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em Ivana Arruda Leite Rodolfo Moraes Farias

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após tais apontamentos acerca do romance Alameda Santos, de Ivana Arruda Leite, e das novas literaturas (pós-autônomas) em geral, a sensação que fica é de renovação. O muito que se escreve no Brasil, hoje, é um verdadeiro alento para nós, estudiosos das Letras, e para o país em geral, pois a leitura ainda é medida de cultura e civilização – e oxalá que nunca deixe de ser. O que resta, e esse espaço de discussão serve justamente para isso, é o desejo de ver concretizada uma utopia literária em que todos tenham espaço, um terreno seguro em que toda voz tenha vez, e a literatura seja menos regida por disputas políticas (DALCASTAGNÉ, 2012, p.191). É lamentável constatar que, por purismo ou preconceito, alguns teóricos e críticos insistam em descartar (ou diminuir e desvalorizar) esses fenômenos que sequer compreende- mos de todo, posto que ainda estão em processo de desenvolvimento. Diante de tal quadro, é no mínimo interessante a nomenclatura utili- zada por Josefina Ludmer (2010) em seu artigo: ao assinalar a existência dessas literaturas “pós-autônomas”, ou seja, posteriores ao modernismo

kantiano (LUDMER, 2010, p.3), ela postula “o fim das lutas pelo poder no interior da literatura”, pois as disputas de formas, identidades, classi- ficações, divisões, guerras etc., só fazem sentido dentro de um sistema autônomo que basta a si mesmo (Ibid., p.4). Seja como for, lemos nessa assertiva uma possibilidade de descanonização da nossa literatura, de modo que a (justa) consagração de obras-primas e grandes autores se dê sem prejuízo da correta avaliação e valoração dos demais, num espaço de democratização ainda um tanto distante, porém possível.

É nesse contexto que a literatura dita (pós-)moderna, “interpelada pelos novos fluxos culturais” (RESENDE, 2008, p.63), revela as minú- cias e idiossincrasias dos espaços urbanos que nos cercam, e tenta nos dizer sobre quem somos e sobre a época em que vivemos, tão agitada que mal conseguimos parar a tempo de vivenciá-la plenamente. E tal- vez a literatura, último reduto da contemplação, seja nossa salvação diante desse inevitável caos que tanto tenta nos desumanizar. A tal respeito, vale mencionar o texto machadiano Notícia da atual literatura brasileira: instinto de nacionalidade, no qual nosso celebrado romancista faz um balanço da cena literária da sua época e, mesmo defendendo com paixão e afinco a erudição e a lapidação das palavras e frases, deixa escapar, num momento de sublime percepção, a defesa de uma crítica literária pautada pela aceitação do novo combinada com a pre- servação do clássico:

Cada tempo tem o seu estilo. Mas estudar-lhes as formas mais apuradas da linguagem, desentran- har deles mil riquezas, que, à força de velhas se fazem novas, — não me parece que se deva despre- zar. Nem tudo tinham os antigos, nem tudo têm os modernos; com os haveres de uns e outros é que se enriquece o pecúlio comum (ASSIS, 1992, p.809).

Talvez Machado de Assis não concordasse com o que postulamos aqui, e até mesmo se opusesse ao uso de suas palavras como bandeira para a nossa causa, mas cremos que, num mundo de constante rein- venção e trocas, nada mais justo do que, metalinguisticamente, usar

a opinião do grande mestre para fazer exatamente o que ele apregoa: desentranhar do velho o que ele tem de melhor e jogar-lhe luz diante do novo, de modo a cultuar valores múltiplos e intercambiantes. Enriquecemos todos. Que assim seja.

REFERÊNCIAS

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SOARES, Angélica. Gêneros literários. 7.ed. São Paulo: Ática, 2007. SOUZA, Eneida Maria de. Janelas indiscretas: ensaios de crítica bio- gráfica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.

ROMANCE EM [DES]FOCO NO MANUAL DO