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Diante da relação entre os apontamentos teóricos e a análise metodológica proposta, o presente estudo nos permite alguns apontamentos. O primeiro é de que a Revista Veja em suas capas analisadas atribui a imagem de Sérgio Moro dois personagens: a de herói e a de vilão. Ou seja, a própria revista que foi uma das responsáveis por construir a figura do “Moro Herói” por seu desempenho frente a maior

investigação contra a corrupção do país, após o vazamento dos diálogos da Vaza Jato desconstrói essa imagem e o descreve como um “Moro Vilão”. Deste modo diante de dois fatos distintos, mas que se correlacionam, a revista aponta duas imagens antagônicas de Sérgio Moro.

As duas últimas edições lançadas em que Moro é destaque busca na narrativa de herói construída nas edições ligadas ao seu desempenho da Lava-Jato, legitimar as suas declarações contra o governo Bolsonaro e os bastidores de Brasília. A revista abandona ou deixa de lado a imagem de vilão que ela apresentou de Moro ligadas aos vazamentos da Vaza-Jato. Essa postura da revista, evidencia um aspecto da mídia em noticiar fatos em busca de audiência e não segue, de certo modo, um padrão de narrativa construída ao longo de suas reportagens. O mais importante é a audiência do que uma fidelização a narrativa construída. Outro ponto importante para se destacar o caráter espetacular da relação simbiótica entre a mídia e a política, por meio da cobertura da Lava-Jato, tendo a corrupção como fio condutor dessa narrativa. Para prender a atenção do leitor, beirando o entretenimento, são usadas chamadas de capas com a palavra “exclusivo” ou ainda frases do tipo “Veja teve acesso à íntegra”, “cometeu irregularidades” enfatizando assim o caráter de novidade da notícia. Após o fechamento da parceria com o The Intercept Brasil, a Veja abandona a figura de “Moro Herói” construída nas capas anteriores, quando ainda era um juiz de 1ª instância que era o maior responsável pela luta contra a corrupção no país. A Lava-Jato que foi comparada a uma das maiores investigações da Itália pela revista é colocada em descrédito após a divulgação dos diálogos entre os procuradores e o magistrado.

Nas capas analisadas, a Veja utiliza recursos semióticos para, em um primeiro momento, construir Moro como um juiz respeitável que atua em prol de um bem comum a favor da população brasileira na busca dos envolvidos em corrupção. Já no segundo momento, os recursos semióticos utilizados constroem a figura de um juiz parcial. O uso de

hipérboles e frases de impacto como “Ele salvou o ano”; “Justiça com as próprias mãos”, “diálogos comprometedores” também são alguns exemplos.

A cultura da imprensa tradicional é a de fornecer o material com que muitas pessoas constroem sua percepção de mundo. Ao fazer uma cobertura jornalística, destacando ou omitindo interpretações sobre os fatos, por meio de seus enquadramentos e significados. Uma revista como a Veja acaba por construir uma visão hegemônica da realidade na social dos seus leitores, em muitos casos, impedindo o leitor de pensar e tirar suas próprias conclusões sobre o problema. No entanto, ao estudar e elucidar as produções midiáticas permite uma compreensão dos efeitos na sociedade. “As representações, portanto, transcodificam os discursos políticos e, por sua vez, mobilizam sentimentos, afeições, percepções e o assentimento a determinadas posições políticas” (KELLNER, 2001, p. 83).

Por fim, o presente estudo aponta que, a Veja colabora para que, não só os políticos, mas o Brasil todo viva um momento dividido entre amigos e inimigos, bem e mal. A construção de Moro como herói se justifica devido ao que os heróis representam e ela foi criada em um momento em que a credibilidade do país com suas instituições democráticas estão em declínio, mas coloca, no mesmo contexto, um juiz soberano que decide a aplicação seletiva de estados de exceção. Em um momento na história, a mesma imagem que foi enaltecida é exposta e são utilizados elementos que descredibiliza um personagem importante que foi criado com a ajuda da revista.

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NOTAS

¹ Esta visão de Kathleen Woodward conversa com a concepção dos três tipos de identidades abordadas por Stuart Hall: O sujeito do iluminismo, o sujeito sociológico e o sujeito pós-moderno. Os dois primeiros podem ser comparados como produtos do que autora apresenta como “processos históricos” e o terceiro é o produto do declínio destes processos. Ou seja, o sujeito pós-moderno vive em constante construção identitária.

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