jeito de ser criança. Por isso, após um tempo, coloquei-me em movimento, novamente, na tentativa de me constituir pesquisadora de crianças e, assim, resolvi sair da minha zona de conforto e ir em busca de trilhar novos caminhos e viver novas aventuras.

E na inquietude que me movia/move fui em busca de um contexto no qual esses saberes em torno das crianças e das suas infâncias estivessem alinhados as ações docentes. Nesse sentido, me submeti a novo concurso público e me tornei professora, no ano de 2015, do Núcleo de Educação da Infância, Colégio de Aplicação da UFRN - NEI-CAp/UFRN, lugar que compreende que os fazeres com as crianças estão entrelaçados à pesquisa sobre essas crianças que vivem suas infâncias em condições concretas de existência.

Entendo, ainda, com base na ideia de Benjamin (2005, p. 94), que “[...] as crianças não constituem nenhuma comunidade isolada, mas antes fazem parte do povo e da classe a que pertencem”. Dessa forma, pensar sobre as crianças implica em compreender que elas fazem parte de um contexto histórico, social, econômico, midiático e que não faz sentido qualquer tentativa de compreensão que as desvinculem dos seus contextos reais de existência.

No novo contexto de trabalho, específico de uma escola de aplicação, a partir do ano de 2015, pude ampliar as possibilidades de pesquisa através da reflexão sobre o fazer cotidiano, por meio da observação sobre a minha própria prática e da investigação sobre as crianças, o modo como elas aprendem, se desenvolvem e constituem cultura na relação com os seus pares e com os adultos.

No NEI-CAp/UFRN a criança é considerada como sujeito central do seu processo de aprendizagem e, nesse contexto, eu percebo as crianças que lá estão

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como autônomas, questionadoras, criativas e ávidas pelo conhecimento. No entanto, ao mesmo tempo, também as percebo engendradas na cultura da mídia, principalmente da mídia tecnológica e do consumo, levando marcas dessa cultura para as relações que estabelecem no contexto escolar.

Crianças que vivem suas infâncias e que carregam consigo marcas das intensas transformações que vivemos “[...] nas condições de existência, nas relações de produção, nas concepções de trabalho e da própria vida” (SMOLKA, 2002, p. 122). Pode-se dizer que o desenvolvimento acelerado das ciências e das tecnologias de informação e comunicação por volta do século XX (BAUMAN, 2001) resultaram em transformações nas relações espaço-tempo, no encurtamento de distâncias e na conexão de pessoas em lugares diversos do mundo (HALL, 1997) configurando um mundo diferente daquele vivido no período moderno.

Para Bauman (2001; 2004; 2007; 2008) as modificações significativas que aconteceram no mundo pós-segunda guerra mundial tornaram a mídia e o consumo centrais em muitos aspectos da vida dos sujeitos, incluindo a vida das crianças, pelo menos das que vivem nos grandes centros urbanos. A esse respeito nos esclarecem Buckingham (2007; 2010), Steinberg e Kincheloe (2001), Linn (2006), Giroux (1995); Fantin (2006; 2008), Fischer (2002), Pinto (2000), Girardello (1999) e Momo (2007; 2010). Autores que se dedicaram a estudar como as condições de ser criança e de viver a infância tem se alterado na contemporaneidade em virtude dessas mudanças.

De tal maneira, percebi, também enquanto professora, o quanto a mídia, especialmente as tecnológicas, tem feito parte da vida das nossas crianças na contemporaneidade. Conforme nos aponta Buckingham (2010, p. 42) “[...] o advento da tecnologia digital produziu e foi acompanhado de algumas mudanças significativas nas experiências midiáticas das crianças”. Além disso, algumas teorizações vêm afirmando que a criança não é uma receptora passiva do conteúdo televisivo, por exemplo, mas que tal conteúdo é incorporado à brincadeira, sendo “[...] os heróis, as heroínas e aventuras da tv usados como matéria prima da vida de fantasia das crianças”. (GIRARDELLO 2005, p. 5). Desse modo, pensar sobre essa criança no mundo contemporâneo implica em pensar no modo como ela interage com as mídias, não somente a televisiva, mas as relacionadas às novas tecnologias como celulares e tablets, por exemplo.

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É importante apontar que durante o meu percurso enquanto professora de Educação Infantil, atuando em diferentes contextos sociais e econômicos, me inquietava a colocação de alguns profissionais das instituições que, por vezes, afirmavam que as crianças de hoje em dia só querem saber de ficar no tablet e assistir televisão, que elas não ficam mais quietas um só minuto ou que não sabem mais brincar como se brincava antigamente. Embora, em parte, as afirmações pudessem soar como verdadeiras já que a mídia, especialmente a tecnológica, tem sido central na vida das crianças pequenas, alterando as brincadeiras e os modos de se viver a infância se comparado a outras épocas, penso que, em certo modo, reduzem a complexidade da questão e o potencial ativo das crianças em seu contexto real de vida.

