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São Paulo faz escola.

2.3 A LDB e os PCNs para o ensino médio: permanece a dualidade

2.3.1 O ensino médio no programa educacional São Paulo faz escola: para onde?

No documento curricular lançado pela SEE-SP em 2010, diferentemente da proposta curricular de 2008, há uma preocupação em apresentar questões relativas ao ensino médio oferecido pela rede pública paulista. Em crítica a LDB de 1971 – no que concerne à associação entre formação geral e profissional – ao tratar a questão da dualidade neste nível de ensino, a Secretaria observa:

A tradição de ensino academicista, desvinculado de qualquer preocupação com a prática, separou a formação geral e a formação profissional no Brasil. Durante décadas, elas foram modalidades excludentes de ensino. A tentativa da LDB (Lei nº 5692/71) de unir as duas modalidades, profissionalizando todo o Ensino Médio, apenas descaracterizou a formação geral, sem ganhos significativos para a profissional. (SÃO PAULO, 2010, p.23)

Nota-se aqui, certa preocupação da SEE-SP em obedecer ao artigo nº 35 da atual LDB, fazendo com que o ensino médio possa, concomitantemente, preparar o jovem em formação tanto para o prosseguimento dos estudos quanto para a inserção no mercado de trabalho. Para a Secretaria, entretanto, a responsabilidade de oferecer essa formação básica para o trabalho não é exatamente da escola – posto que não houve, por exemplo, mudanças estruturais que garantissem essa formação para o mundo do trabalho – mas dos professores e dos currículos disciplinares que passaram a ter enfoques profissionais em 2009. Assim, as escolas paulistas deveriam seguir os seguintes direcionamentos:

A preparação básica para o trabalho em determinada área profissional, portanto, pode ser realizada em disciplinas de formação básica do Ensino Médio. As escolas neste caso atribuirão carga horária suficiente e tratamento pedagógico adequado às áreas ou disciplinas que melhor preparassem seus alunos para o curso de educação profissional de nível técnico escolhido [...]. Isso supõe um tipo de articulação entre currículos de formação geral e currículos de formação profissional, em que os primeiros encarregam-se das competências básicas, fundamentando sua constituição em conteúdos, áreas

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ou disciplinas afinadas com a formação profissional nesse ou em outro nível de escolarização. Supõem também que o tratamento oferecido às disciplinas do currículo do Ensino Médio não seja apenas propedêutico, tampouco voltado para o vestibular. (SÃO PAULO, 2010, p.24)

Convém informar que atualmente o ensino médio paulista também é conduzido por uma matriz curricular específica, elaborada pela SEE-SP em pareceria com a CENP e, frente às dificuldades notadas na manutenção e expansão deste nível de ensino e objetivando “melhor atender aos interesses e necessidades pessoais e sociais dos alunos” (São Paulo, 2011, p.04), a Secretaria propôs

[...] um conjunto de ações com vistas a promover a melhoria destas e outras condições das escolas públicas estaduais que oferecem esse ensino. O presente documento trata de uma dessas ações e medidas correlatas: a revisão da matriz curricular do Ensino Médio, com ênfase na formação básica do educando. (SÃO PAULO, 2011, p.04)

Este documento sugere a reorganização da grade curricular do ensino médio a fim de promover uma distribuição mais eficiente das disciplinas nas três áreas de conhecimento59 já difundidas na rede. Mais do isso, a referida matriz intenciona que os alunos do 3º ano do ensino médio optem pela área em que desejam aprofundar seus conhecimentos. Mesmo ante as orientações da LDB de 1996, que preconiza o desenvolvimento de uma formação geral aos educandos, a SEE-SP justifica sua opção por compreender que:

