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CONSIDERAÇÕES FINAIS OS FRUTOS COLHIDOS GERAM NOVOS APRENDIZADOS E LANÇAM NOVAS SEMENTES

SUMÁRIO DEDICATÓRIA

CONSIDERAÇÕES FINAIS OS FRUTOS COLHIDOS GERAM NOVOS APRENDIZADOS E LANÇAM NOVAS SEMENTES

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REFERENCIAS 390

1 Minha itinerância na Educação do Campo

A paixão com que conheço, falo ou escrevo não diminuem o compromisso com que denuncio ou anuncio. Sou uma inteireza e não uma dicotomia. Não tenho uma parte esquemática, meticulosa, racionalista e outra desarticulada, imprecisa, querendo simplesmente bem ao mundo. Conheço com meu corpo todo, sentimentos, paixão. Razão também.

Paulo Freire

A presente pesquisa, desenvolvida no Núcleo de Pesquisa de Formação de Professores e Prática Pedagógica do Programa de Pós Graduação do Centro de Educação da UFPE, tem como objetivo compreender as práticas pedagógicas que se desenvolvem nas Escolas Básicas do Campo, que se filiam ao discurso político-pedagógico e epistemológico da Educação do Campo, posto em circulação por diferentes organizações sociais, principalmente a partir dos anos de 1990 no Brasil.

As motivações para o estudo foram tecidas por diferentes fios, nos diversos contextos escolares e não escolares da nossa itinerância como professora da educação básica e superior e como educadora popular junto aos movimentos sociais do campo.

Primeiramente, tínhamos o desejo de contribuir com subsídios para o aprofundamento teórico e prático sobre a Educação do Campo, a partir da socialização e estudo sobre as práticas pedagógicas que constituem o Movimento da Educação do Campo, foi um desses fios. Evidencia-se, assim, como se processa o diálogo do Movimento da Educação do Campo a partir de sua especificidade, com a teoria pedagógica e as questões gerais da Educação, explicitando a contribuição que traz para formulação de um projeto de desenvolvimento sustentável e solidário no país.

Foi também nossa motivação a necessidade de interactuar com o debate das Políticas (GXFDFLRQDLVGD(GXFDomRGR&DPSRGHQWUHDVTXDLVVHGHVWDFDDDSURYDomRGDV³'LUHWUL]HV 2SHUDFLRQDLVSDUDD(GXFDomR%iVLFDQDV(VFRODVGR&DPSR´SDUHFHUQRH5HVROXomR 1/2002, do Conselho Nacional de Educação, e a criação dos Cursos de Licenciatura em Educação do Campo, nas Universidades Públicas. Essas duas iniciativas são exemplos do processo de proposição e reivindicação dos movimentos sociais do campo por uma política pública para as Escolas do Campo.

Ademais, haverá a necessidade de novos conhecimentos sobre a Educação do Campo, na formulação de pesquisas sobre os fenômenos educativos, estimulando a produção

acadêmica, que envolvam os sujeitos do campo e a formulação de uma teoria pedagógica que subsidie as práticas educativas e a formação dos profissionais da Educação do Campo.

A pesquisa que realizamos no mestrado sobre os saberes do professorado rural, nos possibilitou o conhecimento da prática pedagógica que começava a se concretizar nas escolas da rede pública de municípios do Estado de Pernambuco. Essa pesquisa suscitou o envolvimento com outras iniciativas de educação em diferentes Estados, o que despertou nosso interesse para entender as mudanças decorrentes do Movimento da Educação do Campo, que se opunha à escola rural que conhecíamos na nossa itinerância pessoal e profissional.

A aprendizagem que construímos na nossa itinerância possibilitou, por um lado, a vivência do modelo de escola pública que chegou ao campo: descontextualizada da vida, do trabalho e da cultura dos sujeitos sociais a quem se destinava ± pautada no conceito da Educação Rural; e, por outro lado, a participação nas práticas pedagógicas que se instituíram com as lutas das organizações sociais do campo, por uma escola contextualizada na realidade, no trabalho e na cultura, como ponto de partida da produção de seus conhecimentos, práticas essas que construíram o Movimento da Educação do Campo.

O paradigma da Educação Rural emerge na esfera das políticas governamentais a partir da década de 1930, numa visão dicotômica (urbano/rural, indústria/agricultura, científico/popular, atrasado/moderno), gerando o modelo urbanocêntrico1. Modelo que se afirma com as políticas desenvolvimentistas a partir da década de 1950, na qual o campo é encarado como lugar do atraso, residual e em processo de extinção na sociedade brasileira, a partir do desenvolvimento da indústria e da urbanização do País.