Nesse sentido, por vezes, observo que tais discursos evidenciam o entendimento de que as mídias são extremamente prejudiciais ao desenvolvimento infantil. No entanto, concordo com Buckingham (2010, p. 44) ao afirmar que as crianças na contemporaneidade estão “[...] imersas numa cultura de consumo que as situa como ativas e autônomas; mas na escola uma grande quantidade de seu aprendizado é passiva e dirigida pelo professor”. Desse modo, em muitos momentos, é perceptível que a escola, ao contrário das crianças, não tem acompanhado as intensas mudanças que caracterizam a sociedade contemporânea. Assim, se há tempos atrás se aprendia a ser criança e a viver esse tempo conhecido como infância quase que exclusivamente a partir da família, da igreja e da escola e de outras instituições modernas, na atualidade, as mídias e as tecnologias têm contribuído para a vivência de uma nova era da infância. (STEINBERG; KINCHELOE, 2001)

Desse modo, tem sido quase que impossível separar as vivências da infância daquelas relacionadas às mídias e às tecnologias, já que as crianças nascem, crescem e participam de modo ativo desse mundo conectado. Logo, têm acesso a informações, brincam, vivem e produzem cultura a partir desses elementos. Para Buckingham (2010) não é possível modificar o contexto de vida dos sujeitos na atualidade e a discussão central em torno das mídias e tecnologias não deveria ser apenas a regulação do conteúdo, mas, sobretudo, no que se refere à participação ativa e crítica das crianças nesse processo. Também a esse respeito Becker (2017) aponta que as experiências das crianças nos tempos contemporâneos têm se constituído como absolutamente hibridas, não havendo para elas a separação entre

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o que ocorre off e online, já que uma interação pode começar para elas no mundo real e ser continuada no mundo virtual e uma brincadeira, por exemplo, tanto pode carregar elementos lúdicos do mundo real como trazer elementos do mundo virtual. Nessa perspectiva, se entende que a discussão não pode se centrar na dicotomia benefícios versus malefícios da mídia, mas sim em torno dos significados e representações das próprias crianças, considerando-as enquanto ativas nesse processo.

Nesse aspecto, percebo que embora a relação entre mídia e infância se apresente como um tema frequentemente discutido em âmbitos como os da psicologia, da educação e da comunicação, a revisão de literatura aponta para uma quantidade pouco expressiva de pesquisas desenvolvidas tendo como foco esses aspectos e as atividades criadoras das crianças.

É importante citar também que como docente pude presenciar muitos momentos em que as crianças reproduziram conteúdos midiáticos de músicas, desenhos animados e personagens televisivos ou fílmicos em suas falas, brincadeiras e interações, mas também pude observar situações em que as crianças deram outros significados à cultura midiática por meio das relações sociais que estabeleciam no contexto escolar. Tais situações me possibilitaram perceber que embora as crianças estejam inseridas em um contexto extremamente midiático, especialmente nos últimos anos, e vivam uma infância amplamente conectada ao universo virtual, elas não recebem passivamente tais elementos, mas atuam de modo ativo sobre eles.

Assim, buscando compreender essas situações que faziam parte das minhas vivências enquanto professora de crianças pequenas, me deparei no âmbito teórico com os estudos mais recentes do aporte teórico da Sociologia da Infância, como os de Sarmento (2003, 2004, 2005) e os de Corsaro (2009; 2011), que partem do pressuposto de que a criança é sujeito ativo de seu processo de socialização, e passei a refletir que, em certa medida, as crianças atuam ativa e criticamente diante dos elementos culturais da mídia que cada vez mais fazem parte das suas vidas, marcando os seus modos de ser e atuar sobre o mundo. Além disso, a própria perspectiva teórica histórico-cultural, que tem como um dos seus principais representantes Vigotski (1998, 2003; 2004) nos permite entender que o sujeito se desenvolve ativamente por meio das relações sociais e da cultura o que pressupõe considerar a criança como sujeito ativo nesse processo.

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Desse modo, nessa dissertação parto da compreensão de que as crianças são sujeitos competentes e que, portanto, não apenas recebem a cultura da mídia como seres passivos, já que elas são capazes de pensar e agir a partir dos elementos culturais midiáticos na contemporaneidade. Assim, considerando que essa postura ativa das crianças deve ser investigada e valorizada, inclusive no contexto escolar, formulei a seguinte indagação:

De que maneira os processos criativos das crianças a partir da cultura da mídia se expressam no contexto de uma instituição de Educação Infantil na Cidade de Natal/RN?

Dessa forma, o objetivo central desta pesquisa é evidenciar a criatividade das crianças a partir da cultura da mídia no contexto de uma instituição de Educação Infantil de Natal/RN.

A investigação ocorreu em uma turma composta por vinte e duas crianças na faixa-etária entre 4 e 5 anos de idade do Núcleo de Educação da Infância, Colégio de Aplicação vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte – NEI-CAp/UFRN. A escolha por esse lócus se deu pela minha atuação também como professora desta instituição em regime de dedicação exclusiva, o que, ao meu ver, possibilitou uma relação mais intensa com o contexto pesquisado. Assim, como procedimentos teórico-metodológicos, me inspirei em elementos da pesquisa etnográfica (VELHO e KUSCHNIR, 2003; VELHO 2014) que pressupõe uma permanência maior do pesquisador em campo por meio de uma descrição detalhada e empática da situação investigada, buscando compreender melhor os momentos de criação das crianças a partir dos elementos da cultura da mídia.

