5. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
5.3. EVIDÊNCIAS RELATIVAS À GLACIAÇÃO (PRÓS E CONTRAS)
5.3.5. Feições erosivas em mesoescala
Segundo Dusén (1903), a evidência mais forte da ação do intemperismo e
erosão no Itatiaia e, portanto, contrária à “Hipótese da Glaciação do MI”, é a presença de
incontáveis sulcos que frequentemente cortam as rochas mais altas e mais íngremes, sendo
estes sulcos fundos e largos o suficiente para esconder um homem. Segundo o autor, é
69
impossível não atribuir a presença dessas feições à ação das chuvas, visto que, os sulcos estão
sempre orientados na direção da maior inclinação de qualquer encosta onde estejam. Além
disso, Dusén (1903) descreve a presença de marmites de géants ou marmitas como feições
típicas da dissolução causada pelo fluxo de água da chuva quando canalizado e,
posteriormente, barrado por porções mais resistentes da rocha.
Para De Martonne (1940), a profundidade das caneluras poderia estar associada
também aos processos de nivação no planalto.
Silveira (1942) atribui a formação das “caneluras” e as “marmitas” à ação
intempérica das águas da chuva e dos rios que tomam forma torrencial. Segundo o autor, a
ação térmica contribui para a formação dos sulcos a partir da geração de diáclases, que são
muito comuns. Entretanto, Silveira (1942) contrapõe afirmando que não são as formas fluviais
que dominam o cenário regional, sendo necessária a presença de outros fatores para explicar o
modelado, neste caso a glaciação.
Ruelan (1943) claramente defende a glaciação no alto do Itatiaia a partir da
observação e constatação de roches moutonnées e destaca as caneluras como resultado das
diáclases (que foram apagadas pela erosão) associadas ao escoamento superficial da água.
Segundo o autor, todas as paredes da rocha estão cortadas pelas caneluras que podem atingir 1
m de profundidade perpendicular à superfície, e no topo de cada canelura existe uma
depressão cheia de água (alvéolo) no qual deu início à canelura. Para o autor, o resultado de
todos os agentes erosivos formaria feições conhecidas como lapiès, que seriam basicamente o
resultado da fácil desagregação do sienito através da hidratação dos feldspatos e posterior
erosão.
Domingues (1952) afirma que as caneluras e as pequenas depressões (alvéolos)
resultam da dissolução do sienito devido a água da chuva. Segundo o autor, a superfície das
rochas encontra-se quase sempre coberta de líquens e a água que escorre traz dissolvida ácidos
orgânicos que contribuem muito para o intemperismo. Outra prova da forte ação da
decomposição química é o grande número de alvéolos existentes na superfície das rochas,
onde se dá a verdadeira dissolução das alcalinas. O mesmo se observa na formação das
caneluras. Isto se verifica em função da constituição da própria rocha e com o auxílio de
vegetais inferiores, ressaltando entre eles os líquens.
Rich (1953) menciona a presença de matacões escavados por torrentes glaciais
e ainda seleciona evidências fotográficas na tentativa de comparar feições erosivas geradas por
70
intemperismo diferencial ou torrentes glaciais. O autor afirma ainda que as flutuações glaciais
se dispõem essencialmente em superfícies horizontais suaves marcadas pela água correndo
sobre elas, mas que não há ranhuras profundas. O autor não deixa de destacar que os supostos
alvéolos se restringem aos matacões alojados na base (porções mais baixas) dos vales, o que
sugere uma gênese glacial formada durante torrentes repentinas após a desobstrução de corpos
d’água.
Para Rich (1953), uma forte evidência da possível glaciação seria o polimento
das rochas ao redor dos vales que estariam cobertas por gelo em movimento. Em
contrapartida, as partes mais altas das Agulhas Negras não estão polidas, sugerindo que essa
porção não estaria coberta de gelo em movimento.
Odman (1955) também discute a presença de potholes. Enquanto Rich (1953)
atribui sua existência à ação turbilhonar dos fluxos de degelo, De Martonne (1940) explica sua
existência através da decomposição química, ponto de vista defendido por Odman (1955).
Maack (1957), embora defensor da glaciação, percebeu a forte influência das chuvas na
formação das caneluras verticais (chamadas pelo autor de “ravinas”) e profundas sobre a rocha
nua ao longo das linhas estruturais e fissuras do nefelina-sienito.
Birot (1957), opositor da hipótese da glaciação, afirma que não é observada a
polidez tipicamente esperada para uma superfície glacial topograficamente confinada em
bacias, como ocorre no MI. Para Hamelin & Cailleux (1957), nos cumes a amplitude térmica
diária é muito maior que a variação anual e a alternância gelo-chuva contribuiria muito para a
dimensão e formação das caneluras.
Lefevre (1957) nega a presença de fatores-chave para a conclusão da hipótese
da glaciação, ou seja, o autor não encontra testemunhos de um ataque direto pelo gelo, nem
estrias glaciais, nem rochas acarneiradas (moutonnées), nem os clássicos circos. Quanto às
caneluras (ou o que chama de lapiés), o autor questiona a origem dos filetes de água que
desgastam a rocha nitidamente de cima para baixo e atribui sua possível origem à fusão da
neve que se acumularia nos cumes. Desta forma, o autor percebe que nos topos
sub-horizontais das superfícies altas existem cúpulas de decomposição química (marmitas),
observadas também nos blocos caídos. Assim, o derretimento da neve seria o responsável por
este microrelevo abundante nas partes altas do Itatiaia, no qual parte da água acumulada
escoaria pela periferia das pequenas depressões dando início à canelura que, com o tempo, se
71
acentuaria. O autor nota ainda que as vertentes orientadas para o Atlântico, que recebem maior
quantidade de chuvas, apresentam maior densidade de caneluras do que as faces opostas.
