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IMAGEM, SILÊNCIO E DESAPARIÇÃO

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Um dos principais objetivos desta pesquisa foi o aprofundamento da noção de recepção crítica (não indiferente) dos processos de (re)construções narrativas que perpassam as poéticas de arquivo da/na contemporaneidade, indispensável à interpretação das obras que competem ao corpus desta dissertação, já que a práxis de Rosângela Rennó se inscreve em tais poéticas.

No âmbito destas poéticas, minha ação analítica e discursiva dá forma a algumas possibilidades do arquivo como potência tão discutido por Jacques Derrida, formas escriturais (mas de princípio imagético) que intentam outros saberes sobre a produção poética de Rennó da década de 90, visando ir além das abordagens amplamente e repetitivamente dadas a conhecer, pela crítica especializada, acerca de alguns trabalhos da artista situados neste período — em particular acerca das obras selecionadas para análise.

Apreendi tal recepção crítica como inscrição do sujeito-espectador em um campo cultural em que duas forças antagônicas estão em constante movimento: a) uma delas é representada pelos artistas, ancorados em uma tradição das imagens; b) a outra é representada pela instituição de arte que os legitima (e vice- versa), instituição que, no mundo contemporâneo, é também alçada pela ideologia dominante e mecanismos de mercado. Então, o sujeito-espectador (não indiferente) se situa — e não apenas é situado — entre ambas a fim de criar um espaço democrático de julgamentos estéticos.

Neste campo de duas posições antagônicas e do qual participa uma terceira — no caso, força contestadora de ambas — alicerçada em tomadas de posição subjetivas, em que o espectador universal ou potencial se torna sujeito per si, quando interpelado pela obra, tem-se a esfera pública em latência no interior de um aparelho ideológico — como o é a instituição de arte e à qual se volta algumas das instalações de Rennó, quando a artista simula e recria alegórica e parcialmente outros aparelhos com semelhante funcionamento, tal qual o fotográfico e o psíquico.

Trata-se de uma esfera latente que somente aparece quando a liberdade pode se fazer presente, pois o sujeito-espectador imerso neste sistema, pela própria iniciativa crítica (mental, mas principalmente sensível) pode também sair

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de sua inércia programada no mundo midiático e se lançar a uma recepção experimental e de trocas de valores no âmbito coletivo, com caráter mais ético e humanizante. A recepção das imagens, aí, é carregada de intelecção, mas principalmente de sensibilidade, em que o respeito ao Outro deve ser a potência almejada.

Saliente-se, com tudo isso, que as experiências e análises advindas da necessária individualidade do sujeito — quando da contemplação dos processos de funcionamento de um determinado enunciado artístico, e seus contextos imediato e amplo —, para que sejam eficazes e tragam à tona a experiência de liberdade, precisam ser desprivatizadas e coletivizadas, visando despertar também em outros sujeitos receptores a criticidade necessária para a concretização da liberdade (e nisto consiste, a meu ver, a essência da arte). Só então podemos compreender a sentença de Paul Virilio (1988, p.39) quando diz que ―o mundo é uma ilusão, e a arte consiste em apresentar a ilusão do mundo.‖

As contradições das relações de forças no interior do ―cubo branco‖ ou da ―câmara escura‖ — apenas para citar os dois espaços mais genéricos, geralmente interconectados nas obras selecionadas como parte do objeto de pesquisa —, não cessam e nem devem chegar a este ponto nefasto, pois se assim o fosse também essa capacidade, ou melhor dizendo, essa vontade do sujeito — como nos é possível inferir pelas explanações de Paul Virilio acerca da liberdade —, desapareceria com o cessar destes dois movimentos de poder, espaciais, temporais e antagônicos.

Os constrangimentos institucionais — aqueles provenientes das relações de troca que instituem o mercado, ou seja, que partem da indústria cultural, do ambiente social de técnicas deterministas aplicadas a este campo de produção cultural —, exercidos sobre o fazer artístico de um sujeito propositor (autor da obra) e sobre a (re)construção imaginária deste fazer pelo Outro (espectador que se torna co-autor da obra), são resultantes das demandas do próprio âmbito cultural, no qual o fazer/ação criativo(a) está inscrito(a), logo, é deste âmbito que tal fazer deve questionar os referidos constrangimentos.

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Observando registros destas instalações de Rennó, refiro-me à Imemorial e as séries In Oblivionem, fui tocada pela esmaecimento visual das fotografias que as compunham, pois encarnavam uma exigência ao espectador: olhar crítico direcionado às imagens que abundantemente povoam nosso cotidiano (tão invisíveis quanto mais superexpostas), enquanto demanda à dissipação da indiferença com relação ao Outro.

A surpresa também foi grande quando me deparei com Hipocampo e a representação alegórica do aparelho fotográfico. Com esta instalação mais uma instância do que se entende por virtual se fez presente: trata-se da condição de existência das imagens técnicas na atualidade, decorrente do rápido desenvolvimento tecnológico, da facilidade de acesso aos dispositivos técnicos produtores de imagens e de sua portabilidade e capacidade de armazenamento de dados digitais.