Nessa perspectiva, me propus acompanhar um grupo de crianças, diariamente, por cerca de dois anos no contexto da escola investigada, já que estive como professora desse grupo de crianças durante o ano de 2017 e no decorrer do ano de 2018 atuei junto à turma assumindo, ao mesmo tempo, a dupla função de professora e pesquisadora. Além de mim, havia também nesse grupo mais dois adultos, uma outra professora efetiva e um auxiliar de creche. Como instrumentos metodológicos, utilizei escritas em diário de campo, bem como registros fílmicos e imagéticos dos momentos de interações e brincadeiras com conteúdos midiáticos entre as crianças.

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Nesse sentido, com o objetivo de me aproximar do objeto de estudo e do que havia sido construído, pensado e problematizado sobre os Processos criativos das crianças a partir da cultura da mídia cabia identificar quais estudos, pesquisas e publicações científicas abordavam a temática em questão. Delimitei como recorte temporal de pesquisa os últimos 10 anos, contemplando uma busca dos anos de 2009 até o primeiro semestre do ano 2019 e utilizei como descritores as palavras mídia, criança e criatividade. Desse modo, elenquei, inicialmente, alguns bancos digitais de teses e dissertações como o SciELO – Scientific Electronic Library Online (Biblioteca Científica Eletrônica em Linha), Portal Domínio Público, ANPED- Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação e o Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) que englobam publicações científicas a nível nacional.

Dessa maneira, antes de efetivamente evidenciar as produções encontradas sobre a temática quero pontuar que, durante as pesquisas nos sítios citados, me deparei com a escassez de investigações que partem da ideia da criança como um sujeito criativo diante dos elementos culturais da mídia. Assim, grande parte das pesquisas localizadas centravam-se na perspectiva de como os artefatos culturais midiáticos (televisão, desenhos, propagandas, músicas, celulares) (con)formam determinadas identidades infantis na atualidade, desconsiderando, por vezes, os processos criativos das crianças envolvidos nesse processo.

Nesse sentido, considerando a infância como categoria de extrema importância na estrutura social (QVORTRUP, 2010), as crianças como sujeitos que reinterpretam criativamente os elementos da cultura na qual estão inseridas contribuindo para a produção cultural em meio a uma “cultura de pares” (CORSARO; 2002, 2011) e a criatividade como um elemento constituinte da subjetividade humana (MARTINÈZ, 2004), se faz necessário problematizar a apropriação ativa e a ressignificação da cultura da mídia pela criança por meio dos seus processos criativos.

É importante ressaltar que no portal da Scientific Electronic Library Online (SciELO) encontrei a pesquisa intitulado O trabalho pedagógico criativo na educação infantil diante da cultura da mídia e do consumo que enfatiza a prática criativa do professor como uma alternativa para se pensar ações possíveis e necessárias diante da cultura da mídia e do consumo das autoras Momo e Martinéz (2017). Apesar da investigação ter sido na perspectiva da criatividade docente e não das

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crianças, a pesquisa citada foi realizada em uma instituição de Educação Infantil e exemplifica situações nas quais as crianças trazem para o contexto escolar brincadeiras, narrativas e materialidades (desenhos, esculturas, recortes e colagens) que tem relação com a cultura da mídia e do consumo. Outro ponto de entrelace entre a minha investigação e o trabalho citado é a ideia de criatividade, a partir dos estudos de Martinéz, uma das autoras do texto, que enfatiza a criatividade como presente nos diversos níveis da escola e a entende como expressão da subjetividade.

Entretanto, embora não tenha conseguido encontrar outros trabalhos que, de certo modo, entrelacem os três conceitos - criança, mídia e criatividade – tendo como foco o papel criativo da criança diante da mídia na contemporaneidade, optei por elencar pesquisas que evidenciam o papel ativo e o protagonismo das crianças diante de elementos culturais relacionados à mídia.

Desse modo, no Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) encontrei três trabalhos que, de certo modo, partem da perspectiva do protagonismo infantil diante dos elementos culturais midiáticos. Trata-se do trabalho de Becker (2017), de Almeida (2018) e de Ferreira (2018). A seguir apresento uma breve sistematização das problematizações, referenciais e achados dessas pesquisas que apresentam de algum modo um entrelaçamento com o meu objeto de estudo.

