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3.1 “POR QUE RECUSAS AMOR E PERMANÊNCIA?”

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Amar: É coisa de morrer e de matar. Mas tem som de sorriso”. (Hilda Hilst, 1993)

Após meses de pesquisa conclui-se o que se propõe na pesquisa sobre “As transfigurações do mito de Ariadne e Dionísio em Hilda Hilst”. Pesquisar Hilda Hilst não é simples, requer interpretação, entender o que não foi dito, ler nas entrelinhas e esmiuçar pequenas sentenças. Adentrar o universo hilstiano requer compreensão, não de literatura, mas de mundo. Escrever sobre uma obra, mesmo trazendo a discussão de teóricos, é limitá-la ao nosso entendimento. Afirmar que a pesquisa está concluída é impossível, pois há muitas lacunas a serem preenchidas, muitos teóricos para trazer comparativos, muitas interpretações possíveis.

Há quem leia esta dissertação e não concorde com o que foi escrito, mas a poesia permite isto, vários sentidos de um mesmo significado. Pesquisar uma escritora que não segue os padrões canônicos nos dá liberdade para estudar, mas também uma responsabilidade muito grande de tentar compreendê-la a partir de nossas perspectivas. As artes não fazem parte de uma ciência exata, há uma pluralidade de áreas e de interpretações. Representam uma importante parte no contexto cultural, servindo como agente transformador a partir da sensibilidade e ampliação de visão do mundo. Alfredo Bosi, em História concisa da literatura brasileira, cita esta transfiguração “nas palavras da própria Cecília Meireles "a poesia é grito, mas transfigurado". A transfiguração faz-se no plano da expressividade”. (BOSI, 1994, p.512). Seguindo o que se propôs nesta pesquisa, analisou-se a transfiguração no conjunto poético “Ode descontínua e remota para flauta e oboé. De Ariana para Dionísio”, que compõem a quarta parte do livro Júbilo, Memória Noviciado da Paixão (1974). Cândido diz que “a literatura é uma transfiguração da realidade” (CÂNDIDO, 2011, p.162) assim, a poesia traz os sentimentos transformados em palavras e imagens. O livro marca a retomada à poesia, após Hilda Hilst ter se dedicado ao teatro e a ficção. Esta retomada poética é um importante marco na produção literária da autora, pois traz elementos de drama e ficção que antes não eram percebidos em seus poemas.

O eu lírico é Ariana e canta ao seu amor, Dionísio. O erotismo e o desejo são a base desta obra que apresenta o deus transfigurado em homem, mas que não se faz presente perante a amada. A menção à mitologia grega, especificamente a paixão entre o deus Dionísio e a princesa mortal Ariadne, é fundamental para compreender os poemas pesquisados. Dionísio simboliza a complexidade e a metamorfose, sendo assim considerado como sendo um deus de

difícil definição, impossibilitando definir um perfil tanto físico quanto psicológico dessa divindade. Conforme Eliade (1992, p.52) o homem só se reconhece verdadeiramente ao imitar os deuses, os heróis civilizadores ou os antepassados míticos. O homem religioso não é dado: faz-se a si próprio ao aproximar-se dos modelos divinos. Estes modelos são conservados pelos mitos e, aqui, o divino é apresentado juntamente com o profano e traz o erotismo como base dos poemas.

Buscando contextualizar o mito com os poemas, percebe-se a transmutação dos significados, como a não sacralidade, mas a compreensão dos ritos. Leminski afirma que os mitos podem ser eternos, pois a explicação mitológica manteve viva as fábulas durante milênios. Ele afirma que “toda transformação exige uma explicação. O ser, sim, é inexplicável. Qualquer fábula vive mais do que uma pirâmide do Egito.” (1998, p. 21)

Nos poemas pesquisados os personagens, transfigurados da mitologia, polarizam o erotismo. Ariana é quem canta, ela quem dá nome as canções, quem exalta Dionísio, mas também afirma “que não venhas”, porque o quer por inteiro. Na evolução da sexualidade a mulher se redescobre, assim como Ariana, cada vez mais plural.

É na evolução da sexualidade, (presente em sua poesia inicial), para o erotismo, que se coloca o problema da Mulher, tal como vem sendo colocado em nossos tempos: ela se redescobrindo, como princípio, expansão e duração do homem. É como se, concentrando-se cada vez mais sobre seu próprio eu, a Mulher fosse, paradoxalmente, se descobrindo cada vez mais extensa e multiforme. (COELHO, 2004 p.12)

A poesia de Hilda Hilst é única, nos causa um certo desconforto e nos tira da comodidade. Sem se prender a nenhum movimento ou formato suas obras são incomparáveis. O fechamento desta pesquisa acadêmica deve existir, porém a pesquisa sobre sua obra está longe de se concluir. Temas como amor, morte, ausência e transcendência permeiam os poemas de forma universal e, isto por si só, já é um leque muito grande. Trabalhar com poesia envolve mais do que pesquisa, exige uma sensibilidade que não pode ser traduzida.

Por fim, esta dissertação serve como contribuição às pesquisas acadêmicas, por se tratar de uma trabalho sobre a poesia de Hilda Hilda e a forma como foi interpretada sua subjetividade neste conjunto poético. A pesquisa serve ainda para a disseminação do universo hilstiano na esperança de que seu legado seja conhecido por novos leitores.

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