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3 “É MAIS VASTO O SONHO QUE ELABORA HÁ TANTO TEMPO SUA PRÓPRIA TESSITURA”

“Seres se traduzem, tudo pode ser metáfora de alguma outra coisa ou de coisa alguma, tudo irremediavelmente metamorfose”. (Paulo Leminski, 1998)

Júbilo, Memória Noviciado da Paixão (1974) foi lançado por Massao Ohno16 e ilustrado

por Anésia Pacheco Chaves, representando uma nova fase para Hilda Hilst. Além da importância da tradição lírica mantida em sua obra, este é o primeiro livro de poesia após suas publicações em prosa. Antes havia escrito oito peças de teatro, sendo premiada por Verdugo em 1969, e dois livros de ficção, Fluxo-Floema (1970) e Qadós (1973). Temas bastante explorados em suas obras como paixão e morte estão presentes nos poemas ganhando diferentes nuances. O centro temático é o amor não realizado. O eu lírico busca o amado que despreza seu amor, metamorfoseando-se em Túlio e Dionísio, simbolizando diferentes formas de afeto, com exceção dos poemas do início e do final da obra não possuem nenhum nome fictício.

Hilda Hilst passou sete anos sem publicar livros de poesia, porém continuou escrevendo seus poemas, como consta na bibliografia apresentada em Fluxo-floema (1970) listando Ode

descontínua e remota para flauta e oboé como escrita em 1969, porém os poemas

permaneceram inéditos até o lançamento do livro. As críticas foram positivas e a imprensa noticiou o lançamento do livro enaltecendo a coragem da escritora que mantém sua personalidade.

Júbilo, Memória Noviciado da Paixão restabelece as ligações de Hilda Hilst com a poesia, interrompida desde seus versos em 1969. Esse retorno deve ser saudado como mais uma afirmação da extraordinária força lírica de um poeta que enfrenta o problema da escolha de temas com a segurança de quem tem algo a dizer numa linguagem própria, que não se preocupa com os “ismos” da moda, mas tem o selo da validade permanente. (SCALZO, 1974)

Neste período a autora inicia um processo de quebra de gêneros, levando a poesia para o drama, o dramático para a poesia e a poesia para a prosa. Assim, a linguagem poética passa a ter uma profundidade de significados muito mais ampla e trabalhada. O livro é roteirizado, seguindo uma linha que desenvolve outros centros significativos, mas que ao mesmo tempo mantém autonomia e reflexões sobre o mesmo tema. Além de procurar fazer um livro orgânico, Hilda Hilst reforça a comunicação entre os sujeitos e os objetos dos poemas. Este diálogo com

16 Massao Ohno foi o principal editor das obras de Hilda Hilst. Foi ele quem publicou O Caderno Rosa de Lory Lambi (1990), iniciando a tetralogia erótica da escritora, quando grandes editores se recusaram lançar o livro.

o outro é o principal recurso destes poemas, que se personificam em Morte, Amor, Vida, Paixão e Deus.

Além de referências clássicas como a mitologia grega, os poemas perpassam códigos de sua vida pessoal, como a dedicatória “M.N.”, que correspondem à Júlio Mesquita Neto, cuja iniciais dão título ao livro. Em vários poemas ele é apresentado como Túlio, como destacado em seu diário e em entrevistas. Dionísio também é a personificação de uma paixão da escritora e entender esta ligação em nada compromete o entusiasmo dos poemas. A entrega amorosa é marcante nos textos, em entrevista para o jornal Folha de São Paulo ela afirma que “são poemas de amor, quase compulsórios, uma necessidade incontida de reencontrar o amor” e continua comparando os personagens com sua vida “meus personagens deparam com o abismo da identidade e sofrem, como eu, mas o livro são apenas poemas de amor”. (HILST, 1974)

O jornal O Estado de São Paulo anunciou o lançamento do livro com a seguinte notícia “Hilda mantém neste livro a mesma forma de poetar a que já nos acostumamos. Não faz pesquisa nem malabarismo semânticos. Não inova pelo simples gosto de inovar ou acompanhar a moda. Não descamba no linguajar que continua límpido e emocional.” (SILVEIRA, 1974)

O evento de lançamento de Júbilo, Memória Noviciado da Paixão aconteceu em 23 de abril de 1974, às 20h, na Galeria Fernando Millan, em São Paulo. A tiragem foi de 1 mil exemplares pela Editora Massao Ohno e o valor de venda foi de 30 cruzeiros. O livro é composto por sete partes, divididas da seguinte forma:

a) Dez chamamentos ao amigo

b) O poeta inventa viagem, retorno, e sofre de saudade

c) Moderato Cantabile

d) Ode descontínua e remota para flauta e oboé. De Ariana para Dionísio

e) Prelúdios-intensos para os desmemoriados do amor

f) Árias pequenas. Para bandolim

g) Poemas aos homens do nosso tempo

Pesquisando as imagens dos arquivos do CEDAE percebe-se que inicialmente duas partes não estavam na obra: Moderato Cantabile e Poemas aos homens do nosso tempo. Já

instante, para Ária amaríssima de um tempo como observa-se nas anotações e, por fim, na

publicação oficial.