[...] a concentração da carga horária por área tem por objetivo atender a interesses e necessidades dos alunos. Considera-se que no último ano do Ensino Médio, o aluno terá condições de optar pelo aprofundamento de estudos em uma área de conhecimento de seu interesse. [...]. Essa distribuição do tempo assegura ao aluno ao acesso a conhecimentos organizados em diferentes áreas/disciplinas e o aprofundamento de estudo na área ou disciplinas de seu interesse, potencializando o desenvolvimento de práticas pedagógicas direcionadas à construção da identidade e autonomia do aluno. (SÃO PAULO, 2011, p.05)

Diferentemente do que propõe a SEE-SP, acredita-se que a escolha de uma área específica de conhecimento pelos educandos contraria a ampliação e a manutenção de um desenvolvimento intelectual mais abrangente e democrático. Persevera na história da educação brasileira, não apenas a dualidade deste nível de ensino, mas também sua elitização,

 

59 De acordo com as proposições dos PCNs, o currículo do Estado de São Paulo encontra-se organizado da

seguinte forma: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias.

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conveniente, por sua vez, à continuação da ordem social vigente, alicerçada por princípios conservadores infiltrados nas políticas públicas sociais com a chegada do neoliberalismo nos anos de 1990. (BIANCHETTI, 2001)

Vale ainda ressaltar que a integração de uma formação geral e profissional já era realizada pela SEE-SP desde 2009, conforme comprova a inserção no currículo da chamada parte diversificada (PD) em que cada área de conhecimento poderia acrescentar, na 3ª série do ensino médio, duas aulas de PD a uma de suas disciplinas,60 ficando, então, a cargo de cada instituição decidir quais disciplinas teriam a carga acrescida.

Tudo muito bem sistematizado no plano do discurso, mas que na atmosfera prática escolar não se processou tal qual previu a SEE-SP entre 2009 a 2011.61 A análise do cotidiano escolar revelou que a atribuição da PD diminuiu a carga horária das disciplinas que não foram contempladas, já que o número total de aulas semanais no ensino médio não foi ampliado. Tal fato representou um problema tanto para a aprendizagem dos alunos quanto para os professores efetivos e temporários que tiveram que completar suas jornadas em mais de uma escola, o que agrava ainda mais suas condições de trabalho, se levadas em conta, por exemplo, as questões do deslocamento e do custo.

Quando questionada sobre a distribuição das aulas da parte diversificada nas escolas estaduais de Assis, a PCOP de História confirma o problema:

É a direção da escola, o gestor da escola que, na hora de fazer a grade curricular, estabelece o número de aulas para tal disciplina. Na parte diversificada que ele coloca, por que existem outras disciplinas da PD como a Produção de Texto. Na verdade, Português tem dez aulas, mais a Produção de Texto e uma de Leitura, não lembro mais o nome. Então, isso acaba diminuindo as aulas das outras disciplinas, como as da História. Por isso, sobra, às vezes, apenas duas aulas (de História) no diurno e uma no noturno já que (no noturno) fica uma para Filosofia.

Assim, quando a escola em questão não optava por atribuir as aulas da PD à História, a 3ª série do ensino médio acaba ficando com apenas duas dessa disciplina no período matutino e uma no período noturno. Um problema de difícil solução se considerada a extensão e a falta de conteúdos das Situações de Aprendizagem propostas pelos Cadernos do Professor e do

Aluno de História, assunto a ser aprofundado mais a frente. Convém ainda ressaltar que os

saberes históricos na grade curricular paulista, de acordo com o 36º artigo da LBD, ainda

 

60 Disponível em: <http://www.fiesp.com.br/irs/consocial/pdf/transparencias_reuniao_consocial_27_08_10_-_

maria_ines_fini.pdf>. Acesso em: 02/07/2012.

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disputam espaço com Sociologia e Filosofia, também integrantes da área de Ciências Humanas e suas Tecnologias

Chamou a atenção, mais uma vez, a falta de orientações específicas para subsidiar os sujeitos educacionais no processo de formação dos alunos para o mercado de trabalho, ainda que esta tivesse a intenção de ser apenas uma “preparação básica” em determinada área profissional por meio dos currículos (São Paulo, 2010, p.24). Vale ressaltar, inclusive, a ausência de investimentos na infraestrutura das escolas para o cumprimento da tarefa, as quais receberam somente a Revista do Professor Atualidades para auxiliar materialmente o desenvolvimento da PD na rede.

