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Sanctus, Sanctus, Sanctus. Domine Deus Sabaoth

Pleni sunt coeli et terra gloria tua. Santo, Santo, Santo

Senhor dos Exércitos

Os céus e a terra estão cheios da sua glória.

(Isaías. 6:3)

A melodia de Sanctus, é uma das últimas partes cantadas na Missa de Alcaçus, iniciando com solo de violino e acompanhamento de violão e címbalos, numa melodia que se inicia singela, quase uma canção infantil, e que cresce aos poucos com a entrada do coro e da orquestra, e vai tomando corpo de uma grande conclamação entre os cantores, como no texto descrito no livro do profeta Isaías: “E clamavam uns para os outros, dizendo: Santo, Santo,

Santo é o Senhor dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória” (BÍBLIA ONLINE,

1999)87. Depois a melodia do canto se recolhe aos poucos de forma sutil e delicada numa calmaria das vozes em uníssono.

Apesar da breve descrição do canto Sanctus da Missa de Alcaçus, o que nos chama atenção são suas palavras, descritas acima, exaltando a santidade Deus, algo sublime, puro, intocável, perfeito, sem mácula, ao qual o homem e sua finitude não pode compreender por completo. É a sublimidade da melodia que se intercala ao significado das palavras de Jesus

Cristo quando recebeu as crianças. “Trouxeram-lhe, então, algumas crianças, para que lhes

impusesse as mãos e orasse; mas seus discípulos os repreendiam. Jesus, porém, disse: Deixai os pequeninos, não os embaraceis porque dos tais é o reino dos céus. ” (Mateus 19: 13 e 14).

Sua atitude em comparar a pureza e espontaneidade infantil, é a mesma atitude predita em Isaías, com espontaneidade e humildade diante de um Ser superior. No canto Sanctus da Missa de Alcaçus, encontramos texto e música em afinidade eletiva sutil nessa parte, na qual tais semelhanças de pureza e simplicidade encontram-se nas canções infantis e no folclore.

O compositor nesse canto da Missa de Alcaçus teve a oportunidade de expressar musicalmente uma melodia singela e de louvor a Deus como sugere o texto bíblico. Essa é

uma atitude para os quais abraçam uma fé, como na declaração de Max Weber: “A fé

autêntica é algo como um dote artístico; é algo que efetivamente se possui ou não”. (MATA, 2011, p. 28).

Entretanto, a arte tecida por Danilo Guanais na obra Missa de Alcaçus, não se uniu apenas a música sacra com a profana, a música erudita com a popular, mas a razão e a emoção, o cânone do Ordinário com romances medievais ibéricos, o regionalismo do Nordeste ao universalismo da música clássica, numa afinidade melódica regida por sua rotinização. Foram aspectos como esses que nos permitiu observar a racionalização na música moderna e na música primitiva, de raízes afetivas e irracionais, dentro da perspectiva weberiana, e sobretudo, a possibilidade de aplicar-se uma sociologia compreensiva na qual não se explicam as causas que se combinam entre si, porém admite-se suas imbricações culturais.

Ao concluir esta pesquisa meu olhar como musicista se funde com o olhar de pesquisadora nas Ciências Sociais, percebendo que a música apesar de sua lógica interna, é um produto de uma cultura, ou de culturas que se fundem, e é capaz de visualizar práticas invisíveis e ausentes sem desperdiçar experiências úteis para a música contemporânea. A pesquisa me permitiu ouvir a Missa de Alcaçus sob diferentes ângulos culturais, além da análise musical, e, a partir de nossa dedicação ao tema, perceber que a música não revela apenas uma dinâmica social, mas a dinâmica do próprio indivíduo enquanto agente social, quando imprime numa obra musical seus valores e práticas que poderiam estar invisíveis. Ao me aproximar das rendeiras de Alcaçus e de seus romances pude perceber que é preciso manter viva essa cultura feminina de cantar romances em canções de trabalho, quase extinta nos dias atuais, e que práticas como essas devem ser visualizadas e presentes na sociedade, por sua contribuição à música popular de tradição oral no Rio Grande do Norte.

Com a pesquisa sobre a aproximação melódica entre os cantos da Missa de Alcaçus e as melodias dos romances ibéricos, encontramos além de suas afinidades eletivas abordadas por Max Weber, que esses romances outrora esquecidos em seu lugar de origem, estão ressignificados na obra Missa de Alcaçus de Danilo Guanais. A relevância por nós encontrada nesse tema, dá-se pela importância de compartilhar esse conhecimento a fim de ampliar o presente aproveitando as diferentes experiências musicais. É portanto, essa compreensão de tempo apresentada por Santos (2000) e a compreensão do indivíduo, ou indivíduos, como unidade final que Max Weber apontou em sua sociologia compreensiva, na qual entendemos sua utilidade e aplicação na obra estudada.

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