• Nenhum resultado encontrado

2 A DISCRIMINAÇÃO DO NEGRO NO MERCADO DE TRABALHO: UMA HERANÇA DA COLONIALISMO

DIREITOS FUNDAMENTAIS E DEMANDAS SOCIAIS

2 A DISCRIMINAÇÃO DO NEGRO NO MERCADO DE TRABALHO: UMA HERANÇA DA COLONIALISMO

Em 2016, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua – PNAD-C (IBGE, 2016), a população brasileira chegou a 205,5 milhões de pessoas, e desse total os que se declararam pretos e pardos totalizou a quantia de 112,7 milhões (95,9 milhões de pardos e 16,8 milhões de negros), isto é, mais da metade da população brasileira.

Ainda, em conformidade com o PNAD-C, no segundo trimestre de 2018, a população em idade de trabalhar (14 anos ou mais) correspondia a 81,5% da população total do país (o equivalente à quantia estimada de 169,8 milhões de pessoas), sendo 46,2% de cor parda, 43,4% de cor branca e 9,3% de cor preta.

Porém, analisando a estimativa da taxa de ocupação, observa-se que foi maior para as pessoas de cor branca (56,0%), ao passo que para as pessoas de cor parda totalizou 51,3%. No tocante à taxa de desocupação por cor ou raça, denota-se que a taxa dos que se declararam brancos (9,9%) ficou abaixo da média nacional, enquanto a taxa de pretos (15,0%) e pardos (14,4%) ficou acima da referida média (IBGE, 2018).

A discriminação e o preconceito em razão da raça, principalmente com o negro, em pleno século XXI, fazem parte do cotidiano da sociedade e das relações de trabalho.

Apesar de muito se falar em democracia racial, observa-se que a população negra enfrenta dificuldades para ingressar no mercado de trabalho e para se manter nele.

Em que pese se tratar de assunto atual, a discriminação tem sua origem com o início das grandes navegações e com o descobrimento da América pela Europa – que passou a ser considerada o centro do sistema-mundo3-, surgindo a ideia do

3 De acordo com Silva Filho (2006) a Europa, após ser isolada pelos muçulmanos no comércio das

108

Mônia Clarissa Hennig Leal, André Viana Custódio (Org.)

FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS VOLUME 1

eurocentrismo.4 Ou seja, a construção da ideia de raça começou a ser formada com a expansão do colonialismo europeu,5 que passou a difundir a dominação entre europeus e não europeus (QUIJANO, 2005).

Com a dominação do território latino-americano pelos europeus, iniciou-se um processo de escravização dos índios e, posteriormente, com o comércio negreiro,6 os colonizadores passaram a utilizar também a mão de obra dos negros – preferidos dos grandes donos de terras – por serem mais úteis e confiáveis (MARCOCCI, 2011).

Desde o início da América e, consequentemente, do Brasil, passou-se a associar o trabalho não pago (escravo) com as raças dominadas (inferiores), de maneira que

“desenvolveu entre os europeus ou brancos a específica percepção de que o trabalho pago era privilégio dos brancos” (QUIJANO, 2005).

O Brasil foi o país que escravizou o maior número de negros e o último país da América Latina a abolir a escravidão (HELD; BOTELHO, 2016). Assim, a escravização dos negros que perdurou por aproximadamente 300 (trezentos) anos, trouxe como resultado desse poder colonial implicações decisivas: os povos dominados tiveram suas identidades usurpadas, recebendo nova identidade racial (colonial e negativa), que os colocavam numa situação de inferioridade na história da produção cultural da humanidade (QUIJANO, 2005).

No entanto, após praticamente 300 anos do regime escravocrata no país, surgiu a necessidade de ressignificar o trabalho e o trabalhador, pois a escravidão passou a ser vista como uma atividade exercida por trabalhadores indignos (negros escravizados). O trabalho escravo passou a significar atraso e o trabalhador negro era sinônimo de insuficiência e baixo conhecimento. Assim, para haver desenvolvimento e progresso, implantou-se uma política imigrantista, que contribuiu para o modelo de

Índias e haver fracassado com as Cruzadas, iniciou as navegações com a finalidade de descobrir uma rota marítima que contornasse a África e chegasse às Índias. Em 1488 Bartolomeu Dias dobrou o Cabo da Boa Esperança, contornando dessa maneira toda costa africana. Em 1492, com o descobrimento da América, a Europa se tornou o centro do mundo.

4 Segundo Quijano (2002), eurocentrismo é a perspectiva de conhecimento que passou a ser construída a partir do século XVII na Europa, relacionada ao processo de eurocentralização do padrão de poder colonial e imposta ao mundo nos séculos seguintes como a única forma de racionalidade existente.

5 Conforme Mignolo (2017), a partir do século XVI a Europa escravizou o povo africano, trazendo-o para trabalhar no Novo Mundo, matou boa parte dos índios que residiam na América Latina (como forma de dominá-los), e passou a ter o domínio do mercado internacional e também da história, pois realizou uma configuração racial entre o europeu, o índio e o africano, de maneira que a cor da pele passou a ser critério identificador da raça.