A tese de Becker (2017) é intitulada Infância, Tecnologia e Ludicidade: a visão das crianças sobre as apropriações criativas das tecnologias digitais e o estabelecimento de uma cultura lúdica contemporânea. Logo, partindo do entendimento de que as crianças são atores sociais ativos e competentes, a investigação teve como objetivo conhecer os modos pelos quais as crianças se apropriam criativamente da cultura lúdica contemporânea pela perspectiva da própria criança. A metodologia se constituiu em um estudo exploratório delineado e analisado a partir da participação conjunta de adultos e crianças-investigadoras de cinco a doze anos que compuseram o grupo de investigação. Como resultados a pesquisa destacou a competência das crianças para discutir assuntos que lhes envolvem diretamente e a evidência de que não são sujeitos passivos diante de uma cultura conectada. Além disso, o estudo destacou alguns fenômenos relacionados à infância contemporânea como a retirada das crianças de situações de brincadeiras nas ruas e a internalização e normatização dos tempos e espaços infantis. Portanto,

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este trabalho, em certo modo, dialoga com o meu a medida em que evidencia a apropriação criativa pelas crianças de elementos culturais, embora, no caso da investigação de Becker (2017), o foco seja a utilização das tecnologias móveis.

A dissertação de Almeida (2018) intitulada De espectadora a criadora: a criança como protagonista de seus processos de desenvolvimento na cultura midiática teve como objetivo analisar os sentidos produzidos pelas crianças sobre a mídia televisiva por meio da atividade do faz de conta. Para isso, foi realizada uma pesquisa de campo em uma turma do 1º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública do Distrito Federal e os momentos de observação foram gravados e registrados em um diário de campo. Os dados construídos foram transcritos e submetidos a uma análise microgenética, por meio da qual se verificou a formação das seguintes categorias: a) o corpo em movimento como forma de poder; b) a máscara como mediadora da imaginação; c) a percepção de si mesmo como comunicador midiático; d) o conhecimento das crianças sobre o conteúdo e os processos de funcionamento de um telejornal; e) a transformação dos significados do telejornal: das catástrofes ao Natal e f) a percepção das crianças sobre a estrutura do telejornal produzido por elas. Assim, na discussão dos dados, evidenciou-se que, a partir de suas atividades criadoras, as crianças estabelecem uma relação dialógica com a mídia televisiva; para além do lugar de espectadoras, atuando como protagonistas em seus processos de desenvolvimento.

Já a tese de Ferreira (2018) intitulada Infância (n) ativa: potencialidades de participação e cidadania às crianças na mídia digital teve como objetivo investigar a participação das crianças na mídia digital, considerando as mediações e as interações de modo a assegurar o direito à liberdade de expressão desses sujeitos. A autora destaca, ainda, que é importante que as crianças assumam o seu protagonismo nos espaços digitais de modo que estes atuem para favorecer a livre expressividade, a criatividade, a criticidade e a coautoria infantil. Os sujeitos participantes da pesquisa foram crianças de 9 a 11 anos de escolas públicas municipais da cidade de Bauru/SP que em grupo foram convidadas a debater a temática dos direitos da criança na internet. Como resultados, a autora aponta diretrizes de modo propositivos às crianças, à família, à escola e à mídia que foram previamente avaliadas pelos sujeitos participantes, visando a valorização da criança como sujeito comunicativo e cidadão crítico. Por fim, evidenciou que as crianças não são mais vistas como meros consumidores de conteúdos, mas se constituem como

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receptores críticos e potenciais coautores nas plataformas digitais. É importante ressaltar que apesar da pesquisa ter sido realizada com crianças maiores do que as da minha pesquisa e de ter como foco a relação com as mídias tecnológicas ela é relevante, pois evidência a participação da criança no processo de intervenção na realidade.

Portanto, diante das buscas realizadas é importante destacar que na atualidade há um número cada vez mais crescente de pesquisas que problematizam a relação das crianças pequenas com as mídias e que evidenciam que a condição de ser criança vem se modificando ao longo do tempo influenciada por tais configurações contemporâneas. Entretanto, foram poucos os trabalhos que evidenciaram os processos criativos das crianças a partir da cultura da mídia. Nesse sentido, é importante apontar que no sítio da ANPED não foi encontrado nenhum trabalho com a temática, já no acervo da SciELO o único trabalho encontrado abordou a criatividade pedagógica diante da cultura da mídia e do consumo (MOMO e MARTINÉZ 2017). Por fim, os trabalhos de Becker (2017), Almeida (2018) e Ferreira (2018) encontrados no Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) embora não tenham como foco os processos criativos infantis diante dos elementos midiáticos, de certo modo, evidenciam o potencial das crianças em imaginar e criar a partir dessa cultura na qual estão imersas. Apresento a seguir um quadro síntese com os trabalhos encontrados:

Título Autor Ano Bancos digitais

O trabalho pedagógico criativo na educação infantil diante da cultura da mídia e do consumo MOMO, Mariangela; MARTÍNEZ, Albertina Mitjáns 2017 Scientific Electronic Library Online(SciELO) Infância, Tecnologia e

Ludicidade: a visão das crianças sobre as apropriações criativas das tecnologias digitais e o estabelecimento de

uma cultura lúdica contemporânea. BECKER, Bianca 2017 Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) De espectadora a criadora: a criança como

protagonista de seus processos de ALMEIDA, Bruna Pacheco de. 2018 Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

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desenvolvimento na cultura midiática. (CAPES) Infância (n) ativa: potencialidades de participação e cidadania às crianças na mídia digital. FERREIRA, Mayra Fernanda. 2018 Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

Assim, considerando a escassez de pesquisas sobre o tema e considerando os processos criativos como atrelados as condições concretas de vida dos sujeitos, que na atualidade estão fortemente marcadas por produtos e processos midiáticos, fez-se necessário refletir sobre tais aspectos por meio desta investigação. Dito isto, penso que é possível confirmar a relevância desta pesquisa como uma possibilidade de travar discussões profícuas na área, trazendo algo pouco realizado pelos pesquisadores, especialmente, aqueles vinculados à área da educação.

