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4 HÁ DE FATO UMA INTERVENÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS POR PARTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL? ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E DEMOCRACIA

4 HÁ DE FATO UMA INTERVENÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS POR PARTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL? ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

No tocante à intervenção judicial e às decisões que decorrem de um, em tese, controle jurisdicional de políticas públicas - exercido, no país, pelo Supremo Tribunal Federal - cabe analisar, pelo teor dessas decisões, se há, de fato, tal intervenção em políticas públicas ou se há apenas um discurso que legitima essa atuação, sem que ao final, se tenha uma interferência em decisões que competem ao gestor público. Há, assim, um controle jurisdicional de políticas públicas no Brasil? Ou existe, por outro lado, determinações de concretização individual de direitos fundamentais sociais?

A fim de responder tais questões, serão analisadas as decisões nos agravos regimentais: Segundo Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada 674 Ceará referente ao direito à saúde; Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n°

1.076.316- Minas Gerais, sobre acesso dos portadores de necessidades especiais à escola pública; Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n° 1.049.831- Pernambuco que se refere ao fornecimento de alimento especial à criança portadora de alergia alimentar e Agravo Regimental No Recurso Extraordinário N° 903.241 – Distrito Federal que fala sobre área de proteção ambiental, bem como efetivação de norma criadora de parque ecológico.

O que se verifica é que em relação ao controle jurisdicional de política pública não há a efetiva aplicação, uma vez que o que se percebe é a efetivação de direitos individuais para a concretização dos direitos individuais, senão vejamos. Na análise do segundo agravo regimental na suspensão de tutela antecipada 674 do Ceará5 depreende-se que restou claro o entendimento do STF no tocante à possibilidade de intervenção do Tribunal em casos excepcionais, podendo o Poder Judiciário determinar a implementação de políticas públicas sem que isso configure ofensa ao princípio da separação dos Poderes (BRASIL, STF, 2018).

5 EMENTA: SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA.

DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO. SEPARAÇÃO DOS PODERES. INTERVENÇÃO JUDICIAL PARA CONCRETIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. PRECEDENTES. AMEAÇA DE GRAVE LESÃO À ECONOMIA PÚBLICA NÃO DEMONSTRADA. RISCO DE AGRAVAMENTO DO QUADRO MÉDICO DOS PACIENTES. DANO INVERSO. AUSÊNCIA DE ARGUMENTOS OU FATOS NOVOS CAPAZES DE INFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

Maria Valentina de Moraes, Flávia Thais Stein

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CONCRETIZAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS...

Em seu voto a Ministra Carmem Lúcia explicou que o risco ao direito fundamental em questão do agravante era considerável se continuasse com elevado tempo de espera na unidade de saúde, nesse sentido a intervenção judicial é necessária para assegurar a eficácia do direito fundamental.

Existe a possibilidade de dano inverso caracterizado pelo agravamento da saúde mental dos indivíduos atendidos pela unidade de saúde em questão, pelo elevado tempo de espera para atendimento. (BRASIL, STF, 2018, p. 4).

No mesmo sentido, a decisão do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n° 1.076.316 de Minas Gerais6 confirmou o entendimento do Supremo Tribunal Federal ao deferir uma efetivação de um direito individual social, o Judiciário não está criando política pública, mas sim determinando seu cumprimento.

Outrossim, a decisão no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n° 1.049.831 de Pernambuco7 mais uma vez corrobora para a jurisprudência dominante no sentido de efetivar um direito fundamental social, em que determinou a responsabilização solidária dos entes públicos na prestação de alimentos especiais à criança com alergia alimentar, visto que não efetivou o controle jurisdicional da política pública de saúde mas, sim, efetivou uma necessidade individual (BRASIL, STF, 2017).

Nesse sentido, cabe destacar o reconhecimento de um caráter multifuncional que acompanha os direitos fundamentais, sendo estes dotados tanto de uma função defensiva, como de uma função prestacional (HACHEM, 2014). Tal função prestacional pode configurar-se tanto como uma prestação de ordem normativa - e mais relacionada com a atuação legislativa - ou de ordem fática - intimamente ligada com a atuação executiva no sentido de viabilizar o direito fundamental.

O reconhecimento desse caráter e da existência de dimensões subjetiva e objetiva nos direitos fundamentais de cunho notadamente social, permite que os mesmos sejam tutelados de forma individual, como se extrai de referidas decisões.

