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A questão da objetividade científica

No documento Liberalismo e Antiliberalismo (páginas 120-122)

OLIVEIRA VIANNA: TIPOLOGIA SOCIOLÓGICA E MORFOLOGIA

1) A questão da objetividade científica

No prefácio à quarta edição da obra Evolução do povo brasileiro, (cuja primeira edição foi de 1937), Oliveira Vianna reage contra a forma unilinear de enten- der a evolução das sociedades, como se houvesse leis gerais que a comandassem. Acolhendo os conceitos de Gabriel Tarde, o nosso autor considera que existem múltiplas tendências na evolução das sociedades, e que é impossível reduzi-las a um único esquema. Existe, hoje, à luz das ciências sociais, o heterogêneo social de que fala Gabriel Tarde, contraposto ao homogêneo social de Spencer [cf. Vianna, 1956: 26-27].

No estudo das sociedades podemos encontrar, segundo Oliveira Vianna, multiplicidade de linhas de evolução e de fatores que intervêm nessas linhas. Para essa multiplicidade de tipos – frisa o nosso autor – , “(...) para essa variedade de linhas de evolução, para este heterogenismo inicial contribui um formidável complexo de fatores de toda ordem, vindos da Terra, vindos do Homem, vindos da Sociedade, vindos da História: fatores étnicos, fatores econômicos, fatores geográficos, fatores históricos, fatores climáticos, que a ciência cada vez mais apura e discrimina, isola e classifica. Estes predominam mais na evolução de tal agregado; aqueles, mais na evolução de outro, mas, qualquer grupo humano é sempre conseqüência da colaboração de todos eles; nenhum há que não seja a resultante da ação de infinitos fatores, vindos, a um tempo, da Terra, do Homem, da sociedade e da História. Todas as teorias, que faziam depender a evolução das sociedades da ação de uma causa única, são hoje teorias abandonadas e peremptas: não há atualmente monocausalismos em ciências sociais”.

Entre todos esses fatores e sem pretender ensejar uma explicação monocausa- lista, Oliveira Vianna considera de alta importância o elemento por ele chamado de ambiente cósmico, ligado basicamente às condições do solo. Acha que em seu

tempo prevaleciam em ciências sociais os trabalhos monográficos, que tentam identificar os elementos específicos que intervêm em determinado meio cósmico. Esses trabalhos devem ter como ponto de partida uma única preocupação: conhecermo-nos a nós mesmos, deixando de lado as tentativas de acomodar a nossa realidade a modelos preexistentes. A respeito, Oliveira Vianna é taxativo em Evolução do povo brasileiro:“Desde o momento em que a ciência confessava a sua ilusão e reconhecia que as leis gerais, a que havia chegado, não correspondiam à realidade das formas infinitas da vida, compreendi que a melhor coisa a fazer não era insistir por encerrar a nossa evolução nacional dentro dessas fórmulas vãs ou querer subordinar nosso ritmo evolutivo a um suposto ritmo geral da evolução humana – ao evolucionismo spenceriano, como fez Sílvio Romero, à teoria filogenética de Haeckel como fez Fausto Cardoso, ou à lei dos três esta- dos de Comte, como têm feito os positivistas sistemáticos. Pareceu-me trabalho inútil esforçar-me por descobrir nos acontecimentos da nossa história a revelação dessas leis gerais, de que a própria ciência acabava de instaurar o processo de falência. O mais sábio caminho seria tomar para ponto de partida o nosso povo e estudar-lhe a gênese e as leis da própria evolução. Se estas coincidissem com as supostas leis gerais, tanto melhor para a ciência e para nós; se não, ficaríamos, pelo menos, conhecendo-nos a nós mesmos – o que já seria alguma coisa, porque valeria o consolo de estarmos com a sabedoria dos antigos” [Vianna, 1956: 37].

Só assim, renunciando de início a qualquer esquematismo preestabelecido, é possível contribuir para a ciência social e para a materialização de uma política orgânica. Unicamente a história (e Oliveira Vianna segue aqui o pensamento de Ranke e de Mommsen) é capaz de nos ajudar a reconstruir as diversas fases evolutivas de um povo determinado, chegando assim a desvendar o seu modo de ser próprio. A preservação dos valores da Civilização do Ocidente no nosso meio dependeria desse trabalho de pesquisa histórica. Referindo-se aos nossos velhos historiadores, Oliveira Vianna salienta que lhes faltam dois elementos essenciais: o povo, que ele chama de massa humana e o meio cósmico.

Oliveira Vianna afirma que nesse trabalho de pesquisa sobre a nossa gente, inspira-se no mesmo espírito de objetividade e imparcialidade com que os téc- nicos agrícolas estudam, por exemplo, os problemas do café. A respeito escreve: “Estudando as nossas realidades históricas e sociais, o nosso povo, a sua estrutura, a sua psicologia, e a vida, a estrutura e a psicologia dos grupos regionais, que o compõem, faço-o com o mesmo espírito de objetividade e a mesma imparcialidade

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com que os técnicos do Serviço de Defesa Agrícola estão agora estudando a praga vermelha dos cafezais da Paraíba ou os sábios de Manguinhos estudaram, entre as populações do planalto e da costa, a função patogênica do necator americanus (...). O meu grande, o meu principal empenho é surpreender o Homem, criador da história, no seu meio social e no seu meio físico, movendo-se e vivendo neles, como o peixe no seu meio líquido” [Vianna, 1956: 50].

Essa preocupação com a objetividade científica, comprometida com a observação paciente de todos os detalhes do fenômeno social, tentando chegar a categorias que expressem aquela realidade, faz-se presente em todas as obras de Oliveira Vianna. Mesmo em pontos altamente discutidos e discutíveis – como na questão da superioridade organizacional da raça ariana – não podemos deixar de reconhecer um grande esforço de observação da realidade social. Ao expor, por exemplo, a progressiva arianização da população brasileira, o autor procura alicerçar todas as suas afirmações em dados estatísticos, hauridos dos recense- amentos oficiais [cf. Vianna, 1938: 127-165; 1956: 186-191]. E não deixa de reconhecer, com inegável sensibilidade de cientista, o caráter hipotético das suas afirmações, abertas sempre à discussão pela comunidade científica e ao confronto com a realidade [Cf. Vianna, 1956: 5-6].

No documento Liberalismo e Antiliberalismo (páginas 120-122)