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A assistência farmacêutica configura-se como uma das principais formas de realização e garantia do direito à saúde (e, sobretudo, à vida) e aquela que consome um grande percentual do orçamento a elas destinado. Não apenas por preconizar a dispersão de medicamentos de forma gratuita e universal, mediante alguns requisitos, mas pelo fato de que, quando não o faz, suscita constantes interferências do Poder Judiciário nas políticas elaboradas e desenvolvidas pelo Executivo nesse setor.

Tal interferência se materializa por meio de decisões judicias que desconsideram toda a estrutura administrativa que orienta a materialização do direito fundamental, enfraquecendo a eficácia almejada com a sua construção.

Como visto, em que pese a supramencionada organização administrativa, pautada em uma forma federativa de cooperação entre os entes, este modelo parece fragilizado quando a jurisprudência, inclusive pautada em decisões do Supremo Tribunal Federal, ao RE 566.471/RN, vale-se do princípio da solidariedade para afirmar a competência comum dos entes na garantia da assistência farmacêutica.

Isso porque, ao assegurar a possibilidade do administrado receber a prestação de qualquer dos três entes, esse entendimento jurisprudencial dominante cria, do ponto de vista prático, dificuldades em relação aos limites administrativos e grande dispêndio de recursos, principalmente porque, já em juízo, três estruturas passam a funcionar para atuarem na defesa da Fazenda Pública (BARROSO, 2007, p. 59).

Ademais, o que se tem é o risco da superposição de esforços, de agentes públicos e desorganização da estrutura administrativa e orçamentária, então apresentada neste estudo, vez que o entendimento da solidariedade dos entes, tal como postulado pela jurisprudência dominante, parece ir de encontro à divisão de competência do modelo federativo (BARROSO, 2007, p. 58). Ressaltar esses efeitos colaterais das decisões concessivas, pautadas no princípio da solidariedade, não é sobrepor a organização administrativa ao direito à saúde, constitucionalmente assegurado. Até mesmo porque, enquanto direito fundamental, este deve ter sempre assegurada sua prevalência.

Ao contrário, objetiva-se ensejar reflexões críticas que também considerem que toda estrutura administrativa, igualmente é voltada para a concretização do direito fundamental à saúde, em sua dimensão coletiva. E, se esta resta prejudicada para satisfação de demandas individuais, não se pode deixar de considerar as consequências para a coletividade, destinatária das políticas públicas de saúde, como a assistência farmacêutica.

Assim, a partir da análise das decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, o que se constata é o conflito de interesses, posto em segunda instância por intermédio do recurso de apelação, que leva ao Poder Judiciário elementos que, normalmente, não compõem seu escopo decisório, como a eleição de prioridades de atuação em situações de múltiplas demandas e recursos escassos.

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Mônia Clarissa Hennig Leal, André Viana Custódio (Org.)

FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS VOLUME 1

Depreende-se do caso em tela que, no âmbito do Judiciário, tais normativas administrativas são vistas como óbices à concretização dos direitos, ainda que estas, de fato, tenham o objetivo de orientar a prestação estatal da forma mais ampla e eficaz possível. Por fim, cumpriu-se o objetivo de analisar como decide o Tribunal em foco, e, a partir de tal posição, foi possível reafirmar que a organização e o emparelhamento do Executivo não devem ser vistos como fatos impeditivos do direito, mas levados em consideração nas decisões como orientação do cumprimento das obrigações por eles impostas, da forma mais efetiva e baseada nos princípios orientadores tanto da política pública quanto do sistema jurídico brasileiro.

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A EVOLUÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS A PARTIR DA ERA DA INTERNET

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