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Na esfera educacional, especialmente no âmbito das redes municipais de ensino, são formuladas e desenvolvidas políticas de diferentes matrizes ideológicas, que se expressam em determinados padrões de organização e gestão das escolas. Um exame mais atento dessas políticas mostra que é prática comum, no Brasil, após o período de exceção, o anúncio de compromissos dos dirigentes com a qualidade da educação mediante a democratização da gestão. É necessário, contudo, ao pesquisador que se interessa em desvelar a realidade dos sistemas de ensino (ou outros fenômenos e processos educativos), se apropriar de ferramentas analíticas que lhe permitam ultrapassar o aparente, e desvelar as múltiplas determinações das práticas gestionárias que aí se desenvolvem, como meio de contribuir para o alargamento do conhecimento na área. Daí que, no presente trabalho, buscamos apoio na produção teórica neste campo para iluminar o esforço investigativo de compreender determinados aspectos da prática da gestão na Rede de Ensino do Recife, no período de 1997 a 2004.

Desse modo, buscamos apreender as decisões do governo municipal, no campo da educação, situando-as na complexidade de um país periférico, com grandes demandas sócio-educativas que são historicamente atendidas de

forma precária e limitada, em que pesem as exigências postas quanto à qualidade do atendimento escolar na vasta legislação educacional. Com efeito, desde os idos de 1980, no processo de redemocratização do país, que a educação escolar é vista, com maior ênfase, como um direito social a ser perseguido pelos governos e sociedade.

Com a ascensão dos partidos de oposição ao governo militar de então, instaurou-se certa tradição de incorporar, aos programas governamentais, princípios atinentes à democratização da gestão. Esses princípios foram defendidos como requisitos para o estabelecimento de uma democracia plena no país, pelos grupos e movimentos organizados da sociedade civil. Tal movimentação influenciou os governos que, por sua vez, incluíram esses princípios em suas plataformas de governo, o que veio a ocorrer também no período do governo aqui analisado.

Com a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, esses princípios passaram a ser referências legais para as administrações no país. Reza a LDBEN (Artigo 3º - VIII) que os sistemas de ensino implementem a gestão democrática, o que vai se configurar de forma diferenciada nas diversas administrações.

Uma das formas como a gestão democrática se revela, pode ser verificada no nível e nos processos de participação da população nas decisões das questões que lhe dizem respeito, a exemplo da participação nos espaços escolares, mediante a instauração de órgãos colegiados.

É importante considerar que a gestão se reveste de importância estratégica no âmbito das reformas educacionais processadas na América Latina e no Brasil, sob a égide dos organismos multilaterais, como Banco Mundial, BID e outras entidades congêneres. No Brasil, desde o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995/1998 e 1999/2002), que implementou uma reforma do Estado, de corte gerencial, que a gestão se tornou um item estratégico nas mudanças empreendidas na educação básica. Destaca-se, nesse sentido, o Programa FUNDESCOLA, com financiamento inclusive do Banco Mundial, que abrange um conjunto de projetos que são materializados em nível de sistemas e de escolas. Um desses projetos – o Plano de Desenvolvimento da Escola – PDE – traduz bem a importância atribuída aos processos de gestão.

O PDE enfatiza a escola tendo como foco o aluno, ou seja, visa o

aperfeiçoamento da gestão da escola pública e a melhoria da qualidade do ensino através da sua elaboração e implementação.

A metodologia do PDE encontra-se pautada no planejamento estratégico, o qual se fundamenta nos conceitos e nas teorias da administração de empresas, importando alguns princípios, tais como produtividade, eficácia e eficiência, para as teorias e práticas pedagógicas.

Com este tipo de planejamento, o FUNDESCOLA pretende promover o

fortalecimento da escola, a partir dos convênios firmados com a adesão dos

O Programa FUNDESCOLA se estrutura a partir de uma visão de gestão pautada nos conceitos de eqüidade, efetividade e complementaridade, que são recorrentes nos diversos projetos. Corresponde, assim, a uma matriz conceitual assentada numa lógica instrumental de planejamento e de gestão. Contrapõe- se, portanto, a uma visão de gestão que considera relevante a participação dos atores envolvidos e que visa contribuir para a emancipação humana, mediante a construção coletiva de um Projeto Político-Pedagógico.