Daí partir à conclusão de que a velocidade que impera na produção e recepção de imagens vem provocando um processo de condicionamento do ato fotográfico e da percepção contemporânea das imagens técnicas voltados para um princípio de economia do arquivo fundamentado no esquecimento. Por isso, podemos notar na produção de Rennó uma ênfase no processo criativo, na recepção e significação da fotografia, mais do que em seu teor documental ou suposta veracidade ou aplicabilidade na mass media, bem como a necessidade de revisitar elementos do universo fotográfico compreendidos, pela grande maioria, como obsoletos.

A artista se posiciona, em suas propostas, de modo que os elementos inatuais dos quais de apropria nos incitem a questionar essa obsolescência, os discursos que permeiam a produção tecnológica das aparências e como eles se instauram.

Acumular imensos arquivos e informações, principalmente digitais, é a regra no momento atual, o acesso a tais arquivos é amplamente moderado, inclusive, pela disponibilidade ou não de acesso à internet, portanto os bancos de dados que estão em poder de grandes corporações podem ser restringidos de acordo com lógicas de mercado e interesses privados, que nem sempre visam às

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necessidades e interesses dos sujeitos que o utilizam. A lei do mínimo esforço seletivo também parece prevalecer sobre os sujeitos, pois a facilidade de acumular informações em dispositivos cada vez mais portáteis e com grande capacidade de armazenamento interfere na discriminação dos elementos disponíveis. De modo que à obsolescência e produção das aparências supracitadas também corresponde uma maior obediência à circulação de discursos (veiculados por imagens e outras informações) sem questioná-los.

Logo, a referida noção de inatualidade que perpassa as propostas artísticas de Rennó carrega o sentimento do original — original aqui compreendido não como algo inédito, mas enquanto busca da origem (mesmo que ela nos escape) dos processos criativos e do despertar de sensações e pensamentos legítimos do sujeito — em descompasso com o ritmo temporal da produção (ou reprodução) de conhecimento vigente, provocando um reencantamento no modo de recepcionarmos o mundo.

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Fig. 1 – Rosângela Rennó, In Oblivionem (No landScape), 1995. Estruturas de ferro e madeira com

negativos fotográficos de vidro e sete textos esculpidos em isopor extrudado, dimensões variáveis. Instalação na De Appel Foundation, Amsterdam. Foto: cortesia da artista; Rosângela Rennó (livro).

Fig. 2 – Rosângela Rennó, In Oblivionem (No landScape), 1995. Estruturas de ferro e madeira com

negativos fotográficos de vidro e sete textos esculpidos em isopor extrudado, dimensões variáveis. Instalação na De Appel Foundation, Amsterdam. Foto: cortesia da artista; Rosângela Rennó (livro).

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Fig. 3 – Rosângela Rennó, In Oblivionem (No landScape), 1995. Detalhe da instalação na De

Appel Foundation, Amsterdam. Foto: cortesia da artista; catálogo da exposição (ISBN: 9073501253).

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Fig. 4 – Rosângela Rennó, Experiência de cinema, 2004/2005. Projeção fotográfica sobre cortina

de fumaça intermitente, 4 DVD-Rs com 31 fotos (cada) – temas: Crime; Guerra; Família; Amor. Detalhe da instalação. Foto: SESC VideoBrasil (http://www2.sescsp.org.br/sesc/videobrasil).

Fig. 5 – Rosângela Rennó, Experiência de cinema, 2004/2005. Projeção fotográfica sobre cortina

de fumaça intermitente, 4 DVD-Rs com 31 fotos (cada) – temas: Crime; Guerra; Família; Amor. Vista da instalação no Teatro Dulcina, Rio de Janeiro, 2005. Foto: SESC VideoBrasil (http://www2.sescsp.org.br/sesc/videobrasil).

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Fig. 6 – Rosângela Rennó, Hipocampo, 1995. Dezesseis textos pintados com tinta fosforecente

sobre paredes e colunas, lâmpadas halógenas e temporizador, dimensões variáveis. Instalação na Galeria Camargo Vilaça, SP (Detalhe – vista na luz). Coleções Gilberto Chateaubriand/MAM-RJ, José Antônio Marton – SP e da artista. Foto: cortesia da artista; [O arquivo universal e outros arquivos] (livro).

Fig. 7 – Rosângela Rennó, Hipocampo, 1995. Dezesseis textos pintados com tinta fosforecente

sobre paredes e colunas, lâmpadas halógenas e temporizador, dimensões variáveis. Instalação na Galeria Camargo Vilaça, SP (Detalhe – vista no escuro). Coleções Gilberto Chateaubriand/MAM- RJ, José Antônio Marton – SP e da artista. Foto: cortesia da artista; [O arquivo universal e outros arquivos] (livro).