Em consonância com o objetivo da pesquisa, procurei organizar o texto desta dissertação da seguinte maneira: neste primeiro capítulo intitulado De professora à pesquisadora: a constituição do objeto de estudo fiz uma breve retomada dos caminhos que me levam até a temática estudada.

No capítulo 2 intitulado De que infância estamos falando? opto por abordar as crianças e suas infâncias a partir de dos Estudos Culturais que tem como enfoque teórico conceitual a articulação entre cultura e educação e tradicionalmente vem estudando as correlações entre as crianças e a mídia (BUCKINGHAM; 2012). E também por considerar a perspectiva da Sociologia da Infância que vem considerando a infância enquanto categoria na estrutura social (QVORTRUP, 2010) e a criança como ator social pleno de direito (SARMENTO, 2007). Este capítulo está dividido em duas seções, a primeira delas é a 2.1 A infância sob a ótica dos Estudos Culturais: crianças produzidas pela cultura? E a segunda seção é intitulada 2.2 A infância sob a ótica da Sociologia da Infância: crianças produtoras de cultura.

No capítulo 3 intitulado Mídias fornecendo elementos culturais para as crianças na contemporaneidade problematizo a centralidade da cultura, especialmente a midiática, no âmbito global e reflito sobre os impactos diretos para a vida dos sujeitos do nosso tempo e os modos pelos quais a instância midiática atua na constituição das identidades e na produção da vida material e simbólica de adultos e crianças.

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No capítulo 4 intitulado Os processos criativos das crianças: o olhar a partir da perspectiva histórico-cultural abordo a criatividade por meio da teorização histórico- cultural que tem em Vigotski (1998; 1999; 2004) um dos principais representantes e que entende que a criatividade é constituída nas relações e mediadas pela cultura. Sobre a criatividade dialoguei com Martinéz (1997; 2001; 2004; 2009; 2010) que, com base nos pressupostos da teoria histórico-cultural e da teoria da subjetividade de González Rey (2004), desenvolveu vários estudos sobre o tema.

No capítulo 5 intitulado Como você vai ser professora e pesquisadora ao mesmo tempo: o desafio da familiaridade traço os caminhos teórico-metodológicos trilhados reiterando o movimento de ser professora e, ao mesmo tempo, pesquisadora de uma turma de crianças, na faixa etária entre 4 e 5 anos de idade, do Núcleo de Educação da Infância, Colégio de Aplicação vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte – NEI/CAp-UFRN durante os anos de 2017 e 2018. Aponto uma das opções teórico-metodológicas desta pesquisa, que se inspirou em elementos da pesquisa etnográfica (VELHO e KUSCHNIR, 2003; VELHO 2014), e envolveu o desafio de estranhar o familiar e perceber as sutilezas que marcaram as relações das crianças com a cultura midiática no contexto da escola. Na seção 5.1 intitulada Quem são as crianças protagonistas da pesquisa? realizei uma essa breve descrição das crianças protagonistas da pesquisa mostrando os modos singulares pelos quais elas se organizaram em grupos na instituição durante o período de desenvolvimento da pesquisa.

No capítulo 6 intitulado Os processos criativos das crianças a partir da cultura da mídia busco elencar algumas situações percebidas no contexto pesquisado e que, com base nos referenciais teóricos assumidos, considerei como criativas. Este capítulo divide-se em dois eixos de análise. No primeiro deles Entre super-heróis e princesas: criando a partir dos elementos fornecidos pela cultura midiática busco evidenciar momentos criativos em que as crianças combinaram e reconstruíram elementos das suas interações com a cultura midiática criando novas palavras, jogos e brincadeiras a partir de outras já conhecidas do seu contexto. No segundo deles, Criatividade para si: criando para satisfazer necessidades trago situações em as crianças buscaram, por meio de estratégias criativas, a satisfação de necessidades individuais.

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Na última parte do trabalho, nas Considerações finais, faço uma reflexão sobre o percurso vivido e teço os comentários finais desta pesquisa apresentando seus limites e possibilidades.

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2. DE QUE INFÂNCIA ESTAMOS FALANDO?

