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Em linhas finais, ratifica-se a aceitação do currículo proposto pelo programa educacional São Paulo faz escola em seu quinto ano de vigor, mais no que se refere às matrizes curriculares e menos que concerne aos materiais didáticos – Cadernos do Professor e

Cadernos do Aluno. Entretanto, de acordo com a consideração da existência de uma

identidade escolar – institucional e cultural – esta “aceitação” não é compreendida como estanque e homogênea, ao contrário, ela também é conduzida pelo ritmo ditado pelos sujeitos escolares que agem por influência de suas experiências profissionais e pessoais, confirmando a existência de singularidades de atuação no processo de reforma, enfim, particularidades de aceitação.

Por intermédio da análise dos depoimentos sujeitos educacionais das escolas A e B, sobretudo PCs, notou-se que esta aceitação é acompanha pela intenção de seguir as proposições curriculares da SEE-SP, mesmo diante de todas as dificuldades contextuais e infraestruturais apresentadas pelas instituições. Assim como os sujeitos da pesquisa, também o movimento sindical de professores e gestores, que em 2008, mostrou-se bastante empenhado em recusar a padronização, pareceu mais silenciado nos anos subsequentes. Ao longo de seu percurso, a uniformização dos currículos empreendida pelo Estado deixou de ser alvo de contraposições, sendo, inclusive, citada por alguns entrevistados como um ponto positivo da reforma curricular, fatos que corroboram para compreensão de que a referida aceitação, postas as singularidades contextuais, de fato, existe.

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Entre outras razões, o debate referente à padronização curricular pode ter saído de cena também por que outras questões acabaram por desviar o interesse e a preocupação do professorado paulista entre os anos de 2008 a 2011. Assim como acontecera durante a reforma educativa promovida, nos anos de 1990, por Rose Neubauer – em que os ideias de participação social e de democratização dos currículos acabaram sendo abandonados em razão de outras questões colocadas pela SEE-SP na época – também nos tempos mais recentes, paulatinamente, a atenção da rede foi desviada para assuntos diversos relativos, sobretudo, à reorganização da carreira do magistério paulista, cujas ações incluíram, entre outras, a inserção de período probatório para os professores recém-concursados, a desarticulação do quadro em diferentes categorias de professores, a cessação de alguns direitos – como aos serviços do IAMSPE – aos professores temporários e, mais atualmente, a nova interpretação do artigo nº 78 do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado, a qual prevê que os professores que gozam de aposentarias especiais passarão a repor, antes de se aposentarem, os dias gastos com licença saúde.

Convém salientar que esta aceitação parece não estar relacionada a qualquer desvio de direcionamento da SEE-SP para com as ações do São Paulo faz escola, já que, apesar das críticas recebidas, as matrizes curriculares e seus materiais didáticos nunca sofreram qualquer tipo de alteração que justificasse a mudança da postura inicial de recusa dos professores paulistas. Sabe-se ainda que, em 2008, estes não foram efetivamente chamados para participar da elaboração dos novos currículos, o que leva ao entendimento de que a terminologia utilizada pelo Estado deveria ser “guia curricular” em vez de “proposta curricular”, pois esta sugere participação e debate, ações que, por sua vez, não contempladas. Ademais, no caso de Assis, em cinco anos, os sujeitos educacionais foram chamados a receber orientação técnica/pedagógica apenas uma vez, evidenciando, finalmente, a não preocupação da Secretaria em tornar democrático o processo de reforma educacional.

Conforme observado neste trabalho, há de considerar que esta aceitação pode também estar relacionada aos mecanismos de controle e avaliação deliberados conjuntamente à padronização dos currículos na rede pública de ensino, pois a inserção de uma política de bonificação por desempenho gerou a “auto-monitorização” (Ball, 2002), cuja principal característica é a extensão do controle aos agentes que passam a fiscalizar a si mesmos e a seus pares, por exemplo, durante o processo de implantação das intencionalidades curriculares do São Paulo faz escola. Nesse sentido, é necessário lembrar que o trabalho “mal” desempenhado por um profissional pode representar perda financeira para toda a instituição.

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Dentro da conjuntura neoliberal contemporânea, o São Paulo faz escola mais que uma padronização curricular também visava à dinamização das relações econômicas e à contenção do financiamento educacional, o que foi efetivado, entre outros aspectos, mediante severo controle sobre as ações dos sujeitos educacionais, dos quais passou a ser exigido um trabalho excessivamente performático que não considera as particularidades vivenciadas nas mais de cinco mil escolas da rede. Quando as metas não são alcançadas, escolas e sujeitos acabam responsabilizados por seus insucessos, o que gera mal-estar para a comunidade escolar e, em um sentido mais amplo, corrobora com o processo de depreciação e proletarização do ofício docente.

