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Os resultados obtidos a partir do estudo bibliográfico e das análises feitas

através das observações das feições geomorfológicas em campo permitem estabelecer

algumas considerações pertinentes.

A primeira delas refere-se à originalidade da hipótese glacial no Brasil. Esta

pode ser claramente atribuída ao glaciologista suíço Louis Agassiz que, embora equivocado,

foi o primeiro cientista a, de fato, sugerir a ação de geleiras em terras tropicais brasileiras,

principalmente no Rio de Janeiro, Bahia e Amazonas em 1865. Por outro lado, a contribuição

de Agassiz foi muito limitada quando o assunto é a Serra da Mantiqueira, já que o cientista

nunca chegou a visitar os seus domínios, restringindo suas observações até as cercanias da

cidade de Visconde Mauá e, desta forma, não presenciando as peculiaridades da paisagem do

Maciço do Itatiaia.

A reflexão das informações apresentadas por Brice & Figueirôa (1992) permite

que seja traçada uma plausível analogia no que tange a influência das ideias defendidas

duramente por cientistas com credibilidade impecável. Assim como Agassiz influenciou

cientistas que acreditaram na ocorrência de glaciações nas áreas tropicais brasileiras, como

Rio de Janeiro, Salvador e Amazonas, o francês De Martonne exerceu enorme influência ao

apontar a glaciação do Itatiaia como hipótese plausível em 1940. Portanto, da mesma forma

que Hartt foi “persuadido” – em sentido amplo – na observação do “drift glacial”, parece que

Silveira (1942), Ruellan (1943), Rich (1953), Ab’Saber & Bernardes (1956), King (1956),

Brochu, Cailleux, Hamelin, Maack, Mortensen e Raynal [1957], Ebert (1960), Barbosa (1962)

e Segadas-Vianna (1965) foram influenciados na observação das feições originais do Itatiaia.

Muitos destes autores encontraram e descreveram vales em forma de “U”, circos glaciais,

morainas e outros aspectos da geomorfologia de uma região tipicamente glacial, o que os

estudos mais recentes apontam não ser. É importante destacar que o presente estudo não

atribui o possível equívoco dos autores supracitados à falta de perícia ou conhecimento. É

discutido aqui, entretanto, como uma possível ideia preconcebida introduzida por um autor de

renome internacional e com vasta experiência acadêmica pode influenciar autores e estudos

posteriores, fato já percebido por Penalva (1964, 1974).

Ficou implícito o não reconhecimento da contribuição do engenheiro José

Franklin Massena como pioneiro da “Hipótese da Glaciação no MI” em 1867, talvez por falta

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de acesso a sua obra, cujo único exemplar se encontra nos arquivos do Museu Nacional/UFRJ.

Os créditos para tal pioneirismo caíram sobre o então famoso geógrafo francês Emanuel De

Martonne que, em 1940, publicou seu trabalho sugerindo a glaciação no Itatiaia. Desta forma,

exceto o presente estudo, todos os trabalhos posteriores ao início da década de 1940

desconhecem o pioneirismo de Massena no que tange a “Hipótese da Glaciação do MI”.

Quanto às particularidades climáticas favoráveis à ocorrência de geleiras de

altitude no MI, a linha de neve (snowline) associada aos parâmetros físicos de pluviosidade,

altitude e latitude se mostraram fundamentais para o embasamento das discussões acerca da

chance de preservação de firn e, posteriormente, gelo glacial. Desta forma, Clapperton (1993)

e Brochu (1957) mesmo de lados opostos, foram os autores que mais se aprofundaram na

variabilidade regional intrínseca da linha de neve. Da mesma forma, a linha limite da

atividade geocriogênica parece definir a zona na qual esse conjunto de processos típicos de

regiões frias acontece, de forma tal que, de acordo com os estudos de Clapperton (1993) o MI

está nitidamente inserido.

Parece haver, além da discussão relativa à glaciação no Itatiaia, um

questionamento relativo ao tipo de intemperismo causador do nítido desgaste das rochas

sieníticas do alto do planalto. Enquanto um grupo de autores defende a predominância de

processos intempéricos de origem mecânica causada pela turbulência intrínseca dos cursos

d’água, pela ação praticamente intermitente do vento, pela amplitude térmica e pela ação

arrebatadora dos vegetais inferiores associada ao processo de frost-weathering, outros

defendem a ação praticamente exclusiva da dissolução química das rochas.

Entretanto, a interação constante entre os fatores modeladores do relevo no

Planalto do Itatiaia salta indiscriminadamente aos olhos do observador. A análise das feições

geomorfológicas observadas sugere uma similaridade morfológica do MI com produtos

típicos de regiões de geleiras ao redor do mundo. Fato que, como visto anteriormente,

influenciou a interpretação de renomados geocientistas. Todavia, essa similaridade não é

suficiente para garantir uma origem genuinamente glacial, já que nichos topográficos e outras

feições do Itatiaia podem ser explicadas através de fatores alternativos. Ao contrário, ficou

evidente através da bibliografia e de uma percepção mais cuidadosa das feições observadas

em campo que o intemperismo atua de forma dinâmica e constante no alto do maciço,

independentemente da predominância de seu caráter químico ou físico. Adicionalmente, é de

senso comum admitir uma ação constante do intemperismo, principalmente a julgar pela

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altitude discrepante do MI quando comparado às regiões adjacentes como o Vale do Paraíba.

Adicionalmente, dada a comprovada atividade tectônica durante grande parte da evolução

quaternária do MI, é razoável considerar a ação intempérica – física, química e biológica –

associada à estruturação do maciço como explicação das feições de relevo observadas.

É evidente que a interação dinâmica e constante dos fatores químicos, físicos e

biológicos atua em conjunto na modelagem do maciço. Todos, entretanto, subordinados pelo

mosaico estrutural herdado durante a gênese mesozoica do MI. Concordando com Lefevre

(1957), a litologia das rochas subordinada à influência do clima sub-glacial e a ação

secundária do intemperismo durante os períodos pós-glaciais seriam os responsáveis pelo que

é observado hoje no Itatiaia.

Desta forma, Modenesi (1992, 1998) é pioneira ao unificar coerentemente

todas as ideias de formação ora apresentadas por outros autores que tentaram refutar a

hipótese da glaciação no maciço do Itatiaia. Ou seja, de forma muito coerente e com

evidências embasadas em experimentação, a autora consegue explicar grande parte da

morfologia do planalto baseado na ação contínua do intemperismo interligado ao mosaico

estrutural intrínseco do planalto e, ainda assim, perceber a importância da geocriogênese como

processo modelador importante no alto do maciço.

Embora seja razoavelmente certo que as mudanças climáticas do Quaternário

não causaram uma glaciação local stricto sensu no Maciço do Itatiaia, é consideravelmente

coerente admitir a atuação de processos geocriogênicos como agentes modeladores

fundamentais de sua paisagem.

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