Parto, nesta dissertação, do entendimento da infância enquanto uma construção social, cultural e histórica, sujeita a mudanças sempre que ocorrem significativas modificações na sociedade. Compreendendo que esse conceito apresenta alterações de um período temporal para outro, de uma sociedade para outra, ou até mesmo em torno de um mesmo contexto social. “Cada época tem a sua maneira própria de considerar o que é ser criança e de caracterizar as mudanças que ocorrem com ela ao longo da infância” (BUJES, 2001, p.17).

Desse modo, considerando que diferentes áreas do conhecimento têm trazido contribuições para os estudos sobre a infância na atualidade, opto por abordar o entendimento sobre as crianças e suas infâncias a partir dos Estudos Culturais que tem como enfoque teórico conceitual a articulação entre cultura e educação e tradicionalmente vem estudando as correlações entre as crianças e a mídia (BUCKINGHAM; 2012). Além do campo dos Estudos Culturais, escolho, também a perspectiva da Sociologia da Infância que vem considerando a infância enquanto categoria na estrutura social (QVORTRUP, 2010) e a criança como ator social pleno de direito (SARMENTO, 2007).

É importante ressaltar que abordarei a infância a partir dos Estudos Culturais e da Sociologia da Infância em seções específicas deste capítulo, mas antes de me adentrar em tais entendimentos, dialogarei com algumas ideias que foram se constituindo em torno das crianças e das infâncias como base em autores que, não estão necessariamente atrelados as perspectivas citadas, mas são importantes por possibilitarem compreender a infância como uma construção social e as crianças como seres únicos, concretos e com distintas experiências nessa etapa da vida.

Com base nessa compreensão pode-se dizer que pensar sobre as crianças não significa defini-las como uma realidade uniforme, mas compreendê-las como seres únicos, em desenvolvimento, com especificidades e possibilidades próprias, imersas em uma determinada cultura. Conforme nos esclarece Barbosa (2007, p. 1065) “Crianças, em variados tempos e espaços, viveram a sua experiência de infância de modos muito diferenciados, portanto a infância é uma experiência heterogênea”. Dito de outro jeito, crianças em lugares diversos do mundo passam por diferentes processos de socialização e tem experiências distintas em relação à infância. A esse respeito Barbosa (2007, p. 1065) nos aponta, ainda, que “A

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pluralidade das infâncias precisa ser compreendida em sua conexão com a pluralidade de socializações humanas”.

Assim, não há uma única ideia de infância e de criança e que mesmo na atualidade, em um mesmo espaço geográfico e em uma mesma sociedade, há diferentes modos de se olhar as crianças, de compreendê-las e de se viver esse período. Conforme nos esclarecem Sarmento e Pinto (1997, p. 11):

Crianças existiram sempre, desde o primeiro ser humano, e a infância como construção social – a propósito da qual se construiu um conjunto de representações sociais e de crenças e para a qual se estruturaram dispositivo de socialização e controle que a instituíram como categoria social própria – existe desde os séculos XVII e XVIII.

Nesse sentido, é possível afirmar que a preocupação com as crianças e com a infância enquanto categoria social é relativamente recente e que, apesar das crianças enquanto seres biológicos sempre terem existido, a infância como categoria social emerge no cerne das grandes mudanças históricas da modernidade.

A esse respeito o historiador francês Phillips Ariès (1981) foi pioneiro na abordagem da história da infância e da família e formulou a tese de que o sentimento de infância não existia na era pré-moderna. É importante apontar que embora a sua obra seja leitura obrigatória para o pesquisador que estuda a infância, ela não é isenta de críticas já que grande parte das fontes documentais usadas por Ariès provém de registros iconográficos, vestimentas, diários, égides funerárias que pertenciam, em sua maioria, a famílias da aristocracia européia. Entretanto, apesar das críticas, a obra de Ariès se constitui um marco para se pensar sobre o lugar da infância na sociedade.

De tal maneira, analisando a produção iconográfica da época, observou que as crianças medievais não se diferenciavam dos adultos, conforme nos esclarece, “Até por volta do século XII, a arte medieval desconhecia a infância ou não tentava representá-la. [...] (p. 17). Logo, somente por volta do final do século XII e início século XIII a criança passa a ser representada nas pinturas, no entanto “Até o fim do século XIII, não existem crianças caracterizadas por uma expressão particular, e sim homem de tamanho reduzido”. (ARIÈS, 1981, p. 18). Assim, surge o entendimento de que a criança naquela época era considerada um adulto em miniatura, já que, ao ser retratada, não havia diferenciação de traços quando comparada a um adulto.

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É importante apontar, ainda, que havia um alto índice de mortalidade infantil na época. Nesse sentido, era comum que as famílias tivessem várias crianças na tentativa de que algumas delas sobrevivessem, já que a morte infantil era um acontecimento bastante frequente. Cambi (1999, p. 176) ilustra bem essa questão ao afirmar que:

As crianças, na Idade Média, têm um papel social mínimo, sendo, muitas vezes, considerada no mesmo nível que os animais (sobretudo pela altíssima mortalidade infantil, que impedia um forte investimento afetivo desde o nascimento), mas não na sua especificidade psicológica e física, a tal ponto que são geralmente representadas como “pequenos homens”, tanto na vestimenta quando na participação na vida social.