Macar (1957) atribui às caneluras uma origem relacionada ao intemperismo
químico pela água da chuva, talvez auxiliado pela presença de líquens que “enriqueceriam” a
água temporariamente retida com ácidos húmicos. O gradual escoamento dessa água através
da face das rochas gera a dissolução através do caminho da água.
Raynal (1957) comenta sobre a importância dos líquens que “colonizam” as
“poças” (marmitas) formadas sobre as superfícies sub-horizontais dos grandes blocos de
rochas nuas no alto do Maciço. E, de alguma forma, essas formas de vida podem fornecer
material químico que catalisa as reações de decomposição química dos sienitos durante o
inverno.
Além de defender a presença de feições acarneiradas (roches moutonnées), no
que tange a gênese das caneluras e alvéolos, Barbosa (1962) apresenta uma explicação
alternativa para a formação destas feições, embasada na dureza dos minerais. Para o autor, sua
formação deve-se exclusivamente à ação mecânica das chuvas e enxurradas dela decorrentes.
O quartzo do nordmarkito, desagregado e movimentado segundo a linha de maior declividade,
gasta os minerais mais moles da rocha (anortoclásio, biotita, anfibólio e titanita), os quais na
superfície encontram-se levemente hidratados por incipiente meteorização química.
Assim como para Ebert (1960), para Segadas-Vianna (1965) a ausência de
estrias e outras feições que acabariam com a polêmica “Hipótese da Glaciação do Itatiaia” se
deve à incrível susceptibilidade das rochas alcalinas ao intemperismo químico e erosão.
Segadas-Vianna (1965) reconhece ainda o efeito da erosão no alto do Itatiaia sobre os blocos e
a rocha nua dado através das caneluras que, segundo suas descrições podem alcançar até 25
cm de diâmetro e, quanto à natureza do intemperismo que gera tais feições, Segadas-Vianna
(1968) é categórico ao afirmar que a “erosão” observada é de natureza química.
As feições erosivas, tais quais caneluras e marmitas, são explicadas por
Segadas-Vianna (1965) através do alto poder oxidante da água, que reage com o ferro das
rochas cristalinas causando sua desagregação. A água, rica em ácidos carbônico e nítrico,
penetra pelas microfissuras e diáclases das rochas dissolvendo os feldspatos e feldspatóides.
Além da porção carreada em dissolução na água, outra parte é hidratada e lavada em
suspensão ou em forma coloidal. Desta forma, as pequenas alvéolos e concavidades
(marmitas) são gradualmente formados na rocha.
72
Ainda segundo Segadas-Vianna (1965), durante as estações frias e secas, as
depressões das rochas são “colonizadas” por líquens que se estabelecem sobre o fino solo
formado por partículas desagregadas de rochas que não foram carreadas pela água, ou outro
agente de erosão. De acordo com esse autor, “Os ácidos orgânicos então produzidos pelos
líquens têm papel fundamental no aprofundamento e alargamento dessas depressões formadas
sobre as rochas. Com os seguintes ciclos de estações secas e úmidas, as depressões se alargam
até que sua borda se rompa, como o dreno de uma barragem”. A partir de então, a água passa
a escoar sempre por este caminho de mais fácil transposição, fato que consolida gradualmente
a formação das caneluras. Como prova disso, Segadas-Vianna (1965) observa que, acima de
cada uma das caneluras há uma depressão ao qual o autor prefere chamar “alvéolo”, ao invés
de pothole, termo que, segundo ele, sugere apenas o resultado de desgaste mecânico, usado
por outros autores.
Para Modenesi (1992), as caneluras distribuem-se sobre os sistemas de
diaclases. Sobre rochas pouco diaclasadas, as cristas têm aspecto maciço com bordas
arredondadas e seção convexa, caso contrário, tem aspecto caótico.
Clapperton (1993) explicita que, embora a superfície do planalto seja
caracterizada por rocha nua cujas feições lembrem superfícies mamilonares previamente
glaciadas, não há qualquer evidência de processos glacias que atuaram no passado. Não há
estrias glaciais ou superfícies de abrasão que, assim como na Escandinávia e Escócia,
sobrevivem a processos intempéricos posteriores. Quanto às rochas que lembram supostos
rochês moutonnées do Itatiaia, estas feições coincidem com a estrutura anelar que limita o
planalto (Teixeira, 1961; Penalva 1964); entretanto, ocorrem na vertente voltada para o dentro
da bacia interna, fato que não ocorre com verdadeiras roches moutonées, que são formados
pelas geleiras que descem pela face voltada para a vertente externa do maciço (Clapperton,
1993).
No documento
A POLÊMICA HIPÓTESE DA GLACIAÇÃO DO MACIÇO DO ITATIAIA
(páginas 85-89)