Em 2012, as aulas da PD são abandonadas e outro projeto para o ensino médio paulista é iniciado: o “Ensino Médio Integral”, novo modelo de organização escolar, já implantado em 16 escolas estaduais.62

Segundo a informação divulgada no endereço eletrônico da SEE-SP,

Desde fevereiro deste ano, o novo modelo tem sido implantado na rede pública estadual de ensino, com um novo regime de trabalho dos professores que prevê dedicação plena e exclusiva à unidade escolar. Em depoimento, o Secretário de Estado da Educação de São Paulo, Herman Voorwald, convida a rede pública a conhecer e se envolver com a escola de período integral. Neste modelo há a integração das disciplinas do currículo e um novo regime de trabalho de seus professores, com dedicação exclusiva. Para isso, já foi aprovada pela Assembléia Legislativa e sancionada pelo Governador lei que institui gratificação de 50% sobre o salário-base dos profissionais que atuam nessas escolas. Os alunos têm orientação de estudos e auxílio na elaboração de um projeto de vida, que consiste em um plano para o seu futuro. Além das disciplinas obrigatórias, eles contam com disciplinas eletivas, de acordo com a área de interesse. O intuito é contribuir para que o aluno esteja apto tanto para a continuação dos estudos após o Ensino Médio, quanto para o mundo do trabalho.63

Tal iniciativa está afinada com que previa o plano educacional São Paulo: uma nova

agenda para a educação, mais especificamente no que se relaciona a sua 6ª meta:

“atendimento de 100% da demanda de jovens e adultos de Ensino Médio com currículo profissionalizante diversificado”. A 5ª ação para o cumprimento de tal meta trata especificamente a “Diversificação curricular do Ensino Médio”, preconizando:

 

62 As escolas do município de Assis não estão entre as 16 que já iniciaram o projeto.

63 Disponível em: <http://www.educacao.sp.gov.br/portal/projetos/escola-de-tempo-integral>. Acesso em: 14/05/

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1. O estudante poderá optar por habilitações técnicas profissionalizantes. Implantação a partir de 2008; 2. Oferta, a partir de 2008, da modalidade “técnico em administração” em 20% dos cursos noturnos de Ensino Médio, em parceria com o Centro Paula Souza; 3. Parcerias com o setor privado para certificações parciais em computação e língua estrangeira. (SÃO PAULO, 2007)

No que se relaciona ao ensino médio, as ações da SEE-SP encontram-se atrasadas e na metade do caminho delineado, pois, como preconizado pelo plano de metas e ações de 2007, uma parceria mais consistente com o Centro Paula Souza e com empresas privadas ainda precisa ser empreendida. Entretanto, mesmo que o cumprimento dos objetivos não tenha chegado ao fim, já é possível perceber que a intenção de expandir e profissionalizar o ensino médio apresenta-se incisivamente no discurso e nas iniciativas do Estado de São Paulo, sobretudo, quando se considera a implantação dessas escolas de ensino médio integral na rede.

Para 2013, o programa será expandido para outras escolas, as quais deixarão de atender ao ensino fundamental. Identificar as condições em que se processam a implantação deste novo projeto demanda, por sua vez, investigações próprias e algumas reflexões acerca da atual situação do ensino médio no Estado de São Paulo.