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Fig. 8 – Rosângela Rennó, Hipocampo, 1995. Detalhe da instalação (vista no escuro) na Galeria

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Fig. 9 – Rosângela Rennó; Odires Mlászho, A Última Foto (Nikon F2), 2007. Fotografia em cor e

câmera fotográfica Nikon F2 emolduradas (díptico). Dimensões: Foto - 57,7 x 41,9 x 15,8 cm / Câmera - 20 x 18,4 x 15,8 cm. Fonte: site da artista (www.rosangelarenno.com.br).

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Fig. 10 – Rosângela Rennó; Eduardo Brandão, A Última Foto (Holga 120 S), 2007. Fotografia em

cor e câmera fotográfica Holga 120 S emolduradas (díptico). Dimensões: Foto - 78 x 78 x 9,5 cm / Câmera - 14,8 x 21,9 x 10 cm. Fonte: site da artista (www.rosangelarenno.com.br).

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Fig. 11 – Rosângela Rennó, Cicatriz, 1996. Dezoito fotografias em papel resinado, laminadas, e

doze textos do Arquivo Universal esculpidos em gesso acartonado; dimensões variáveis. Detalhe da instalação no Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles, California. Fonte: [O arquivo universal e outros arquivos] (livro).

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Fig. 12 – Rosângela Rennó, Imemorial, 1994. Quarenta retratos em película ortocromática pintada

e dez retratos em C-Print sobre bandejas de ferro e parafusos, 60x40x20 cm (cada fotografia) e letras de metal pintado sobre paredes. Instalação na Galeria Athos Bulcão, Brasília. Coleção Marcos Vinícius Vilaça (Brasília/Recife). Foto: cortesia da artista; [O arquivo universal e outros arquivos] (livro).

Fig. 13 - Rosângela Rennó, Imemorial, 1995. Instalação no Edifício Gustavo Capanema, Rio de

Janeiro. Coleção Marcos Vinícius Vilaça (Brasília/Recife). Fonte: Itaú Cultural website (http://www.itaucultural.org.br).

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Figs. 15 e 16 (respectivamente) – Rosângela Rennó, Cicatriz, 1996-2003. Série de fotografias

realizadas a partir de reproduções de negativos fotográficos do Museu Penitenciário Paulista, textos do Arquivo Universal sobre fotografias de pele realizadas pela artista. Duas páginas lado-a- lado do livro-catálogo. Fonte: [O arquivo universal e outros arquivos] (livro).

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Fig. 17 – Rosângela Rennó, Cicatriz, 1996-2003. Fonte: [O arquivo universal e outros arquivos]

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Fig. 18 – (1994-95), Rosângela Rennó, Imemorial (Detalhe - N. 3497 – Profissão: Braçal. Falecido

aos 25 anos). Fonte: www.rosangelarenno.com.br (website da artista); Revendo Brasília (catálogo da exposição).

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Fig. 19 – (1994-95), Rosângela Rennó, Imemorial (Detalhe - N. 19781 – Profissão: Servente.

Contratado aos 12 anos). Fonte: www.rosangelarenno.com.br (website da artista); Revendo Brasília (catálogo da exposição).

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Fig. 20 – Lúcio Costa, Esboços do Plano Piloto de Brasília (esboço no. 1 apresenta o ―sinal da

cruz‖). Arquivo Público do Distrito Federal, Brasília. Fonte: Revendo Brasília (catálogo da exposição).

Fig. 21 – (1957), Mário Fontenelle, fotografia do cruzamento do Eixo Monumental e do Eixo

Rodoviário. Acervo Mário Moreira Fontenelle/Museu Vivo da Memória Candanga, Brasília. Fonte: Minha mala, meu destino (livro).

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Fig. 23 - Rosângela Rennó, In Oblivionem (Álbum de família), 1994. Treze fotografias em película

ortocromática, molduras em madeira pintada e dezessete textos do Arquivo Universal esculpidos em isopor extrudado. Dimensões variáveis. Detalhe da instalação na 22ª Bienal Internacional de São Paulo. Foto: cortesia da artista.

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Fig. 24 - Rosângela Rennó, In Oblivionem (Mulheres), 1994. Quatro fotografias em película

ortocromática e quatro textos do Arquivo Universal esculpidos em isopor extrudado. Dimensões variáveis. Instalação na exposição Cocido y Crudo (1994-1995), Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, Madri, Espanha. Foto: cortesia da artista.

Fig. 25 - Detalhe da instalação In Oblivionem (Mulheres) na exposição Cocido y Crudo (1994-

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Fig. 26 - Detalhes da instalação In Oblivionem (Mulheres) na exposição Cocido y Crudo (1994-

1995), Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, Madri, Espanha. Descrição: Imagem de página do catálogo da exposição.

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Fig. 27 - Uma das fotogafias que compõem a instalação In Oblivionem (Mulheres) na exposição Cocido y Crudo (1994), Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, Madri, Espanha. Descrição: Imagem de página do catálogo da exposição.

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