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Núcleos de Singularidades 107 das Propostas Pedagógicas: a diferença dentro da diferença

SUMÁRIO DEDICATÓRIA

V CAPITULO PROPOSTAS PEDAGÓGICAS DO MOVIMENTO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO

5.1 Núcleos de Singularidades 107 das Propostas Pedagógicas: a diferença dentro da diferença

2³Q~FOHRGHVLQJXODULGDGH´GHXPD3URSRVWD3HGDJyJLFDWUDWD-se de um conjunto de elementos ± fatos, pessoas, ideias, significados, relações, espaços, tempos, instrumentos ± que, ao se combinarem em um dado tempo e espaço, produzem certas configurações que tornam esta mesma prática distinta de outras, inclusive daquelas com as quais compartilha um mesmo ambiente ou campo de manifestação (lugar), um mesmo momento de expressão (tempo) e temática (FALKEMBACH, 1995).

No entanto, a pluralidade das práticas educativas que compõem o Movimento da Educação do Campo se expressa também na diversidade de teorias pedagógicas, que se cruzam e entrecruzam em diferentes dimensões nas suas propostas pedagógicas108: o

pensamento pedagógico socialista, principalmente nas contribuições de Anton Makarenko

(1982), Pistrak (1981) e Vygotsky (1987), que trazem a dimensão pedagógica do trabalho e da organização coletiva, da cultura e do processo histórico no processo de aprendizagem; os

estudos culturais, no que se refere à relação entre currículo e poder, a partir das contribuições

de Michel Apple (1982) e Henry Giroux (1982); os estudos pós-coloniais, no questionamento de narrativas que constroem o Outro colonial enquanto objeto de conhecimento e como

107

Adotamos o termo núcleos de singularidade, conforme Elza Maria Fonseca Falkembach (2003). 108

A citação de alguns autores não significa que o diálogo ocorre apenas com eles, mas que são representativos de uma concepção de pensamento, ou porque aparecem com mais frequência nos documentos das iniciativas.

sujeito subalterno, com Felix Guattari (1990) e Peter Mc Laren, (1997); a abordagem

ecossistêmica no que diz respeito à religação entre os saberes e o sentir na convivência do ser

humano consigo, com os outros e com o planeta, nas contribuições de Humberto Maturama (1998) e Leonardo Boff (1999).

A perspectiva dialogal e de releitura dessas contribuições é assumida pelas práticas educativas como uma postura política e pedagógica de que as mesmas precisam ser refeitas a partir das lutas e organizações do campo, da realidade na qual as escolas se materializam, estabelecendo uma interação permanente entre a teoria pedagógica, expressa nas propostas pedagógicas e a prática pedagógica de cada escola. Como fala Miguel Arroyo vão ³UHLQYHQWDQGRDWHRULDHGXFDFLRQDO¶, e construindo pedagogias: a Pedagogia da Alternância, a Pedagogia do Movimento, a Educação para a Convivência com o Semiárido, a Proposta de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável.

Do ponto de vista político, essas Pedagogias se constituíram a partir da organização dos sujeitos do campo, na crítica ao projeto de campo do agronegócio, a realidade da Educação Brasileira e, especificamente, na contraposição à concepção e à prática de Educação Rural que foram implantadas no Brasil. Portanto, a Educação do Campo afirma uma educação emancipatória vinculada a um projeto histórico de sociedade e de ser humano.

Do ponto de vista da teoria pedagógica, o questionamento sistemático sobre quais conhecimentos deveriam compor o currículo das Escolas, para que e por que ensinar esses conhecimentos, como esses conhecimentos deveriam ser produzidos, sistematizados e socializados e quem deveria ser envolvido neste processo de produção do conhecimento, fundamentou a organização curricular de cada uma das propostas pedagógicas, que possuem traços de semelhanças, ao afirmarem a construção coletiva do conhecimento, a pesquisa como princípio educativo e o diálogo entre os saberes populares e científicos como princípios organizadores da produção do conhecimento nas Escolas.

Esses traços de semelhanças entre as propostas não existem independentes de suas singularidades, pois os núcleos de singularidade numa proposta atuam como motivação interna, para que os integrantes da experiência reflitam sobre o criado, vivido e representado na e pela prática social e pedagógica, possibilitando sua reflexão e reinvenção no cotidiano da prática pedagógica em sala de aula.

