• Nenhum resultado encontrado

Considerações finais

No documento Liberalismo e Antiliberalismo (páginas 84-88)

LIBERALISMO E ANTILIBERALISMO EM KARL JASPERS

6. Considerações finais

As meditações de Karl Jaspers indicam que embora nem histórica nem naturalmente o homem tenda para a liberdade, as possibilidades que ele tem de construir um sentido para a vida mantendo-a na autenticidade, dependem da liberdade pessoal e essa demanda uma sociedade politicamente livre. Na raiz do esforço para a edificação de um sentido para a vida está o trabalho intelectual e filosófico que pedem a abertura do espírito para a verdade. A vida autêntica que depende da orientação racional exige vencer os estratos mais profundos da intimidade humana. É lá onde brotam a agressividade e a disposição para guer- rear. Assim, a criação de uma sociedade livre e em paz se sustenta no esforço pessoal de cada homem para vencer primeiro em seu íntimo as forças que levam à Guerra. Cada homem precisa vencer em si as forças do mal e da corrupção que são inimigas da liberdade.

Ações livres dependem do uso da racionalidade ensinou Kant, mas uma falsa valorização da racionalidade leva a ações contrárias a liberdade. Esses des- vios foram examinados no capítulo VIII da Iniciação Filosófica e resumidos em Peligros y albures de la liberdad. Eles podem ser apresentados em três tópicos sintetizados e relacionados entre si que correspondem a um desvirtuamento da razão: 1. A crença na posse da verdade absoluta promove à supressão da liber- dade; 2. O endeusamento do homem leva à perda da liberdade política; e 3. A perda da confiança na capacidade humana de construir uma orientação para a vida conduz à obediência cega e à tirania. A razão que preside a vida e alimenta a liberdade é uma razão crítica, consciente de seus limites e possibilidades. Esta forma de pensar vincula Jaspers à tradição kantiana.

O pensamento político de Karl Jaspers não é tão estudado e conhecido como outros aspectos de sua meditação, mas ele é importante. Foram suas análises da conjuntura histórica e política dos tempos do nazismo muito debatidas pela sociedade alemã do pós-guerra. Observa Runes (1962): “Depois da rendição sem condições da Alemanha, Karl Jaspers destaca-se como o filósofo mais respeitado

de seu país, senão o mais influente” (p. 303)7. Suas ideias se apresentaram como

referência de dignidade e base para a construção de uma sociedade livre. O filósofo é referência na luta pela preservação da liberdade e hoje suas medi- tações readquirem força. Num mundo com mudanças tão profundas nos valores suas lições sobre a dignidade e direitos do homem, sobre o valor da democracia liberal constituem orientação segura que não se pode perder. A irracionalidade dos fundamentalismos, o desrespeito aos direitos humanos, a corrupção na política, os riscos para a sociedade liberal presente nos momentos de crise são problemas atuais que o filósofo examinou. Ele apresenta justificações sólidas para vencer os inimigos da liberdade e preservá-la.

O que ainda resta a dizer das ideias políticas do filósofo? Que ele estabeleceu um vínculo entre liberdade íntima e política, entre a construção da sociedade liberal e o compromisso com a verdade que alimenta a Filosofia, entre o estabelecimento de uma sociedade interna- cional pacífica e o comportamento moral das pessoas que parecem ser lições ainda válidas mesmo hoje tantos anos depois de sua morte. Como está escrito em Filosofia e Psicologia, o

pensamento fenomenológico existencial de Karl Jaspers (2006): “Há muitos modos de pensar,

mas o que realmente importa é o que se concentra na verdade, alimentando a liberdade. Apenas ele propicia a paz duradoura entre os povos” (p. 156).

Bibliografia

AGUIAR, Odílio Alves. Filosofia, Política e Ética em Hannah Arendt. Ijuí: Unijuí, 2009. CARVALHO, José Mauricio de. Jaspers, Ciência e Filosofia. Anais de Filosofia. São João del-Rei:

UFSJ, 6: 73-88, jul. 1999.

––––, Filosofia e Psicologia, o pensamento fenomenológico-existencial de Karl Jaspers. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2006.

––––, O Homem e a Filosofia; pequenas meditações sobre Existência e Cultura. 2. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007.

7 Dagobert Runes (1962) explica que o prestígio de Karl Jaspers vinha desde a República de Weimar, mas que cresceu

muito ao final da Segunda Grande Guerra. Destaca suas fortes críticas à sociedade nazista antiliberal e destaca seu casamento “com uma mulher judia” (p. 303). No entanto, observa com precisão que as críticas ao nazismo não

significavam proposta de retorno à organização política da Alemanha pré-hitlerista.Do que o historiador comenta

se confirma a impressão que orienta este trabalho de que o filósofo propunha a construção de uma nova realidade política, liberal sim e solidária com outras nações do ocidente, mas fiel ao espírito filosófico dos alemães e ao espírito de um tempo que se preocupava com a criação de um sentido pessoal para vida como resposta para os desafios daqueles dias.

84 LIBERALISMO E ANTILIBERALISMO LIBERALISMO E ANTILIBERALISMO EM KARL JASPERS 85

––––, O espírito vivente, a universidade segundo Karl Jaspers. In: ARAUJO, José Carlos Souza.

A universidade iluminista, de Alfredo Withead a Bologna. v. II. Brasília: Liberlivro, 2011.

FRANKL, Victor. A questão do sentido em psicoterapia. Campinas: Papirus, 1990. GARAUDY, Roger. Perspectivas do Homem. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966. GUIMARÃES, Aquiles Cortes. Para uma teoria fenomenológica do direito. Fenomenologia e

Direito. Rio de Janeiro: Escola de Magistratura Regional Federal da 2a Região. 3 (1), abr./

set. 2010.

JASPERS, Karl. La culpabilité allemande. Paris: Minuit, 1948.

––––, Peligros y Albures de la Libertad. In: Balance y Perspectiva. Madrid: Revista do Ocidente, 1953.

––––, Sólon. Balance y Perspectiva. Madrid: Revista de Occidente, 1953. ––––, Sobre mi vida. Balance y Perspectiva. Madrid: Revista de Occidente, 1953.

––––, Mi camino a la Filosofía. Balance y Perspectiva. Madrid: Revista de Occidente, 1953. ––––, Hoffnung und Sorge. Munchen: Piper Verlag, 1965.

––––, Razão e contra-razão no nosso tempo. Lisboa: Minotauro, s.d. ––––, Psicologia de las concepciones del mundo. Madrid: Gredos, 1967. ––––, Iniciação Filosófica. Lisboa: Guimarães, 1987.

––––, Introdução ao pensamento filosófico. 9 ed., São Paulo: Cultrix, 1993. ––––, Os mestres da humanidade. Coimbra: Almedina, 2003.

RUNES, Dagobert D. Histoire illustrée de la Philosophie. Géneve: Nagel, 1962. SCIACCA, Michele Federico. História da Filosofia. v. III. São Paulo: Mestre Jou, 1968.

II – ANTILIBERALISMO E ESTADO

No documento Liberalismo e Antiliberalismo (páginas 84-88)