Em uma análise mais crítica e direcionada, propõe-se que o “véu do consenso” e a “máscara ideológica” sejam ponderados no intuito de desmistificar os desígnios colocados para o ensino médio nas atuais políticas do programa educacional São Paulo faz escola, cujas ações reformistas estão, ainda por influência do neoliberalismo, bastante atreladas aos interesses do mercado financeiro internacional. Do mesmo modo, as preocupações do poder público parecem distantes da oferta de uma educação de qualidade nesse nível de ensino. (BUENO, 2000a)

Tal posicionamento estatal está de acordo com o que propõe a perspectiva economicista neoliberal embasada na “teoria do capital humano”, a qual “[...] incorpora em seus fundamentos a lógica do mercado e a unção da escola se reduz à formação dos ‘recursos humanos’ para a estrutura de produção. O primeiro deve responder de maneira direta à demanda do segundo.” (BIANCHETTI, 2001, p. 94)

Nesse sentido – em função da ampliação da produção capitalista e do mercado – as atuais políticas educacionais do Estado de São Paulo parecem compreender o conhecimento humano como

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[...] recurso estratégico do desenvolvimento, confundido com informação e, nessa dimensão, considerado como base da cidadania política; da concepção redutora de trabalho, visto como mero fator de produção e não como categoria ontológica e econômica fundamental; da visão messiânica da tecnologia plantada em contexto no qual a relação linear entre desenvolvimento humano e mercado potencial constitui um paradoxo e qualquer mudança no processo do trabalho jamais abrangerá a todos os trabalhadores; de uma concepção de necessidades humanas que tem por referência a finitude da economia e não o homem em sua plenitude; do raciocínio economicista/empresarial subjacente aos modelos educativos e aos modelos de financiamento que associa um rumo retórico vinculado à qualidade para ações centradas no quantitativo; de um conceito de qualidade vinculado à perspectiva empresarial de eficiência, eficácia e política de resultados e identificada com aperfeiçoamento de capital humano pela otimização dos meios; da visão difusa de educação tecnológica associada a uma divisão inexorável entre escolas de formação geral e ensino profissionalizante. (BUENO, 2000a, p.09-10)

Com auxílio deste excerto compreende-se que o Estado de São Paulo – apesar de constantemente evocar em seu discurso o ideal democrático de superação do caráter elitista e dual do ensino médio –, em suas definições executivas e legislativas, ainda atende aos interesses da agenda internacional financeira de caráter neoliberal e conservador. Tanto no documento curricular de 2010 quanto no de 2011, ainda está presente, por exemplo, uma concepção pragmática e funcional deste nível de ensino, pois persevera os objetivos “preparação para o mundo do trabalho” e “desenvolvimento de habilidades”.

De acordo com a perspectiva delineada por Bueno (2000b), as atuais políticas para o ensino médio nacional caminham em direção a um grande “salto na escuridão”, dada a existência de inúmeras indefinições conceituais, legislativas e operacionais, as quais são observadas no atual cenário paulista quando se considera a forma como a SEE-SP tem lidado com as questões relativas a este nível de ensino, ou seja, de maneira descontínua, fazendo com que fique evidente o caráter experimental das ações governamentais, o que, por sua vez corrobora, diferentemente do que espera a SEE-SP, para que a crise e a falta de qualidade avancem em vez de retroceder. Nesse sentido, fica difícil compreender em qual direção caminham as atuais políticas para o ensino médio paulista.

Forquin (1993) ajuda a propor encaminhamentos para tal problemática por compreender a atual crise educacional como fruto, em grande medida, da crise enfrentada pelo processo de transposição cultural – o que ensinar? – a qual culmina em instabilidade para os programas escolares e instrumentalismo para os currículos. Para este autor, a solução está em considerar o caráter de universalidade que deveriam conter os currículos, cuja disposição atenderia concomitantemente tanto às necessidades essenciais para expectativas e conjunturas

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econômicas e políticas específicas quanto àquilo que se considera parte da cultura humana universal.

Desse modo, é necessário compreender que a elaboração das reformas educacionais, entre elas a curricular, exige além da consideração dos fatores externos de cunho econômico, político, ideológico, necessita, por outro lado, considerar as particularidades de cada instituição, as quais ultrapassam os limites das políticas. Nesse sentido, é necessário, mais uma vez, endereçar-se para o interior da prática escolar, para que as dificuldades enfrentadas por professores e alunos deste nível de ensino possam ser identificas e analisadas e, se possível, solucionadas.

Capítulo 03