5.2 Escola Família Agrícola: alternância, participação da família, formação integral e desenvolvimento do meio

A Proposta Pedagógica dos Centros de Formação em Alternância, segundo Jean Claude Gimonet (2007), é formulada a partir da prática nas comunidades rurais da França e, progressivamente, em outros continentes, como um processo em que prevaleceu a experiência. A teorização ocorre inicialmente tomando como referencia as ideias de: Decroly H VHX PpWRGR GRV ³&HQWURV GH ,QWHUHVVH´109; Cousinet, no trabalho livre em grupo; John Dewey, na relação entre a experiência e a educação; e Jean Piaget, no praticar e compreender a realidade.

Ao chegar ao Brasil, no final da década de 1960, a proposta estabeleceu um diálogo mais efetivo com as ideias da Educação Popular originadas na Teologia da Libertação, da Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, e na perspectiva de organização do trabalho pedagógico, de Celéstin Freinet.

A rede CEFFAS no Brasil possui um projeto educativo que imprime uma identidade às escolas que a compõem, todavia, o contexto no qual se insere cada instituição, bem como a prática social de cada comunidade constroem núcleos de singularidades ± a cara de cada escola.

O Itinerário Pedagógico na alternância e seus dispositivos pedagógicos

O Itinerário Pedagógico das Escolas da Alternância torna-se o fio condutor estruturante das práticas educativas desenvolvidas em cada Escola, numa perspectiva da

alternância como uma pedagogia da complexidade, pois articula uma diversidade de sujeitos,

relações e saberes, numa articulação entre prática-teoria-prática e escola-comunidade.

Esse Itinerário Pedagógico materializa uma organização curricular, constituída de diferentes dispositivos pedagógicos que envolvem os sujeitos cognoscentes (monitores, educandos, gestores e técnicos) com os sujeitos sociais (pais, grupos da comunidade, grupos profissionais, organizações sociais etc); os saberes populares com os conteúdos pedagógicos; o espaço da escola com o espaço da comunidade; e tem como finalidade a formação integral do jovem e o desenvolvimento do seu meio. Podemos dizer que

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Os Centros de Interesse é uma metodologia que se desenvolve em três momentos: a observação (experiência do aluno), associação (conhecimento adquirido seja entendido no tempo e espaço) e expressão (externalização da aprendizagem por meio da linguagem).

Esse ritmo alternado rege toda a estrutura da escola, buscando conciliação entre a escola e o fazer, permitindo ao jovem não se desligar da família. A Escola é o lugar privilegiado para a escuta e a reflexão dos problemas que o jovem vive em seu meio sócio-profissional. Por um lado, receptora de problemas e, por outro, propulsora da ação refletida. O estudante é sujeito ativo desse processo, numa dinâmica mediada por instrumentos metodológicos específicos. Capta as indagações e problematizações provindas do meio sócio-profissional, leva-as à escola, coloca-as em comum, compara-se com as dos demais colegas, analisa-as interpretando-as e as generaliza (EFAORI, 2002, p.7)

Essa é uma escola que busca integrar o pensar, o fazer e o sentir. Nesse sentido, Jean Claude Gimonet (2007) destaca a alternância como uma situação educativa que possibilita uma forte interação individual, relacional, didática e institucional, cuja unidade é assegurada pelo Plano de Formação e o Plano de Estudo-PE.

O Plano de Formação é articulador dos tempos, espaços, conteúdos, dispositivos pedagógicos específicos da alternância, com a finalidade de adequar as diretrizes curriculares de cada etapa da educação à realidade dos educandos (as), assegurar a continuidade da formação na descontinuidade dos tempos e espaços formativos e definir os temas de estudos a serem aprofundados em cada ano letivo (ANEXO A).

O Plano de Formação contém: a) finalidades e objetivos discutidos e definidos pela Associação das Famílias com base no contextoE WHPDVGRV³SODQRVGHHVWXGR´EDVHDGRVQD realidade apontada por diagnósticos participativos; c) conteúdos curriculares formais do ensino da base nacional comum e da educação profissional trabalhados a partir dos temas da realidade e de forma interdisciplinar. (BEGNANI, 2006, p.36).