Entretanto, mesmo em face ao severo controle, à meritocracia e à própria aceitação das matrizes, quando a investigação direcionou-se para o cotidiano escolar – com objetivo de verificar como e em que medida as proposições curriculares da SEE-SP foram, ou não, postas em prática pelas escolas A e B –, percebeu-se que algo, ao mesmo tempo novo e antigo, insurgia e era facilmente identificável na voz e nas ações de professores e gestores. Tratava-se da cultura escolar que, mais uma vez, gerava seus “produtos”, cuja existência é consubstanciada nesta pesquisa pela maneira individual e autêntica que cada instituição e cada docente escolheu para trabalhar com a nova matriz e com seus Cadernos, mesmo que isso significasse sua não utilização, seu desuso.

De acordo com este encaminhamento, são, finalmente, questionadas as conclusões a que chegam determinados trabalhos de cunho científico que preconizam que a divulgação de uma matriz curricular por parte do poder público educacional necessariamente deve ser compreendida como uma medida de cerceamento do trabalho docente. Tal forma de compreender a implementação de reformas no sistema educacional, sejam elas de procedência curricular ou não, desconsidera a atuação prática dos sujeitos que, guiados por influências próprias e/ou comuns ao grupo escolar, fazem a implementação – de um currículo, por exemplo – de maneira autêntica e singular.

Boim (2010, p.121), em análise ao processo de implantação do novo currículo paulista, corrobora com esta percepção, pois ainda frente à conclusão de que “a proposta curricular apresentada pela SEE-SP em 2008 e consolidada como currículo oficial no ano de 2009 não deve ser encarada como uma proposta e sim como um pacote educacional”, considera:

O fato de a disciplina estar ali consolidada como vulgata não assegura por si só que ela seja ministrada tal qual se imaginou nas várias instâncias de

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definição da disciplina. O que o professor e o aluno fazem em sala de aula, por sinal, é um desses momentos obscuros que requer elucidação se se pretender avançar para além da investigação da disciplina em funcionamento. (Idem, Ibidem, 2010)

Vista a aula como um “momento obscuro” da implementação, sinaliza-se com a perspectiva de que diferentes escolas fazem leituras distintas das proposições do poder público educacional, o que leva à percepção de que, mesmo em face à publicação de matrizes curriculares e materiais didáticos para toda uma rede de ensino, é preciso maior cautela para utilização de termos tais como “engessamento”, “padronização” ou “uniformização” curricular e pedagógica.

Sem as devidas ressalvas, o emprego de tais conceitos pode levar os leitores mesmo avisados a compreenderem a escola e as disciplinas como espaços de reprodução de conhecimento e de mera vulgarização das Ciências de referência, em outras palavras, de inércia, de continuações e de permanências, o que impede a condução de mudanças na conjuntura externa – social, política, econômica e cultural. Ao contrário desta perspectiva, compreende-se a instituição escolar e os campos disciplinares como detentores de inúmeras possibilidades de transformação contextual, já que criam seus “produtos” e seus saberes, sendo, por isso, capazes de lidar com as diretrizes do poder público educacional de maneiras distintas, tal como lhes convêm.

Para que se promova a qualidade e a supressão da crise pela qual passa a Educação paulista – e nacional como um todo – a melhor solução não está, como já discutido, na instalação de políticas controle do trabalho docente ou na proliferação dos exames em larga escala, tampouco na meritocracia, ações que, por outro lado e de maneira geral, não levam em conta e não propõem soluções para os problemas conjunturais específicos de cada unidade de ensino, os quais, sem dúvida alguma, configuram-se como influências para o processo de ensino-aprendizagem.

Em sentido contrário, as ações educacionais deveriam endereçar-se para o cotidiano escolar, mais especificamente para as salas de aula, local onde, finalmente, se observam os destinos tomados pelas políticas públicas (Faria Filho. et al., 2004). Se desde o princípio, os projetos de reforma contassem com a participação daqueles os colocam em prática – professores e gestores – estariam findos no processo de implantação sentimentos que se relacionam a descrédito, estranhamento, imposição e recusa, tão comuns processos reformistas feitos de cima para baixo, sem que a voz dos sujeitos seja considerada.

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Como sugere Forquin (1993), para combater a crise, é necessário que as propostas curriculares, não somente a de História, contemplem de maneira “universal” tanto as demandas de formação humanitária, social e local, quanto a transmissão de saberes para a resolução das incógnitas contemporâneas, fazendo desaparecer o que se denomina “estrangeiros” e “desenraizados” sociais, concebidos em processos de ensino-aprendizagem que contemplam apenas aspectos da cultura dos grupos dominantes. Tais proposições, entretanto, parecem não terem sido privilegiadas na reforma curricular empreendida pelo Estado de São Paulo, tanto no que se refere à elaboração/construção das matrizes e Cadernos quanto no que concerne à forma de implementá-los na rede.

Contudo, as consequências das atuais decisões da SEE-SP na qualidade educacional paulista não poderão ser aqui enumeradas, já que a reforma continua em tramitação e passa por constantes alterações, mesmo após a alternância de três secretários educacionais. Identificar e analisar com mais profundidade as implicações geradas pelo São Paulo faz

escola para a educação e para o ensino de História requer a viabilização de pesquisas como

esta, que tentou contribuir, trançando alguns encaminhamentos, para que as reflexões sobre o objeto em questão pudessem ser ampliadas.