Figura 6: Títulos de poemas - 1973

Fonte: Cópia feita pela pesquisadora em 2018 – CEDAE

Dos conjuntos de poemas inseridos posteriormente, Moderato Cantabile é composto por seis poemas dedicados a Túlio e Poemas aos homens do nosso tempo contém 17 poemas.

Júbilo, Memória Noviciado da Paixão foi publicado em 1974, em pleno período de ditadura

militar, o que justifica sua inserção tardia. Observa-se que o livro começa com uma paixão mais cometida que vai crescendo ao longo da obra e se encerra com um tom político reflexivo sobre o momento em que o país estava passando.

A força mostrada no último conjunto de poemas se difere dos demais, buscando trazer reflexão sobre o período ditatorial brasileiro e a censura17 que afetava toda a classe artística.

E enquanto estiverdes À frente da Pátria Sobre nós, a mordaça. E sobre nossas vidas - Homem político –

Inexoravelmente, nossa morte. (HILST, 1974)

Nas imagens abaixo podemos ver uma sequência de 11 notas, sem data definida, sobre o processo criativo de elaboração do nome do livro. A primeira indicação é Exercícios poéticos

da paixão, na sequência o nome apresentado é Via passional e persistente do poeta. O próximo

título é Liturgia eloquente da paixão, seguidos de Roteiro veemente da ideia e da paixão e Os

dríplices difíceis tempo da paixão.

Após elencar suas obras em anotações, volta ao Exercícios poéticos da paixão, seguido de Agônica viagem através da paixão. Paixão, ventura e desventura do poeta que logo é substituído por Paixão, ventura e singularidade do poeta. Já nas últimas anotações percebemos que o formato do nome do livro já estava definido e que a palavra paixão era o elo entre as demais palavras, bastava apenas encontrar os termos que se encaixassem na ideia de Hilda Hilst. As últimas notas trazem Tulio, paixão, ventura e desventura do poeta e encerra-se com Júbilo,

memória, nascimento da paixão. O termo nascimento é cortado dando lugar a noviciado – Júbilo, memória, noviciado da paixão é escrito com letras garrafais, sublinhado e assinalado

com “Achamos!” Aqui definiu-se o nome do livro como conhecemos hoje.

Figura 7: Notas sobre o título – de 01 a 03

Fonte: Cópia feita pela pesquisadora em 2018 - CEDAE

Figura 8: Notas sobre o título – de 04 a 06

Figura 9: Notas sobre o título – de 07 a 10

Figura 10: Definição do título

Após a escolha do título inicia-se o processo de definição da capa. O editor foi Massao Ohno e a capa de Anésia Pacheco Chaves18. Em carta Anésia afirma a Hilda Hilst estar preocupada, pois a orientação do editor não ia ao encontro do que considerava estar de acordo com a sutileza dos poemas. Ela diz, conforme podemos ver na mensagem, “Massao Ohno esteve em minha casa. Discutimos a capa de seu livro. Ele quer uma mulher com as coxas abertas e o sexo em primeiro plano. Não penso estar isto de acordo com seus poemas, muito mais sutis.” (CHAVES, 1974)

Figura 11: Carta de Anésia Pacheco Chaves a Hilda Hilst – 1974

Fonte: Cópia feita pela pesquisadora em 2018 – CEDAE

18 A francesa Anésia Pacheco e Chaves é uma pintora, desenhista, escultora, gravadora e escritora. Naturalizada brasileira, atuou como escritora e crítica e, entre 1978 e 1985, escreve sobre arte, cultura e feminismo no jornal Folha de São Paulo.

A seguir podemos observar a resposta da escritora à Anésia, negando as orientações do editor “Então imagine, que besterada que seria uma capa daquelas” e dá orientações de como gostaria que fosse a capa:

Eu imaginei uma coisa mais ou menos assim: um círculo (bossa mandala), acima do círculo, isto é, fora dele as palavras JÚBILO

MEMÓRIA NOVICIADO

E dentro do círculo DA PAIXÃO. E meu nome, se possível dentro do círculo. (HILST, 1974)

Na carta também fala sobre o nome do livro e reforça as iniciais J.M.N, referentes a paixão que estava vivendo e que “noviciado quer dizer tempo de aprendizado”. Segue afirmando que ainda tem três poemas para inserir no livro e que totalizará 85 poemas no livro.

Figura 12: Carta de Hilda Hilst a Anésia Pacheco Chaves - 1974

Como podemos perceber na capa original de Júbilo, Memória Noviciado da Paixão, as orientações da autora foram seguidas, deixando apenas seu nome na base da capa e não dentro do círculo como havia sugerido. A segunda versão, publicada pela Editora Globo em 2001, é completamente diferente, seguindo uma linha minimalista, traz a capa branca com o nome de Hilda Hilst no topo, a imagem de uma pequena maçã cortada ao meio seguida do nome do livro em uma única linha. Foi publicado pela terceira vez pela Companhia das Letras em 2018, trazendo uma capa vermelha, de Elisa von Randow, que lembra a original, ilustrado com um coração humano em primeiro plano e pequenas estrelas ao fundo.

Figura 13: Capa de Júbilo, Memória Noviciado da Paixão - 1974

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