6 O Brasil foi o país que mais trouxe escravos da África, ou seja, durante os anos de 1531 a 1855 vieram, através do comércio negreiro, mais de 4 milhões de homens, mulheres e crianças africanas (IBGE, 2000). Durante os dois primeiros séculos após a chegada dos portugueses ao Brasil, o negro foi objeto mercantil, de maneira que desde a partida da África, até o ingresso nas fazendas brasileiras, passavam por pelo menos cinco transações com a finalidade de dissolver por completos os laços familiares. Ao chegar nos portos brasileiros, novamente eram vendidos, eram brutalmente agredidos nas fazendas, como forma de demonstrar o poder absoluto do “senhor” (STREVA, 2016).

Beatriz de Felippe Reis, Vivian Maria Caxambú Graminho

109

A DISCRIMINAÇÃO CONTRA OS NEGROS NO SETOR BANCÁRIO BRASILEIRO

hierarquização racial, em que o negro era destituído de valor (SILVA, 2013).

Paralelamente à abolição da escravatura, à proclamação da República, ao movimento imigrantista e ao início da industrialização brasileira, o país permaneceu recebendo e praticando as teorias raciais advindas da Europa, que aumentaram o preconceito racial e, consequentemente, a segregação negra (FERES JÚNIOR, 2006). Isto é, mesmo com a independência do Brasil e o fim da escravidão, o negro permaneceu preso àquele sistema de exclusão e de estereótipos raciais como o vagabundo, cachaceiro, criminoso, negro beiçudo, entre outros, que afetavam sua autoestima, sua vida profissional e social (STREVA, 2016).

No tocante às relações de trabalho, somente, a partir da década de 50, com o desenvolvimento industrial e o crescimento econômico, observou-se maior aceitabilidade da mão de obra negra em diversos setores. No entanto, percebe-se que os negros ainda se situam nas áreas menos desenvolvidas, atuando em atividades informais, ou ainda, ocupando cargos subalternizados e percebendo remunerações substancialmente mais baixas que a média da população branca7 (SILVA, 2013).

Passados 130 anos da abolição da escravatura, permanecem as violações de dignidade e a invisibilidade social a que os negros sempre estiveram submetidos, em especial nas relações laborais, tendo em vista a submissão a trabalhos indignos e a exclusão dos cargos de chefia, que somente podem ser exercidos por pessoas dotadas de capacidade (HELD; BOTELHO, 2016).

Pode-se citar como exemplo da discriminação contra a população negra, a condenação imposta ao Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, pela violação à Convenção Americana sobre Direitos Humanos e à Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, tendo em vista que o Estado não garantiu o pleno exercício do direito à justiça e ao devido processo legal, em razão da discriminação racial sofrida pela trabalhadora Simone André Diniz, ao ser descartada de uma oportunidade de emprego tendo em vista a cor da sua pele8 (OEA, 2006).

7 De acordo com o relatório do PNAD-C (IBGE, 2017), relativo a 2017, o rendimento médio mensal dos trabalhadores declarados brancos foi de R$ 2.814,00, ao passo que os rendimentos das pessoas pardas e pretas foram estimados em R$ 1.606,00 e R$ 1.570,00, respectivamente. Ou seja, os brancos perceberam rendimentos 29,2% acima da média nacional (R$ 2.178), enquanto os pardos e pretos rendimentos inferiores à média (26,3% e 27,9%).

8 De acordo com o relatório nº 66/06 (OEA, 2006) a vítima Simone André Diniz ao se candidatar a uma vaga de emprego anunciada nos Classificados do jornal Folha de São Paulo, pela senhora Gisele Mota da Silva (“doméstica. Lar. P/ morar no empr. C/ exp. Toda rotina, cuidar de crianças, c/docum. E ref.; Pref. Branca, s/filhos, solteira, maior de 21a. Gisele”), foi considerada inapta à contratação, tendo em vista a cor da sua pele. Diante do ocorrido denunciou a discriminação racial à Subcomissão do Negro da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo, e prestou notitia criminis, na Delegacia de Crimes Raciais. O inquérito foi arquivado, pois o Ministério Público não constatou a prática de racismo tendo em vista que a senhora Gisele não realizou a contratação, pois havia tido experiência negativa com empregada negra. Ainda, restou mencionado no referido documento que no Brasil os negros se encontram em situação de vulnerabilidade como sujeitos

110

Mônia Clarissa Hennig Leal, André Viana Custódio (Org.)

FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS VOLUME 1

Note-se, portanto, que a prática de coisificar “o outro” (colonizado, escravo), permanece viva na sociedade atual, considerada democrática, ainda que muitas vezes de forma velada.

3 A PROTEÇÃO DO NEGRO EM FACE DA DISCRIMINAÇÃO NO SISTEMA DE

Outline

Documentos relacionados