Esse discurso tem omitido ao longo da história a existência dos camponeses (as) ou, quando faz menção à sua existência, é para sinalizar a sua incapacidade, a sua ignorância, a necessidade de serem adaptados ao processo de modernização, a sua - até - falta de higiene, e FRQVHTXHQWHPHQWH DWULEXLU R VHX IUDFDVVR HVFRODU D ³GHILFLrQFLDV FXOWXUDLV´ VHQGR SDSHO GD escola contribuir para a superação desse déficit cultural da população do campo.

Esse preconceito sobre a imagem do ambiente rural, arraigado em nossa sociedade, e sobre a relação dela com a Educação oferecida aos moradores do campo

[...] trata os valores, as crenças, os saberes do campo de maneira romântica ou de maneira depreciativa, como valores ultrapassados, como saberes tradicionais, pré-científicos, pré-modernos. Daí que o modelo de educação básica queira impor para o campo currículos da escola urbana, saberes e

1O termo urbanocêntrico é aqui utilizado para se referir a uma visão na qual a concepção de educação e modelo

didático-pedagógico utilizado nas escolas da cidade é transferido para as escolas localizadas nas áreas classificadas pelos órgãos oficiais como rurais, cuja centralidade é a cidade e o processo de urbanização.

valores urbanos, como se o campo e sua cultura pertencessem a um passado a ser esquecido e superado. (ARROYO, 2004, p. 79).

(VVD YLVmR FDUDFWHUL]D R TXH %RDYHQWXUD 6DQWRV   GHQRPLQD GH µsociologia das

DXVrQFLDV¶cuja lógica produz a não existência de uma dada realidade, entidade ou agentes, a

partir de sua desqualificação, que a torna invisível ou descartável. Essa visão epistemológica fez com que a realidade do campo, seus sujeitos sociais e a escola que lhe foi destinada fossem tratados pela racionalidade hegemônica, como

[...] o ignorante, o residual, o inferior, o local e o improdutivo. Trata-se de formas sociais de inexistência porque as realidades que elas conformam estão presentes apenas como obstáculos em relação às realidades científicas, avançadas, superiores, globais ou produtivas. São, pois, partes desqualificadas de totalidades homogêneas que, como tal, confirmam meramente o que existe e tal como existe. São o que existe sob formas irreversivelmente desqualificadas de existir. (SANTOS, 2005, p. 14-15).

(VVDUDFLRQDOLGDGHTXHRDXWRUGHQRPLQDGHUD]mRPHWRQtPLFD³TXHVHUHLQYLGLFDFRPR a única forma de racionalidade e, por conseguinte, não se aplica a descobrir outros tipos de racionalidade ou, se o faz, fá-lo apenas para torná-las em matéria-SULPD´(SANTOS, 2005, p. 6). Pauta durante décadas a elaboração das políticas educacionais do país a partir de um modelo globalizante e universalizante, na medida em que nega a diversidade dos sujeitos sociais.

Para Boaventura Santos (2005, p. 5), neste modelo de racionalidade,

[...] não há compreensão nem acção que não seja referida a um todo e o todo tem absoluta primazia sobre cada uma das partes que o compõem. Por isso, há apenas uma lógica que governa tanto o comportamento do todo como o de cada uma das suas partes. Há, pois, uma homogeneidade entre o todo e as partes e estas não têm existência fora da relação com a totalidade. As possíveis variações do movimento das partes não afectam o todo e são vistas como particularidades. A forma mais acabada de totalidade para a razão metonímica é a dicotomia, porque combina do modo mais elegante, a simetria com a hierarquia. A simetria entre as partes é sempre uma relação horizontal que oculta uma relação vertical. Isto é assim porque, ao contrário do que é proclamado pela razão metonímica, o todo é menos e não mais do que o conjunto das partes. Na verdade, o todo é uma das partes transformada em termo de referência para as demais.

