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2.3 | MÍDIA, ESPETÁCULO E PERSONALISMO: ELEMENTOS DE UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL

Como já abordado, a mídia exerce um papel fundamental na sociedade. Já a partir dos anos 1970, desenvolveu-se a compreensão de o Jornalismo como agente ativo na construção da realidade (GAMSON; MODGLIANI, 1989; TRAQUINA, 2004; TUCHMAN, 1972).

A concepção construcionista do Jornalismo é tributária da sociologia do conhecimento e da compreensão de que a própria realidade é construída socialmente (BERGER; LUCKMANN, 2013). A mídia em geral e o jornalismo em específico são mais um agente a incidir sobre a construção da realidade, com considerável influência, na medida em que dispõe de credibilidade para legitimar certas perspectivas e atores, bem como para pautar os temas dignos de atenção. Dentro da Teoria Construcionista o material jornalístico é enxergado como composto por narrativas, o que não significa que as notícias sejam falsas ou percam sua validade, nem mesmo retira a importância da atividade jornalística (TUCHMAN, 1972). Defender que a realidade não pode ser simplesmente apreendida e repassada ao texto jornalístico não implica dizer que os fatos abordados estão dissociados da realidade. Por mais que os relatos jornalísticos não possam ser completamente objetivos, eliminando totalmente a subjetividade do autor do texto, eles precisam manter-se fiéis aos fatos em alguma medida (GOMES, 2009).

Quanto à dimensão espetacular assumida pela mídia, Schwartzemberg (1997) afirma que, se anteriormente a política antes eram focadas em ideias, hoje é centrada em personagens, pois cada dirigente parece escolher um emprego e desempenhar um papel. Para o autor, o espetáculo está no poder. Em decorrência de tal processo, a mídia e o poder estão atrelados de forma inexorável na sociedade moderna. O autor chega a propor modelos de personagens que surgem a partir da interface entre mídia e política. O autor defende que, os políticos assumem personagens buscando se aproximar cada vez mais do eleitor. É importante ressaltar que estes personagens não são escolhidos aleatoriamente, por meio dos próprios atributos do candidato e a situação política no qual estão inseridos são essenciais para a escolha do personagem certo e, este pode desempenhar vários papéis: o líder charmoso, o pai, o homem comum e o herói.

Sob esta perspectiva teatral, Goffman (2002), traz contribuições interessantes para entender a lógica espetacular que incide sobre a

mídia. Ao compreender a vida cotidiana como um palco em que se encenam papéis sociais diversos, de modo que o indivíduo não é o mesmo em todas as circunstâncias, o autor trata justamente da importância do caráter performático dos atores sociais. Grande parte do comportamento cotidiano é semelhante ao de atores no palco, sendo que os indivíduos e os grupos estão constantemente representando uns para os outros.

Para Goffman, o contato do sujeito com a realidade e com os demais sujeitos a seu redor se dá pela representação e pela utilização de papéis sociais. O ator social se prepara para suprir as expectativas dos outros, agindo de acordo com o que ele idealiza sobre si ou acredita que o outro idealiza sobre ele. O indivíduo, assim, também está vinculado ao conceito de aparência e representação, sendo que a representação é uma atividade que sempre ocorre diante da presença de outras pessoas. O conceito de representação se refere “a toda atividade de um indivíduo que se passa num período caracterizado por sua presença contínua diante de um grupo particular de observadores e que tem sobre eles alguma influência” (GOFFMAN, 2002, p.29).

O sujeito, durante o processo de interação social, assume um papel que varia de situação para situação. Desse modo, uma mesma pessoa representa papéis diferentes nas diversas situações e ambientes. Goffman (2002) discute que há três papéis decisivos numa representação: ator, plateia e “estranho”. O ator conhece a representação e a utiliza para interferir na sociedade; a plateia conhece a representação, mas não consegue destruir a representação; por fim, o “estranho” é aquele sujeito que não conhece a realidade, ou seja, esses estão do lado de fora da região de representação. Há, portanto, uma teatralização da vida pública.

Essa sociedade do espetáculo traz importantes considerações entre a relação o personalismo e o caráter espetacular da mídia. Para Debord (1997), o capitalismo é um dos grandes problemas da sociedade. A presença de imagens na sociedade é um problema no qual pode

induzir à passividade e à aceitação do capitalismo. O autor enxerga que a sociedade do espetáculo é o resultado do desenvolvimento dos meios de comunicação, como imprensa, rádio, televisão e cinema, sendo que nestes prevalece a indústria cultural, que se desenvolveu através desses meios e está voltada ao entretenimento, à informação e ao consumo de um amplo público.

A teatralidade e a representação tomaram totalmente a sociedade. Segundo o autor, “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens” (DEBORD, 1997, p. 14). Ao definir o espetáculo, fica evidente na sua concepção, que as relações entre as pessoas não são autênticas, elas são de aparência. Desse modo, o espetáculo é um meio de dominação da sociedade em que atua a favor do capitalismo e o consumo acaba sendo consequência.

Gomes (2004) afirma que, para estabelecer uma imagem política e também a sua continuidade, não depende apenas dos atores políticos e dos seus assessores. Estes trabalham para criar um contexto que favoreça a aceitação da mensagem emitida. Pode-se ver então a política numa lógica empresarial, com uma racionalização de produção para driblar as interferências dos agentes dos meios de comunicação e a recepção do público. Isso em muito tem a ver com outra tese defendida pelo autor, a política como teatro.

Ao apresentar tal argumento, o autor analisa os aspectos dramatúrgicos da política e seus focos de tensão. Primeiramente, há de se colocar que a política como algo encenado é favorecido pela forte tendência de se privilegiar a imagem dos personagens envolvidos, conforme apontado acima. Então, Gomes sustenta que para se construir determinadas imagens é preciso que os setores políticos se incorporem de determinados personagens e atores para encenar atos que consolida seu ethos.

A Lava-Jato se tornou um grande espetáculo para a sociedade. A mídia conseguia depoimentos dos envolvidos na investigação,

vazamento de áudios de depoimentos e também de provas utilizadas pelo Ministério Público Federal (MPF) no processo de investigação. Por muito tempo, pôde se acompanhar no meio jornalístico por meio dos telejornais e notícias impressas tanto em jornais bem como em revistas, os desdobramentos das operações que foram deflagradas pela Polícia Federal em conjunto com o MPF. O expectador a todo momento obtinha informações sobre o processo da Lava-Jato.

A publicização da Lava-Jato contribui de forma significativa para a construção de imagens envolvidas no processo. De um lado, o juiz responsável, os agentes da Polícia Federal e os promotores do Ministério Público começaram a ganhar notabilidade perante a sociedade. Alguns foram grande destaque como o japonês da federal, Newton Ishi. A figura da sua face foi utilizada como máscara em muitos protestos em apoio a grande investigação. O procurador Deltan Dellagnol com o famoso Power-point que explicava o envolvimento de Lula no caso do triplex em Guarujá-SP. E o personagem deste estudo, Sérgio Moro, que foi enaltecido em muitos momentos como um herói por julgar importantes nomes do cenário empresarial e político nacional.

2.4 | IDENTIDADES OU PAPÉIS SOCIAIS: UM OLHAR SOBRE