No âmbito dos sistemas de ensino, o movimento pela democratização da educação contribuiu para que, em meados dos anos 1980 e década de 1990, as instâncias administrativas estimulassem e orientassem as escolas para adotarem a idéia do Projeto Político-Pedagógico, como formato privilegiado de planejamento e de gestão. Nessa perspectiva, o Projeto Político-Pedagógico revela um caráter democrático e participativo, em que se acentuam o primado da coletividade e a horizontalização do poder em todo o processo.

Todavia, a primazia do Projeto Político-Pedagógico, como instrumento privilegiado de planejamento e gestão, de viés democrático e participativo, sofre uma inflexão com as novas orientações advindas do governo Federal no tocante à gestão pública do setor educação. Sinalizava, o governo Federal, para os estados e municípios com o Programa FUNDESCOLA, que passaria a exercer um papel relevante nas respectivas administrações, em especial com o Plano de Desenvolvimento da Escola - PDE.

O PDE caracteriza-se como um processo de planejamento estratégico com enfoques e princípios diferenciados de participação, se comparado com os

princípios defendidos pelo Projeto Político-Pedagógico, cuja ênfase se situa na idéia da democracia em todo o processo, e não apenas na execução das ações. Isto é, enquanto o PPP prioriza os processos coletivos de participação efetiva na gestão, o PDE vai valorizar a racionalidade do processo.

Aos poucos, o PDE foi sendo assimilado pelas estruturas municipais e estaduais de educação, nos estados das regiões Norte, Nordeste e Centro- Oeste, onde se desenvolve o FUNDESCOLA. A mudança do caráter de planejamento nas redes de ensino tem chamado a atenção de diversos pesquisadores que se debruçam sobre esta temática. Dada a singularidade desse processo, são incentivados estudos e pesquisas que dêem conta das especificidades locais considerando as orientações mais globais. Nesse contexto encontra-se inserida nossa preocupação de examinar como, numa dada realidade, são conjugados tais processos de planejamento. Assim, procuramos analisar a situação da gestão e do planejamento da educação na Rede de Ensino do município do Recife.

Assim, pois, neste estudo, com base nas categorias analíticas gestão democrática da educação e planejamento, tivemos por objetivo analisar o processo de implementação do Plano de Desenvolvimento da Escola – que é um dos projetos que compõem o Programa FUNDESCOLA/MEC – na Rede de Ensino do Recife, Pernambuco, no período de 1997 a 2004.

Considerando que o atual governo do município investigado, que se declara democrático-popular, e possui uma proposta educacional pautada numa visão emancipadora da educação escolar, investigamos como o PDE,

que se encontra inserido numa lógica economicista-instrumental, foi incorporado na prática desta gestão, buscando apreender as mudanças e adaptações que sofrem os processos de planejamento não apenas no âmbito das escolas, mas também em nível de Secretaria de Educação.

Verificamos que no município investigado, antecedendo a chegada do modelo de planejamento e gestão da educação, pautados no planejamento estratégico proporcionado pelo PDE, havia um outro formato sendo posto em prática. Isto é, o planejamento da educação e, principalmente, a gestão da educação, inclusive a gestão no interior da escola, eram orientados por princípios democráticos e participativos que se concretizavam através da elaboração e execução do Projeto Político-Pedagógico.

Todavia, conforme demonstramos no decorrer deste trabalho, a inserção do PDE na Rede de Ensino do Recife, com a proposta de melhoria da qualidade do ensino e o fortalecimento da escola, proporcionados pela adoção do planejamento estratégico, trouxe modificações consideráveis no que se refere aos encaminhamentos acerca da gestão educacional no município, passando a coexistir dois formatos distintos de planejamento e organização da gestão escolar – o PDE e o PPP.