Dessa forma, as crianças que sobreviviam ficavam sob os cuidados maternos até o desmame e, após esse período, eram inseridas em todas as esferas do mundo dos adultos, participando de todos os acontecimentos da vida familiar que era ampla e composta por vários núcleos. A esse respeito discorre Ariès (1981, p. 10)

A duração da infância era reduzida a um período mais frágil, enquanto o filhote do homem ainda não conseguia bastar-se; a criança, então, mal adquiria algum desembaraço físico, era logo misturada aos adultos, e partilhava de seus trabalhos e jogos. De criancinha pequena, ela se transformava imediatamente em homem; mas, sem passar pelas etapas da juventude, que talvez fossem praticadas antes da Idade Média e que se tornaram aspectos essenciais das sociedades desenvolvidas de hoje.

Em um mundo medieval marcado pela cultura oral não existiam muitos segredos entre as crianças e os adultos e as instruções oferecidas para as crianças se davam por meio da oralidade. Como nos mostra Bujes (2001):

Era junto aos adultos e outras crianças com os quais convivia que a criança aprendia a se tornar membro deste grupo, a partir das tradições que eram importantes para ele e a dominar conhecimentos que eram necessários para a sua sobrevivência material e para enfrentar as exigências da vida adulta. (p. 13)

Logo, na vida em comunidade as crianças passavam a aprender os conhecimentos necessários para a sua sobrevivência e normalmente aprendiam um ofício ligado ao seu contexto familiar. E, por um grande período na história da

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humanidade, não houve nenhuma instituição responsável por educar essas crianças, já que as aprendizagens ocorriam de modo informal no ambiente coletivo.

Entretanto, no período moderno com a revolução industrial e a partir dela a reorganização da estrutura familiar em núcleos menores e as novas exigências educativas para o trabalho foram modificando os jeitos de olhar as crianças. (BUJES, 2001). Nessa perspectiva, a revolução industrial alterou significativamente as condições de vida da época e, gradativamente, a ideia do progresso por meio do capitalismo foi ganhando força. Nesse movimento, a preocupação com a infância surge como reflexo do projeto iluminista da sociedade moderna que se instaura. Em relação à essa questão discorre Cambi (1999, 370):

A revolução industrial vem transformar profundamente a sociedade moderna – no sistema produtivo e no estilo de trabalho, na mentalidade e nas instituições (família, paróquia, vila), na consciência individual – produzindo também uma nova classe social (o proletariado) e um novo sujeitoeconômico (o operário).

Segundo Postman (1999), tal invenção também está articulada ao surgimento da imprensa tipográfica e a popularização dos livros, que deram sustentação e força para a escola moderna. Desse modo, no âmbito das transformações desse período, delimitam-se as fronteiras entre crianças e adultos, pois aquelas precisariam ir às escolas para dominarem a leitura e a escrita e tornarem-se adultos preparados para a vida em sociedade.

Enquanto na Idade Média as crianças participavam da vida coletiva junto com os adultos, na Idade Moderna começam a existir ambientes próprios para as crianças que passam a frequentar as escolas para atender as exigências da vida adulta. Logo, o objetivo da educação era transformar as crianças em futuros cidadãos responsáveis. Corroborando com esse entendimento nos esclarecem Moreira e Vasconcelos (2003, p.171):

[...] a escola tornou-se uma instituição fundamental na sociedade, quando a infância passou a ser vista como fase dotada de diferença, a ser institucionalizada, separada do restante da sociedade e submetida a um regime disciplinar cada vez mais rigoroso.

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Nessa perspectiva, a partir do projeto de modernidade que até então se instaurava, a infância, gradativamente, ganha visibilidade e se torna também objeto de estudo de várias áreas do saber. Por isso, influenciadas pelos ideários iluministas, as ciências médicas e a psicologia passam a produzir conhecimentos sobre as crianças, orientando sobre a melhor forma de educá-las segundo práticas higienistas, tomando como base padrões tidos como normais de desenvolvimento. Conforme nos apontam Abramowicz e Oliveira (2010, p. 40) “A concepção biológica sobre a criança pasteuriza, assepsia, esteriliza, mede, esquadrinha, normaliza a criança e prescreve uma infância. ”

Nesse contexto, a escola surge como um local privilegiado para a formação das crianças, os futuros cidadãos socialmente produtivos. Logo, podemos dizer que a modernidade institui a escola como uma condição de acesso à cidadania e implementou uma separação das crianças dos espaços públicos.

Aos poucos, as crianças passam a ser compreendidas como sujeitos com especificidades próprias e a infância como etapa da vida. Nas perspectivas mais recentes, a criança é considerada sujeito histórico que aprende e ressignifica o mundo pelas brincadeiras e interações que estabelece com o outro. (BRASIL, 2009). Logo, na contemporaneidade, se compreende, especialmente a partir dos estudos da infância, que a criança não é meramente uma entidade biológica, mas uma construção social e histórica e que as transformações na sociedade vão marcando os seus modos de ser e viver.