A metodologia de sua elaboração se dá conforme o quadro a seguir:

Atividades Atores Quando

1º) Diagnóstico da realidade local e regional

Alunos, pais, monitores e profissionais do meio

Final do ano 2º) Definição dos objetivos da

formação para cada grupo.

Alunos, pais, monitores e profissionais do meio.

Final do ano 3º) Levantamento de temas geradores

e Planos de Estudo

Alunos, pais, monitores e profissionais do meio Final do ano 4º) Sistematização do Plano de Formação Monitores Reunião de planejamento pedagógico no início de cada ano 5°) Apresentação da Sistematização Plano de Formação

Assembleia das Famílias Primeira sessão Escola

Fonte: Coordenação Pedagógica - EFAORI

As ações a serem planejadas e desenvolvidas nos diferentes tempos-espaços de aprendizagem se constituem a partir do Plano de Estudo. O PE é o instrumento que permite articular os saberes dos educandos (as), de sua família e do seu meio socioprofissional mediante a estruturação dos temas geradores, organizados por bimestre e por turma. Os temas são aprovados em assembleia geral das famílias, estudantes e equipe pedagógica da escola, portanto, podem ser modificados a cada ano, mediante avaliação deste coletivo.

O PE se constitui num instrumento de organização e planejamento curricular,

organizado num roteiro de pesquisa, observação e reflexão que

possibilite analisar os vários aspectos da realidade do estudante e da sua família. O planto de estudo faz com que a realidade se torne o central na aprendizagem, no entanto, sem se restringir a ele. Pois achamos importante que os estudantes do campo tenham acesso aos conhecimentos universais, agora numa postura crítica. Por isso, que a princípio o Plano desenvolve temas mais próximos da realidade do estudante e de sua família, depois vai caminhando para temas mais complexos de caráter sócio econômico e político mais amplo (Educadora 1) 110

A fundamentação do trabalho com os temas geradores se dá a partir das contribuições GH3DXOR)UHLUH  TXDQGRGHILQHTXH³VHFKDPDPJHUDGRUHVSRUTXHTXDOTXHUTXHVHMDD natureza de sua compreensão como a ação por eles provocada, contêm em si a possibilidade de desdobrar-se em outros tantos temas que, por sua vez, provocam novas tarefas que devem VHUFXPSULGDV  ´ S

A alternância é um princípio pedagógico e uma ferramenta de articulação desses

saberes, tempos, espaços e sujeitos e tem como ponto de partida o processo de construção do

conhecimento, a realidade do jovem e de sua família, a experiência sócio-profissional desenvolvida na família e na comunidade, e como ponto de chegada sua formação integral e sua intervenção para o desenvolvimento de sua realidade.

A organização do ensino na alternância conjuga um itinerário com momentos articulados que podem ser representados com o seguinte gráfico:

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Fonte: sistematizado pela autora a partir das informações da proposta pedagógica

Gráfico 10 ± Organização dos tempos-espaços da alternância

Esse itinerário articula o tempo-espaço escola (sessão escola) e o tempo-espaço comunidade (sessão família e meio sócio profissional), que são discutidos e aprovados pela assembléia geral da EFA (composta por estudantes, família, monitores e técnicos administrativos), estruturando o calendário anual da escola (ANEXO B).

Vejamos então como cada tempo-espaço do itinerário se organiza e dinamiza a escola e sua prática pedagógica.

O tempo-espaço da escola (sessão escola) é o espaço privilegiado de socialização, do aprender a ser, a conviver, a trabalhar em equipe. Contempla atividades formais teóricas e

práticas. As primeiras correspondem ao desenvolvimento dos conteúdos curriculares da

formação básica e profissional, estudos e reflexões orientadas para a pesquisa e intervenção na comunidade e no meio socioprofissional, de análise e síntese dos conhecimentos, da auto- organização de estudantes e monitores para participar da gestão escolar, do planejamento e execução das atividades a serem desenvolvidas na sessão escola e na sessão comunidade. As segundas estruturam-se como atividades informais complementares: culturais, esportivas, sociais, organizativas e de convivência comunitária, que estimulam a auto-estima, a criatividade, a autonomia, a cooperação e o diálogo.

Os depoimentos dos estudantes a seguir evidenciam como esse tempo-espaço de aprendizagem contribui para o processo de formação do jovem:

ͻconvivência

ͻexperiência comunitária ͻrealização da pesquisa