Apoiados em análises acerca da questão educacional no Brasil, buscamos recortar nosso objeto de estudo dando destaque ao movimento da reforma da educação básica, à gestão da educação e ao planejamento educacional.

Inicialmente, efetivamos uma reflexão sobre a reforma do estado brasileiro, implementada na década de 90, especialmente para a política educacional, buscando apreender, a partir das leituras afins, os seus desdobramentos para tais políticas em nível de governo local.

Nesse sentido, buscamos identificar, nas discussões acerca da reforma do estado e da gestão gerencial, alguns elementos que pudessem nos auxiliar na compreensão das nuances presentes no estabelecimento de políticas, por parte do governo federal, direcionados aos governos locais, conforme vem ocorrendo nas últimas décadas, como é o caso do PDE/FUNDESCOLA.

Os achados da pesquisa revelaram que, apesar da valorização de instâncias de gestão democrática no âmbito da Rede de Ensino do Recife, conforme discussão travada no capítulo 3 deste trabalho, há a coexistência de duas práticas distintas de planejamento e gestão, as quais são materializadas através do PDE e do PPP. É possível inferir, também, que este fato desencadeia relações conflituosas na esfera educacional.

Ademais, os depoimentos expressaram uma receptividade positiva em relação ao PDE enquanto instrumento utilizado. Por outro lado, os interlocutores fazem muita alusão ao PPP considerando-o como uma referência. Ou seja, estes sujeitos tomam o PDE como se o mesmo se resumisse a um instrumento técnico que viabiliza o recebimento de recursos financeiros por parte da escola.

É de suma importância ressaltar, no entanto, que os dados evidenciaram que não há uma unanimidade de opiniões entre os entrevistados no que se

refere à gestão democrática e ao planejamento educacional. Os atores envolvidos neste processo, na sua maioria, concebem a gestão democrática da educação como aquela em que há espaço para a participação e para a discussão e decisões de forma colegiada. Entretanto, outros admitem que, na prática, mesmo com a existência dos espaços de discussão, a participação da população ocorre de forma precária.

Os resultados da pesquisa revelam, ainda, que o planejamento baseado na metodologia do planejamento estratégico, referente ao PDE, recebe maior destaque por parte da gestão local, fato que o tornou hegemônico, contrariando os princípios democráticos e participativos aludidos pelo PPP.

Em suma, constata-se que, no município investigado, a gestão educacional e escolar passou a ser gerida seguindo os padrões da qualidade gerencial determinada por órgãos internacionais, em detrimento de uma gestão que tem como foco a formação humana.

A temática abordada não se esgota nesta pesquisa sendo importante, pois, a realização de outros estudos, dada a vastidão de assuntos que podem ser abordados de forma a contribuir para a elaboração do conhecimento no âmbito educacional, especialmente, das políticas educacionais.

Contudo, mesmo considerando o histórico recente de valorização e efetivação de instâncias de gestão democrática na Rede de Ensino do Recife, por parte da gestão municipal, apresentamos algumas proposições que julgamos pertinentes:

• É de fundamental importância uma retomada do Projeto Político- Pedagógico na Rede de Ensino do Recife, para que se tenha um cenário mais propício à consolidação da democratização da gestão da educação e da escola pública;

• Efetivar um processo contínuo e sistemático de incentivo e apoio técnico à retomada do PPP, visto que o mesmo possibilita lidar, no âmbito educacional, com os conflitos inerentes a nossa sociedade;

• O estabelecimento de instâncias democráticas de gestão, por si só, não é suficiente para que se estabeleça uma cultura de democracia voltada à gestão da educação. Faz-se necessário, portanto, que sejam efetivadas discussões em torno das concepções advindas da temática para que, dessa forma, sejam estabelecidas ações condizentes com as mudanças pretendidas; • A adoção de planos e projetos educacionais que viabilizam o

recebimento de recursos financeiros devem ser mais bem adaptados à realidade local, buscando manter a preponderância da proposta emancipadora da educação escolar;

• Os Conselhos Escolares devem ser avaliados quanto ao seu efetivo funcionamento, haja vista se constituírem uma instância decisiva para a democratização da gestão.

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