Nessa racionalidade, a distribuição do conhecimento, na escola, é marcada por critérios restritos de seleção do que constitui a cultura de uma sociedade, na qual dimensões importantes da vida e dos saberes gestados por grupos sociais específicos são negados. Essa é XPDGDVUD]}HVSHODVTXDLV³DHGXFDomRHVFRODUQmRFRQVHJXHLQFRUSRUDUHPseus programas e

seus cursos senão um espectro estreito de saberes, experiências, de formas de expressão, de PLWRVHVtPERORVVRFLDOPHQWHPRELOL]DGRUHV´ )2548,1S 

Essa perspectiva da prática pedagógica sob o ângulo da racionalidade instrumental ou metonímica reforça a dimensão da dominação, da reprodução e do monoculturalismo presentes na sociedade capitalista, o que gerou um modelo único de escola, descolada da realidade e da diversidade existente no país.

Foi com esse modelo de escola que nos deparamos, ao começar a docência numa turma multisseriada2 no final da década de 1970. A inquietação com essa realidade nos levou aos primeiros ensaios de um fazer docente que estimulasse no grupo o trabalho coletivo, a troca de experiências e saberes, na perspectiva de facilitar o processo de aprendizagem, o que se DSUR[LPD GR TXH KRMH p SRVWR SRU 0LJXHO $UUR\R  S   QR VHQWLGR GH TXH ³RV aprendizes se ajudavam uns aos outros a aprender, trocar saberes, vivências, significados, culturas. Trocando questionamentos seus, de seu tempo cultural, trocando incertezas, SHUJXQWDVPDLVGRTXHUHVSRVWDVWDOYH]PDVWURFDQGR´(VVDVVLWXDo}HVOHYDPRSURIHVVRUDGR a agir pela sua experiência3, conforme explicitamos em pesquisa anterior (SILVA, 2000).

Quando entramos na Universidade, os saberes da formação4, advindos das diferentes disciplinas sobre desenvolvimento e aprendizagem humana, a relação entre sociedade e escola, estratégias didáticas para atuação na Educação Básica, contribuíram significativamente para uma maior eficácia na ação pedagógica que desenvolvemos. No entanto, não estudávamos a diversidade dos sujeitos da ação pedagógica nem a relação entre o campo e cidade e a organização do trabalho pedagógico nessa realidade.

Esse fazer docente se ressignificou à medida que tivemos contato com a Teologia da Libertação e com a Educação Popular, pois, entre outras questões, percebemos que, embora sem acesso à escolarização, as comunidades rurais vivenciavam processos educativos: encontros de estudos, romarias, mutirões, celebrações, festas, lutas pela terra, práticas

2 Turma organizada com mais de uma série e um único professor. Forma de organização escolar predominante,

desde o início da escola no campo. Mesmo com a criação dos grupos escolares no final da década de 1920, período em que se instituiu o regime de organização escolar seriado, a orientação de trabalhar sob a estratégia multisseriada continuou adotada nos distritos e áreas rurais. Tal organização de ensino permanece até hoje como o modelo de escola predominante no campo brasileiro.

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Tardif e Lessard (1991) enfatizam os saberes de experiência, como um conjunto de saberes apreendidos, construídos e atualizados na práxis educativa, transformam um conjunto de representações a partir das quais os docentes interpretam, compreendem e orientam sua profissão e prática cotidiana em todas as suas dimensões. 4

Saberes da formação profissional (das ciências da educação e da ideologia pedagógica): conjunto de saberes transmitido pelas instituições de formação (escolas normais ou faculdades de ciências da educação). Apresentam-se como doutrinas ou concepções provenientes de diferentes ciências da educação para serem incorporados ao fazer pedagógico do professorado. (TARDIF &LESSARD, 1991).

produtivas, que levavam ao entendimento da educação como processo de formação e emancipação humana.

Essa percepção foi reafirmada a partir do trabalho que desenvolvemos junto aos movimentos sociais do campo e a formação continuada do professorado rural, o que nos levou à pesquisa do mestrado sobre a constituição dos saberes do professorado rural para o exercício docente nas escolas do campo.

Os resultados dessa pesquisa (SILVA, 2000) mostraram, por um lado, a desarticulação entre os saberes da formação e a realidade concreta na qual o professorado desenvolvia seu trabalho pedagógico; e, por outro, o reconhecimento do professorado como um ser de práxis que conduz sua ação educativa no contexto das Escolas do Campo constituído por uma heterogeneidade de saberes construídos na interação com a realidade e com a prática social dos sujeitos.

Esse trabalho contribuiu para identificar que a precarização da formação inicial constitui um desafio à prática docente, nem sempre superada pela formação continuada, visto que o professorado se vê instigado no cotidiano da sala de aula à improvisação, criação e à aprendizagem de conhecimentos que o ajudem a enfrentar as situações da profissão, a partir da interação com os colegas, com os estudantes, com as famílias, com a experiência em sala de aula, constituindo, assim, os saberes de experiência que se tornam o fio condutor do seu trabalho em sala de aula e na escola.