Como destaca Sarlet, a dimensão objetiva dos direitos fundamentais configura-se como uma mais-valia jurídica, reforçando sua tutela de forma subjetiva e atuando

6 EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO.

INTERPOSIÇÃO EM 09.04.2018. ACESSO DOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS À ESCOLA PÚBLICA. INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. JURISPRUDÊNCIA DE MÉRITO DOMINANTE.

7 EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. INTERPOSIÇÃO EM 29.8.2017. FORNECIMENTO DE ALIMENTO ESPECIAL À CRIANÇA PORTADORA DE ALERGIA ALIMENTAR. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA SOB A SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL. RE 855.178-RG.

NECESSIDADE DE FORNECIMENTO DO ALIMENTO PLEITEADO. INEXISTÊNCIA NA LISTA DO SUS. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 279 DO STF.

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FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS VOLUME 1

como um reforço à jusiticiabilidade desses direitos (SARLET, 2010). Não há como afirmar a identificação dos direitos fundamentais sociais - ou do caráter prestacional dos direitos fundamentais - apenas com uma vertente objetiva, o que significaria restringir em demasia sua efetividade. Não se sustenta nos dias de hoje, portanto, teorias que pretendam uma restrição das formas de tutela dos direitos fundamentais, como o afastamento de sua dimensão subjetiva (KLATT, 2015), a qual vem sendo amplamente reconhecida na concessão individualizada das decisões.

Por fim, também foi analisada a decisão proferida no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n° 903.241 do Distrito Federal, cuja ementa transcrevemos:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. INTERPOSIÇÃO EM 10.4.2017. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. EFETIVAÇÃO DE NORMA CRIADORA DE PARQUE ECOLÓGICO. CONSERVAÇÃO E FISCALIZAÇÃO. SEPARAÇÃO DE PODERES. INEXISTÊNCIA DE OFENSA (BRASIL, STF, 2017, p.1).

Em seu voto, o Ministro Edson Fachin, apontou o direito ambiental como direito social, determinando a implementação de políticas públicas nas questões referentes à preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado para a atual geração, bem como para as futuras gerações.

Assim, constata-se que as medidas determinadas pelas instâncias de origem, destinadas à efetiva conservação e fiscalização das áreas de proteção ambiental em exame, não configura violação do princípio da separação de poderes, porquanto não se cuida de ingerência ilegítima de um Poder na esfera de outro. (BRASIL, STF, 2017, p. 2).

Em se tratando de uma ação civil pública o Supremo Tribunal Federal definiu que as medidas determinadas pelas instâncias de origem, destinadas à efetiva conservação e fiscalização das áreas de proteção ambiental, não configuram violação do princípio da separação de poderes, uma vez que não se trata de ingerência ilegítima de um Poder na esfera de outro (BRASIL, STF, 2018).

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal confirmou mais uma vez o entendimento majoritário de efetivação de direitos fundamentais, sem jurisdicionar políticas públicas de efetivação coletiva de direitos fundamentais. Há por outro lado, uma argumentação que não se preocupa em realizar uma distinção desses conceitos e que transmite a ideia de que existe uma intervenção, por parte do órgão, em matéria de políticas públicas, quando, de fato, há a concretização de direitos de forma individual.

Maria Valentina de Moraes, Flávia Thais Stein

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5 CONCLUSÃO

Nesse ínterim, a fim de responder à problemática trazida a este trabalho, qual seja, se há um controle jurisdicional de políticas públicas no Brasil? Ou existe, por outro lado, determinações de concretização individual de direitos fundamentais sociais? Pode-se inferir a partir dos dados analisados, bem como a partir da análise jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal apenas efetiva direitos individuais sociais não intervindo na criação de políticas públicas para efetivação coletiva dos direitos fundamentais dispostos na Constituição Federal.

A implementação de políticas públicas por parte do Supremo Tribunal Federal configura-se muito mais como um discurso do que como uma prática, não intervindo o órgão, de fato, nessa seara. Ainda, no que diz respeito aos custos e à necessidade de previsão orçamentária, pode-se perceber que os mesmos devem ser analisados na perspectiva da concretização individualizada de direitos fundamentais sociais, vez que não há a determinação de criação ou mesmo de efetivação de uma política pública.

Assim sendo, o que existe é a confirmação jurisprudencial da possibilidade de intervenção do Tribunal Superior Federal em casos excepcionais, podendo o Poder Judiciário determinar a implementação de políticas públicas sem que isso configure ofensa ao princípio da separação dos Poderes. Contudo, a análise jurisprudencial do órgão revela que não se efetiva um controle jurisdicional de políticas públicas, mas sim uma necessidade individual por meio de uma prestação isolada.

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FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DAS POLÍTICAS PÚBLICAS VOLUME 1

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