2.2. A infância sob a ótica dos Estudos Culturais: crianças produzidas pela cultura?

Ao problematizar e discutir sobre as crianças e suas infâncias na atualidade tem sido indispensável considerar as configurações culturais sob as quais vivemos hoje. Diante desse cenário, os Estudos Culturais em Educação se apresentam como uma alternativa para buscar compreender, na sociedade contemporânea, as relações entre a cultura midiática e as culturas infantis.

Surgem como uma linha de estudos e pesquisas, em 1964, no Centro de Estudos Culturais Contemporâneos, na Universidade de Birmingham na Inglaterra, no contexto histórico Pós Segunda Guerra Mundial, provocando uma série de transformações no modo de se compreender a cultura.

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As bases teórico-metodológicas dos Estudos Culturais estão fundamentadas nas produções teóricas de Richard Hoggart – em sua obra Uses of literacy, Raymond Willians – em seu livro Culture and society e E. P. Thompson – em seu volume The making of the English working class. (SILVA, 1999).

Constituem-se como um campo de pesquisa e de estudo bastante amplo, abarcando uma multiplicidade de objetos de estudo, metodologias e teorias e revolucionado a compreensão de cultura, já que por meio dos Estudos Culturais a cultura é compreendida para além das manifestações eruditas, abrangendo os modos de viver e as experiências e práticas que estão presentes nas sociedades, incluindo as manifestações da cultura popular. (SILVA, 1999). Corroborando com essa ideia nos esclarecem Costa, Silveira e Sommer (2003, p.1) “Cultura deixa, gradativamente, de ser domínio exclusivo da erudição, da tradição literária e artística, de padrões estéticos elitizados e passa a contemplar, também, o gosto das multidões. ”

Stuart Hall, um dos mais relevantes integrantes da escola de Birmingham destaca o papel da centralidade das discussões culturais, especialmente a partir da segunda metade do século XX. Para este autor (1997) as profundas alterações culturais que estão sendo vivenciadas não podem ser explicadas tendo como base apenas as relações econômicas.

Nesse contexto, Hall (1997) tem se ocupado em analisar a cultura tal como se dá hoje, afetada pelo comércio de produtos culturais vem crescendo, especialmente, após a Segunda Guerra Mundial. Conforme o autor (HALL, 1997, p. 17) nos esclarece

A cultura tem assumido uma função de importância sem igual no que diz respeito à estrutura e à organização da sociedade moderna tardia, aos processos de desenvolvimento do meio ambiente global e à disposição de seus recursos econômicos e materiais. Os meios de produção, circulação e troca cultural, em particular, têm se expandido, através das tecnologias e da revolução da informação. Uma proporção ainda maior de recursos humanos, materiais e tecnológicos no mundo inteiro são direcionados diretamente para esses setores. Ao mesmo tempo, indiretamente, as indústrias culturais têm se tornado elementos mediadores em muitos outros processos. (Hall, 1997, p.17).

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Para Hall (1997) essa revolução cultural que estamos vivenciando tem conduzido nossas vidas em todos os âmbitos através das tecnologias de informações e da mídia, principais responsáveis pela veiculação da cultura global.

Dessa forma, a cultura global no século XXI tem sido responsável tanto pelas trocas econômicas, produção e comércio de matéria-prima e serviços, quanto pelas representações sociais que se fazem presentes nas nossas vidas, nos ensinando modos de ser, agir, padrões de beleza e determinados valores. A respeito de como essa cultura opera na constituição e legitimação das identidades contemporâneas, discorre Hall (2006, p. 75):

Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas – desalojadas – de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem “flutuar livremente”.

Hall (2006) nos mostra, ainda, que as identidades contemporâneas além de estarem interconectadas globalmente, tem se tornado cada vez mais instáveis não mais vinculadas a uma nacionalidade, temporalidade ou espacialidade específica. De tal maneira, se tomarmos como exemplo a boneca Barbie a qual crianças do mundo inteiro tem acesso, independente da nacionalidade, da classe social ou da língua, podemos dizer que as crianças/meninas estão cercadas por uma espécie de “pedagogia universal” que as torna globalmente interligadas. (SILVEIRA, 2009). Outro exemplo bem atual são as redes sociais que possibilitam que pessoas – inclusive crianças – de várias partes do mundo se conectem e compartilhem interesses, estilos, hobbies, enfim, uma infinidade de experiências sem necessariamente estarem vinculadas a um espaço e tempo especifico.

Nesse contexto, Hall discute a centralidade da cultura nos processos de organização da sociedade e ressalta a sua importância na formação das subjetividades. De tal modo, a centralidade da cultura aponta o modo como a cultura alcança cada esfera da vida social contemporânea, estendendo-se a ambientes e mediando tudo à nossa volta. Nessa perspectiva, ressalta que outra fronteira precisa ser mencionada, “ [...] a centralidade da cultura na constituição da subjetividade, da própria identidade, e da pessoa como ator social” (HALL, 1997, p. 20).

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