Essa itinerância em práticas educativas do campo, como educadora e pesquisadora, tornou-me co-autora de muitas iniciativas de Educação do Campo, inquietando-me sobre algumas questões: como o processo de mobilização do Movimento da Educação do Campo tem influenciado as práticas pedagógicas das Escolas do Campo? A elaboração de um marco jurídico específico trouxe modificações à organização da escola? Era o ponto de partida para uma nova pesquisa.

2 A definição do problema e o objeto

O movimento político, pedagógico e epistemológico da educação do campo nasceu como mobilização, proposição e pressão dos movimentos sociais por uma política educacional que fortalecesse as práticas educativas existentes e a criação assim como a ampliação de escolas públicas da Educação Básica nas comunidades e assentamentos.

A origem desse movimento tem o seu lugar no processo, experimentado por organizações sociais e suas lutas por mudanças no campo brasileiro, e no questionamento da concepção e prática de Educação Rural implementada no Brasil. Assim, a concepção de Educação do Campo emerge com a dinâmica das lutas dos movimentos sociais por um projeto de desenvolvimento sustentável e solidário para a sociedade brasileira e como questionamento ao modelo monocultural e descontextualizado da Educação Rural.

Com isso, o Movimento da Educação do Campo problematiza o paradigma hegemônico de sociedade ± que concentra terras, águas, alimentos e riquezas ± e o modelo de educação - que desconsidera a forma dos sujeitos produzirem sua vida, seus saberes e afetos. Emerge da materialidade da prática política, social, cultural e educacional dos Povos do Campo5 em sua diversidade na forma de produzir e reproduzir a vida no seu contexto sócio-ambiental.

Na dimensão política, o Movimento da Educação do Campo, coloca os Povos do Campo como sujeitos de direitos, dentre os quais se evidencia a educação. A luta pelo direito ao acesso e a permanência na Escola torna-se uma das reinvidicações centrais das diferentes instituições e organizações sociais que constituem o Movimento da Educação do Campo. Mais do que um direito dos sujeitos do campo, e de afirmação da cidadania, a Educação se constitui enquanto processo de formação da humanidade do ser humano numa perspectiva emancipadora, e de intervenção na realidade. Trata-se de um projeto educativo centrado no diálogo-libertador, que valoriza o empoderamento dos sujeitos, o seu pertencimento a um grupo e a um contexto social.

Trata-se, portanto, de educar as pessoas como sujeitos históricos e coletivos6, na perspectiva de que se tornem autores sociais7, sujeitos da construção de uma nova sociabilidade e de uma nova escola.

Sendo assim, surge a identidade da escola definida a partir dos sujeitos sociais a quem

se destina, e que tem a realidade como o conteúdo básico da sua organização curricular. A

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O termo Povos do Campo é usado em diferentes documentos de movimentos sociais para se referir à heterogeneidade dos sujeitos sociais do campo: agricultores (as) familiares, assentados (as) e acampados (as), reassentados, ribeirinhos, extrativistas, pescadores artesanais, comunidades quilombolas, caiçaras, comunidades de fundo de pasto, pantaneiros, vaqueiros, gerazeiros, faxinalenses que produzem e reproduzem sua vida numa relação direta com a terra, a floresta e as águas considerando suas diferentes modulações de gênero, geração, raça, etnia e orientação religiosa

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Os sujeitos sociais lutam pelas transformações do cotidiano, das inter/subjetividades. Os sujeitos coletivos, históricos, absorvendo as lutas sociais se organizam pelas transformações das conjunturas e das estruturas em função de uma maior participação social e pessoal, pela afirmação da dignidade de todos, homens e mulheres das diferentes etnias, idades, condições sociais, opções sexuais, e culturais em novas relações de poder numa institucionalidade estatal ressignificada. (SOUZA, 2006).

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Adotaremos a definição de João Francisco de Souza (2006) de autores sociais como gestores de seus processos sociais, participantes do processo social do conjunto da sociedade, fazedores da história e de sua própria história.

diversidade dos Povos do Campo na sua forma de produção e reprodução social da vida marca também a pluralidade das escolas e de suas práticas.

Com a finalidade de compreender as práticas das Escolas do Campo, orientamos a pesquisa a partir de quatro pressupostos.

O primeiro é o de que o Movimento da Educação do Campo se constitui e abstrai das iniciativas educativas para formulação de propostas pedagógicas, que trazem na sua gênese a matriz da Educação Popular, ocorrida na América Latina nos anos de 1960, especialmente na obra e prática de Paulo Freire. Seus princípios filosóficos, políticos, sociológicos e pedagógicos orientam a compreensão da Educação como atividade cultural capaz de contribuir no processo de emancipação humana e tranVIRUPDomR VRFLDO RX VHMD ³XPD DSRVWD QD capacidade humana de reinventar a si mesmo e a sociedade, de transcender a partir de sua LPDQrQFLD´ 628=$S 

Essas práticas educativas se referenciam nas experiências da década de 1960 na Educação Popular, que propunham a formação de sujeitos coletivos e populares, capazes de constituírem-se em protagonistas das mudanças sociais e políticas contra a opressão e a exploração, e que foram silenciadas com a repressão desencadeada pela ditadura militar. Assim, a Educação Popular, enquanto uma teoria da educação teve uma contribuição significativa na elaboração das Propostas Pedagógicas das entidades que compõem o Movimento Político-Pedagógico e Epistemológico da Educação do Campo.

A relação com os movimentos sociais, como espaços educativos e constituintes da formação do ser humano e como formuladores de um projeto de campo e de sociedade para o país, é um princípio fundamental nas propostas das escolas. As práticas educativas gestadas no campo trazem a concepção de campo como lugar de vida, de contextos plurais, articulador de saberes e da relação do ser humano com a natureza, consigo mesmo e com os outros.

O segundo pressuposto é o de que há uma vinculação orgânica entre a cultura, a educação e a Escola do Campo, visto que a prática pedagógica tem como conteúdo educativo básico o contexto das comunidades articulado com o debate das questões mais gerais da sociedade, o que gera as possibilidades de intervenção no mesmo.

A ação educativa contextualizada tem como propósito fundante a valorização dos saberes da prática social constituídos no plano econômico, social político e cultural num diálogo crítico com os conhecimentos científicos e tecnológicos, constituindo uma perspectiva de educação intercultural que questiona

O formato universalista de ensino, que não tocava nas contradições do mundo, nem levava em consideração o chão onde pisava. Aliás, tanto a noção quanto as práticas que ela anima e inspira, advém da crítica feita a esta µGHVFRQWH[WXDOL]DomR¶ GD educação escolar, de suas práticas e saberes. (MARTINS, 2004, p. 29).

$OXWDSHORGLUHLWRjLJXDOGDGHDSDUWLUGDVGLIHUHQoDV³WUDGX]DQHFHVVLGDGHGRVJUXSRV VRFLDLVDVVLPHWULFDPHQWHVLWXDGRVHPDFHVVDUDHGXFDomR´ (SILVA, 2000, p. 81) e questiona os estereótipos sociais, sexuais, étnicos e culturais homogeneizadores, na perspectiva de construir um diálogo intercultural permanente como ponto de partida e de chegada para construção de uma política educacional e de uma sociedade multicultural que

[...] não se constitui na justaposição de culturas, muito menos no poder exarcebado de uma sobre as outras, mas na liberdade conquistada, no direito assegurado de mover-se a cada cultura no respeito uma da outra, correndo risco livremente de ser diferente, sem medo de ser diferente, de ser cada uma para si, somente como se faz possível crescerem juntas e não na experiência da tensão permanente provocada pelo todo-poderoso uma sobre as demais, proibidas de ser. (FREIRE, 1994, p. 156).

No final da década de 1970, a luta dos Povos Indígenas pela terra, desencadeou iniciativas que favoreceram a articulação entre aldeias e povos nas assembléias indígenas, como forma de solidariedade interétnica e fortalecimento dos movimentos e organizações indígenas: a criação de entidades de apoio à causa indígena, que estimulou o processo de reflexão crítica sobre o processo de exploração colonialista; e a construção de alianças com

diferentes entidades e organizações, que desembocaram na construção da educação escolar

indígena como direito, afirmando as identidades étnicas, o fortalecimento das memórias históricas, a valorização das línguas e saberes dos Povos Indígenas.

A mobilização dos Povos Indígenas com o apoio de várias entidades nacionais8 e internacionais garantiu, na Constituição Federal de 1988, o direito a uma educação diferenciada, reforçado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei 9394/96, e a